O Parecer Normativo RFB nº 4/2018 trouxe esclarecimentos quanto à responsabilidade tributária solidária das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal a que se refere o inciso I do art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN), ou seja, ela decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou.
A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição. Para tanto, deve-se comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo.
a) abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única ("grupo econômico irregular");
b) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes;
c) abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
Assim, o mero interesse econômico, sem comprovação do vínculo com o fato jurídico tributário (incluídos os atos ilícitos a ele vinculados), não pode caracterizar a responsabilização solidária, não obstante ser indício da concorrência do interesse comum daquela pessoa no cometimento do ilícito.
A norma esclareceu também sobre a responsabilidade solidária nas hipóteses em que envolvam grupos econômicos:
a) não é a caracterização em si do grupo econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o abuso da personalidade jurídica; os grupos econômicos formados de acordo com os Capítulos XX e XXI da Lei nº 6.404/1976, em que há pleno respeito à personalidade jurídica de seus integrantes (mantendo-se a autonomia patrimonial e operacional de cada um deles), não podem sofrer a responsabilização solidária, salvo cometimento em conjunto do próprio fato gerador;
b) o grupo econômico irregular decorre da unidade de direção e de operação das atividades empresariais de mais de uma pessoa jurídica, a qual demonstra a artificialidade da separação jurídica de personalidade; esse grupo irregular realiza indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, portanto, seus integrantes possuem interesse comum para serem responsabilizados;
c) uma variável para a criação do grupo irregular é a corriqueira situação de confusão patrimonial com o intuito de fraude a credores, principalmente a Fazenda Nacional; seu objetivo é não só a manipulação da ocorrência dos fatos geradores futuros, mas também ocultar os reais sócios do empreendimento e/ou esvaziar o patrimônio referente ao passivo tributário;
d) deve-se comprovar o cometimento do ilícito societário, mesmo que por prova indireta ou indiciária, pois mero interesse econômico no lucro não é passível de responsabilização solidária; não obstante, cabe observar que a distribuição disfarçada de lucros a que se referem os arts. 60 e 61 do Decreto-lei nº 1.598/1977 denota a existência de abuso de personalidade jurídica a caracterizar grupo econômico irregular.
Conforme a referida norma, ela não objetiva proceder a um conceito fechado dos ilícitos tributários a ensejar a responsabilização solidária nem citá-los de forma exaustiva, já que a sua configuração demanda análise criteriosa no caso concreto. Entretanto, pode-se dizer que os ilícitos tributários que acarretam uma sanção, não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são ilícitos passíveis de responsabilização solidária.
Por fim, a norma em referência cita algumas hipóteses em que podem configurar a responsabilização solidária e suas repercussões administrativas e criminais, conforme o caso:
a) os atos de evasão e simulação que acarretam sanção, não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são passíveis de responsabilização solidária, notadamente quando configuram crimes; casos típicos de ilícitos tributários são as condutas de sonegação, fraude (strictu sensu) e conluio contidas nos arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502/1964, bem como as condutas criminosas de que tratam os subitens 27.3 e 27.4;
b) a ocorrência de hipótese a que se refere o art. 61 da Lei nº 8.981/1995, cujo fato gerador demanda pagamento a beneficiário não identificado ou sem causa; caso a sua ocorrência surja em decorrência de cometimento de ilícito tributário, há claro interesse comum da pessoa que efetua o pagamento (substituto tributário), de quem recebe (contribuinte) e de quem, eventualmente, intermedeie a operação (conluio);
c) atrai a responsabilidade solidária a configuração do planejamento tributário abusivo na medida em que os atos jurídicos complexos não possuem essência condizente com a forma para supressão ou redução do tributo que seria devido na operação real mediante abuso da personalidade jurídica. O planejamento tributário abusivo ora tratado é o que envolve diversas pessoas jurídicas existentes com o único fito de reduzir ou suprimir tributo; a personalidade jurídica não cumpre a função social esperada da empresa;
d) para a responsabilização solidária, há que restar comprovado o abuso da personalidade jurídica cuja existência é fictícia ou utilizada para uma sequência de transação com o fito de reduzir ou suprimir tributo; esse nexo causal entre a artificialidade da personalidade jurídica e a operação conjunta deve estar demonstrado, mesmo que mediante conjunto de provas indiciárias;
e) deve-se estabelecer que a pessoa jurídica ou física responsabilizada é partícipe direto e consciente da simulação. Restando comprovado o interesse comum em determinado fato jurídico tributário, incluídos os ilícitos aqui tratados, a não oposição ao Fisco da personalidade jurídica existente apenas formalmente pode se dar nas modalidades direta, inversa e expansiva:
e.1) na direta, ocorre a clássica hipótese de desconsideração da personalidade para responsabilizar os seus sócios; para tanto, exige-se comprovação de sua ativa participação no ato vinculado ao fato jurídico tributário, incluído o ato ilícito a ele vinculado (vide item 15 da norma em fundamento);
e.2) na inversa, imputa-se a responsabilidade solidária àquela pessoa jurídica por ato cometido por sócio ou outra sociedade controladora ou coligada; ocorre quando a pessoa jurídica apenas existe para utilização da sua fictícia personalidade por sócios ou administradores para fins de cometimento de ato vinculado ao fato jurídico tributário, inclusive ilícito;
e.3) na expansiva, a desconsideração não seria apenas para alcançar seus sócios formais, mas também aqueles ocultos, inclusive por intermédio de outras pessoas jurídicas (em uma junção com a desconsideração inversa).
(Parecer Normativo RFB nº 4/2018 - DOU 1 de 12.12.2018)
Fonte: Editorial IOB
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