quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Empresariais pelo Prejuízo Operacional

Resumo:

Apresentamos uma breve apreciação sobre a responsabilidade dos administradores de sociedades empresariais em decorrência dos prejuízos operacionais, frente aos empregados, credores e sócios/acionistas, pelos danos gerados à fixidade do capital social.

Considerando para tal, que a omissão de cautela caracteriza a responsabilidade, sendo que esta omissão de cautela é o nexo causal entre o dano e a gestão empresarial.

No desenvolvimento deste artigo propomos demonstrar a base legal desta responsabilidade e o dever do administrador e controladores de indenizar, salvo motivos de força maior ou de ordem fortuita.

1. Introdução:

Justifica-se esta abordagem pela necessidade e direito que os sócios/acionistas minoritários e credores têm da manutenção ou da fixidade do seu investimento, na hipótese de prejuízo operacional em uma sociedade empresarial gerados por omissão de cautela dos administradores e/ou dos controladores.

2. Desenvolvimento:
A responsabilidade da administração pela perda da fixidade do capital social tem amparo na teoria ultra vires, pois, o administrador deve ser o guardião da fixidade do capital social. Esta é a sua principal atribuição, até porque as demais decorrem desta. E toda forma de omissão de cautela do gestor implica em responsabilidade deste perante os sócios/acionistas, a sociedade e os credores.

Na perda da fixidade do capital social, aplica-se ao administrador e ao controlador a responsabilidade de indenizar, por ação ou omissão, como prevê o CC/2002, arts. 186 e 187.

Uma omissão de cautela de um administrador é uma grave falta, pois a cautela, “cuidado”, como elemento de responsabilidade, é um gênero que se divide em tipos, tais como: probidade, diligência, due diligence, lealdade, adoção de procedimentos de compliance, avaliação de resultados, e zelo para com o patrimônio da pessoa coletiva.

Toda a omissão de cautela, implica na não adoção da cautela e dos cuidados necessários para o correto exercício da função de gestão ou de controle.

O correto exercício da administração de uma célula social, implica na adoção de controles internos eficientes, de boas práticas econômicas, financeiras e comerciais. Pois, espera-se do administrador, no mínimo, cuidado na escolha dos subordinados e o acompanhamento dos trabalhos dos subordinados, dos parceiros comerciais e dos especialistas terceirizados.

Atos de probidade e diligência estão implicitamente ligados aos procedimentos e cautela que devem ser adotados na apreciação de propostas comerciais, na defesa dos interesses da sociedade, na formação do preço dos produtos e serviços comercializados, na capacidade de endividamento, na preservação do capital social, na administração do capital de giro, na adequação da produção de bens e de sua possibilidade de venda, na asseguração de dividendos mínimos, na manutenção da função social da propriedade, na distribuição de dividendos que tenham a sua realização financeira efetiva antes da sua distribuição.

Toda a falta de uma atuação firme e eficiente dos administradores, sem conflito de interesses e dentro das atribuições da função, fere a consonância com os deveres de diligência e lealdade, portanto, com a cautela.

A cautela em seu aspecto de diligência impõe o dever inalienável do administrador de avaliar e divulgar junto aos sócios/acionistas os resultados econômicos, financeiros e sociais alcançados pela sociedade que administra. Inclusive, a aprovação em assembleia de suas contas, balanço patrimonial, balanço e resultado econômico e do fluxo de caixa. Tais deveres de cautela, impõem ao gestor o dever, acima de tudo, de fazer as devidas indagações e obter todas as informações necessárias para uma tomada de decisão refletida e imparcial na elaboração do plano de negócios e do orçamento empresarial e seu controle.

A falta de cautela implica em responsabilidade, por abuso de poder, abuso de direito e/ou desvio de finalidade, que gera a necessidade de reparação dos danos e reposição de lucros cessantes, junto a sociedade, empregados, sócios e terceiros credores que foram prejudicados.

Deve o administrador provar que todas as cautelas necessárias à sua administração foram aplicadas nos termos da boa prática administrativa e propor a distribuição dos prejuízos aos sócios na hipótese de sua ocorrência, na proporção de suas quotas, observando os termos do art. 1.007 do CC/2002, caso outra regra não tenha sido pactuada no contrato social ou no estatuto. Nas lacunas da Lei 6.404/1976, em relação aos administradores[1] e aos acionistas controladores, por analogia, lógica e equidade, aplicam-se aos prejuízos operacionais das anônimas a regra do art. 1.007, por força do CC/2002, arts 1.088 e 1.089, cuja cópia segue in verbis:

Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.

Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código. 

Diante da constatação do prejuízo operacional está presente a enfermidade que cria a perda do capital social. O que pelo viés da teoria pura da contabilidade, isto representa uma violação do princípio da estabilidade ou da fixidade do capital social, o que é muito mais grave do que um simples pedido de falência ou inadimplemento junto aos credores, pois a literatura[2] enfatiza que:

Com este princípio essencial da regulamentação do capital social, pretende-se demonstrar a tendência do capital como cifra estável, ou fixa, que consta do pacto societário. Este princípio não implica, na invariabilidade absoluta do capital; pode este ser alterado, mas apenas através de uma deliberação dos sócios ou acionistas que modifique o contrato ou o estatuto. Este elemento fixo, garante a posição relativa de cada membro da sociedade, e a proporção dos seus direitos e obrigações que é fixo, uma vez que vertem da respectiva participação no capital social. Entendemos que a principal função do capital social inicial é a de garantia dos credores devendo ser corroborada pela criação e manutenção das reservas.

Não existindo a distribuição de prejuízo aos administradores e sócios/acionistas controladores, isto gera um desconforto econômico aos credores e demais sócios/acionistas, em decorrência da violação do princípio da estabilidade ou da fixidade do capital social. Uma vez que o capital social foi consumido, exaurido, pela geração de prejuízos operacionais. Logo, é evidente a necessidade de distribuição de prejuízos para a recomposição do equilíbrio monetário do patrimônio.

O administrador e os sócios/acionistas controladores têm o dever de probidade e de diligência, pontualmente no que diz respeito à liquidação das obrigações da sociedade, quando, durante o exercício da empresa[3], agiram ou foram omissos com o dever de conservar o capital social.

Cabe destacar que a lei brasileira, desde a época do império, teve como espírito a proteção dos credores e a função social do capital, mediante a segurança do capital social íntegro, ou seja, qualidade do capital social, o qual (princípio da fixidade) determina que não se pode deixar exaurir o capital.

Desde a época da vigência da teoria dos atos e fatos de comércios[4], a qual protegia os comerciantes, o princípio da fixidade do capital social para as sociedades empresárias, foi deveras importante, vejamos:

A extinta Lei 3.150 de 04 de novembro de 1.882, que regulava o estabelecimento de companhias e sociedades anônimas, impôs o dever da liquidação forçada quando da perda do capital social, (art. 17 (…) no caso de perda de metade do capital social, os administradores devem consultar a assembleia geral sobre a conveniência de uma liquidação antecipada.  No caso, porém, de que a perda seja de três quartos do capital social, qualquer acionista pôde requerer a liquidação judicial da sociedade.)

O extinto Decreto 8.821 de 1882 que regulava a execução Lei 3.150 de 1882, onde a liquidação forçada estava prevista no art. 97, parágrafo 3º, para os casos da perda de três quartos ou mais do capital social.

E a ciência jurídica aperfeiçoou o direito, que evoluiu, da teoria dos atos e fatos de comércio, para a teoria da preservação da empresa, em função do Código Civil de 2002, onde a liquidação forçada das sociedades empresariais foi substituída, pela  preservação da empresa, mantendo-se o princípio da fixidade do capital, de tal forma, que  os administradores e controladores, salvo responsabilidade dos demais sócios/acionistas, são obrigados a participarem na distribuição dos prejuízos, de forma proporcional a sua participação no capital social, vide art. 1.007[5] do CC/2002, assim preservando os interesses dos credores e a atividade empresarial em decorrência de sua função social.

A hipótese da resolução da sociedade, em relação a um dos sócios, art. 1.029 do CC/2002, sem que o administrador e os controladores honrem com a sua participação nas perdas, implica em locupletação sem causa dos sócios remanescentes. Até porque, as quotas a serem liquidadas do sócio retirante são precificadas segundo a situação patrimonial da sociedade verificada em balanço especialmente levantado, nos termos do art. 1.031 do CC/2002. Igual situação se aplica aos acionistas, na hipótese do reembolso de suas ações.

A responsabilidade dos administradores e controladores, também está presente na ação de continuar o negócio, ou da omissão de interromper o negócio que sabe, ou deveria saber que é inexequível economicamente.

3. Conclusão:
Concluindo-se que os administradores e os controladores são responsáveis pela reparação do prejuízo ao capital social, exceto se o prejuízo e perda do capital decorrerem de fatos fortuitos ou de força maior. Os casos de força maior ou fortuitos são os fatos estranhos à boa intenção e à diligência dos administradores, como incêndios, roubos, terremotos, confisco de capital e bens, guerra, furação, depressão e recessão econômica do país, ou seja, fatos ou efeitos que não são possíveis ao administrador e sócios/acionistas controladores evitar ou impedir. A responsabilidade civil dos administradores e controladores das sociedades empresariais é inerente a qualquer labor de um gestor. Tendo em vista que as indenizações visam restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. A ação contra administradores, ou fiscais, prescreve em três anos, art. 206 do CC/2002. E em um ano para os gestores das anônimas, art. 287 da Lei 6.404/1976, sendo contado este prazo, a partir da data da publicação da ata que aprovou o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.

E por fim, informamos que este artigo foi parafraseado a partir do nosso livro: Prova Pericial Contábil. 16. ed., Juruá Editora, no prelo.

Referências

HOOG, Wilson. A. Z. Dicionário de Direito Empresarial. 7. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2017.

______. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017

______. Prova Pericial Contábil. 16. ed. Curitiba: Juruá Editora, no prelo.

Brasil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

______. Lei 3,150 de 4 de novembro de 1882. Regula o estabelecimento de companhias e sociedades anônimas.

______. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

[1]  Lei 6.404/1976 – responsabilidades dos administradores. “ Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: (…) § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral. § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.”

[2] HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 350.

[3]  Exercício da empresa (arts. 1.142, 1.155, 1.172, 1.184) – prática da atividade, objeto social, ou seja: qualquer ação ou trabalho relacionado à empresa, ou seja: a atividade negocial. Defesos os atos contrários ao contrato social e às Leis. Portanto, o exercício da empresa é somente todo tipo de ação vinculada à função normal do objeto social da sociedade. Este exercício da empresa pelo seu administrador é delineado pelos arts. 1.015 ao 1.020; e pela função social da propriedade, art. 170, inc. III, da CF, em decorrência da supremacia do direito coletivo sobre o privado. HOOG, Wilson. A. Z. Dicionário de Direito Empresarial. 7. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2017.

[4] A teoria dos atos de comércio teve a sua origem na França, no Código Comercial Napoleônico de 1807, com vigência a partir do ano de 1808. O Código Comercial Napoleônico tem como núcleo conceitual a pessoa natural, diferente da teoria das empresas, que tem no seu núcleo a preservação da atividade econômica, a empresa.

[5]  “Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]
i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

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