Os últimos anos de prática tributária deixaram claro que o Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), introduzido pelo Decreto nº 3.000/1999, vinha se tornando muito mais uma peça de decoração de escritório do que um instrumento efetivo para interpretar a legislação tributária.
Publicado em 26 de março de 1999, o RIR/99 foi instituído com o intuito de “oxigenar” o texto do então RIR/94, especificamente em razão da incorporação das alterações das Leis nº 9.249/1995 e nº 9.430/1996, que modificaram substancialmente a legislação de regência do imposto sobre a renda.
Nesse contexto, é salutar a publicação do Decreto nº 9.580/2018, que propõe em seu anexo único um Novo Regulamento do Imposto de Renda (RIR/18) que compila a legislação referente ao tema e busca incorporar ao texto regulamentar inovações introduzidas nos últimos anos, tais como: os impactos tributários da introdução dos padrões contábeis do IFRS; as regras de subcapitalização; as novas regras de tributação em bases universais para pessoas jurídicas; e a incorporação das regras de tributação do mercado financeiro ao regulamento.
Além das inclusões, o novo texto elimina dispositivos hoje sem qualquer aplicação de conteúdo prático, como o Capítulo VIII do RIR/99, que regulamentava o impacto tributário da correção monetária das demonstrações financeiras, o Capítulo X que regulamentava o incentivo do BEFIEX e as disposições acerca da tributação de dividendos na fonte, vigentes antes da isenção prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/1995.
Outros dispositivos pereceram no novo texto pela atualização das relações entre Fisco e Contribuinte. Um exemplo é o finado artigo 255 do RIR/99, o qual determinava que os livros comerciais e fiscais poderão ser escriturados por sistema de processamento eletrônico de dados, em folhas contínuas, que deverão ser numeradas, em ordem sequencial, mecânica ou tipograficamente, uma realidade muito distante das modernas Escrituração Contábil Digital (ECD) e Escrituração Contábil Fiscal (ECF).
Outra novidade é o fato de a regulamentação do SIMPLES Nacional não ter sido incorporada ao novo regulamento, tendo ficado restrita à legislação específica, qual seja, a Lei Complementar nº 123/2006 e suas subsequentes alterações.
A grande decepção em relação ao novo RIR fica por conta do texto já chegar aos contribuintes defasado, haja vista que o artigo 3º do Decreto nº 9.580/2018 aponta que o novo texto consolida a legislação referente ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza publicada até 31 de dezembro de 2016.
Dessa forma, importantes alterações introduzidas em 2017 e 2018 não foram incluídas no texto final, tais como: (i) a pacificação em relação à tributação dos benefícios fiscais no contexto da Guerra Fiscal, de acordo com a LC nº 160/2017; (ii) as novas regras aplicáveis ao setor de óleo e gás trazidas pela Lei nº 13.586/2017; e (iii) as regras de compensação mediante entrega de PER/DCOMP de débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa do IRPJ/CSLL, conforme descrito na Lei nº 13.670/2018.
Logo, não há como descartar uma nova “oxigenação” do RIR para acomodar tais alterações em um futuro próximo. A boa prática, especialmente em razão da velocidade das mudanças de nossas regras tributárias, é sempre confirmar a legislação de origem para constatar se há superveniência de legislação específica que teria revogado dispositivo incluído no regulamento.
É sempre importante destacar que os Regulamentos de Imposto de Renda se prestam apenas à compilação da legislação tributária vigente, sem que haja majoração ou modificação das regras tributárias por observância ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária.
Por exemplo, o RIR/18 manteve em seu artigo 363, inciso I, a indedutibilidade de royalties pagos a sócios ou a dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes1, incluindo o texto: “pessoas físicas ou jurídicas”, sem qualquer previsão legal.
Em relação ao tema, é importante destacar que há diversos casos de contencioso questionando a extensão dessa indedutibilidade para quotistas ou acionistas constituídos como pessoas jurídicas, tendo em vista que o texto original que deu origem ao referido artigo (i.e. art. 71, I, alínea “d”, da Lei nº 4.506/1964) previa apenas a indedutibilidade para pessoas físicas.
A ausência de base legal para a contribuição social sobre o lucro líquido, por exemplo, já foi reconhecida pela Súmula nº 117, recentemente publicada pelo CARF2. Para os demais casos, o Fisco segue argumentando que a expressão “sócios” englobaria todo e qualquer detentor de ações ou quotas, o que incluiria as pessoas jurídicas.
A despeito da Câmara Superior de Recursos Fiscais ter se manifestado favoravelmente à tese em 2003 (Acórdão CSRF 01-04.629, de 12/08/2003), fato é que a nova composição do CARF tem adotado postura mais alinhada ao Fisco quanto à matéria em algumas decisões mais recentes (vide Acórdão 1201-002.158, de 16/05/2018, decidido pelo voto de qualidade, entre outras3).
Ou seja, o RIR/18 perdeu a oportunidade de corrigir erros dessa natureza, evitando o já exorbitante número de processos administrativos e judiciais, muitas vezes desnecessários e excessivamente longos.
Por fim, em que pese a boa intenção em compilar a legislação aplicável ao Imposto de Renda, o RIR/18 nasce desatualizado e com grande possibilidade de se tornar irrelevante, se considerarmos as recentes notícias sobre as intenções tributárias do novo Governo, como a alíquota única de Imposto de Renda, a tributação de dividendos e novas regras para fundos fechados.
Seria muito mais relevante ao Brasil a publicação de um regulamento das contribuições PIS/COFINS.
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1 O RIR/99 trazia a mesma limitação no art. 353, I.
2 Vale destacar, aqui, que a ausência de base legal para a CSLL implica dizer que não há qualquer restrição de dedutibilidade nos pagamentos de royalties para sócio, inclusive sendo este pessoa física.
3 Vide acórdãos 1302-003.088 e 9101-003.874.
MAURÍCIO BRAGA CHAPINOTI – Sócio de TozziniFreire Advogados na área Tributária.
ERLAN VALVERDE – Advogado de TozziniFreire Advogados na área Tributária.
Fonte: Jota
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