Não é de hoje que o crescente desenvolvimento da tecnologia tem gerado dúvidas com relação ao tratamento tributário aplicável aos novos produtos e serviços que surgem no mercado.
Se antigamente os softwares eram adquiridos nas prateleiras dos supermercados, já há algum tempo podem assinados pela internet e transferidos diretamente para os computadores dos usuários. E a evolução não parou por aí. Atualmente o acesso aos softwares se dá diretamente na “nuvem”, na modalidade chamada de Software as a Service (SaaS), sem que o consumidor tenha que sequer realizar o download do programa de computador.
E as autoridades fiscais perceberam que simplesmente tentar classificar as novas operações nos textos legislativos vigentes não seria tarefa fácil.
Diante disso, temos visto uma série de iniciativas sendo adotadas por parte das administrações tributárias para tentar possibilitar a cobrança dos tributos, nos moldes estabelecidos na legislação tributária, sobre essas novas operações.
A definição da tributação aplicável às operações de SaaS ilustra bem essa situação. Nesses casos, o cliente utiliza o software por meio da internet, pagando um valor pelo serviço ofertado (i.e. assinatura) e o fornecedor do software fica responsável pela manutenção de toda a estrutura necessária para que o software contratado esteja disponível. Uma das dúvidas que surge nesse modelo está relacionada à natureza jurídica do acesso ao software padrão que é fornecido ao usuário: trata-se de uma venda de mercadoria que deve ser tributada pelo ICMS ou de um serviço sujeito ao ISS?
Em São Paulo tanto o Fisco Estadual quanto o Fisco Municipal já se manifestaram sobre o assunto.
No âmbito estadual, após a revogação de dispositivo do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo que estabelecia que a base de cálculo do imposto estadual nas operações com softwares correspondia a duas vezes o valor da mídia física, e da subsequente edição de norma prevendo a redução da base de cálculo do ICMS para 5% do valor da operação, inclusive nos em que os programas de computador são transferidos por meio eletrônico, as autoridades fiscais estaduais se manifestaram sobre o alcance dessa nova legislação por meio de uma Resposta à Consulta Tributária[1].
Ao analisar uma operação de importação de software de prateleira por meio de download, o Fisco Estadual reconheceu que os softwares “de prateleira”, cujas cópias eram distribuídas em larga escala em meios físicos, hoje também são negociados em meio digital, seja por download ou streaming. E foi além, ao equiparar as operações de streaming à utilização do software “na nuvem”.
Na visão das autoridades fiscais estaduais, essa alteração de “formato” não teria o condão de descaracterizar a natureza de produto desse tipo de software, que continuaria a ser equiparado a uma mercadoria já que “a circunstância de o adquirente da licença instalar software “de prateleira” (de loja física ou virtual) em sua máquina (download) ou utilizá-lo “na nuvem” por meio de internet (streaming) não descaracteriza a natureza jurídica da operação como comercialização de software pronto.”
Com isso, apesar de reconhecer que o ICMS não será exigido na disponibilização de softwares sem meio físico até que seja definido o local de ocorrência do fato gerador, o Fisco Estadual foi claro ao se posicionar no sentido de que mesmo as operações de SaaS, em que não há a transferência nem ao menos temporária de uma cópia do programa de computador ao usuário, estariam ainda assim sujeitas à incidência do ICMS.
As autoridades fiscais municipais por sua vez não ficaram para trás e editaram o Parecer Normativo (PN nº 1/17) para tratar da incidência do ISS sobre as operações com softwares, inclusive nas operações conhecidas como SaaS.
A posição das autoridades municipais de São Paulo é de que as operações com softwares, qualquer que seja a forma de contratação e operacionalização, estarão sujeitas ao ISS com base no item 1.05 da Lista de Serviços (licenciamento de programas de computador).
Especificamente com relação ao SaaS, há o reconhecimento da natureza híbrida da operação e da consequente possibilidade de fragmentação dos contratos para que parte da contratação esteja enquadrada nos itens 1.03 (“processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres”) e 1.07 (“suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados”) da Lista de Serviços.
Vemos assim que tanto o Fisco Estadual quanto o Fisco Municipal entendem que tem competência para cobrar tributos sobre as operações de SaaS. Se por um lado temos incertezas quanto à tributação aplicável, por outro não há dúvidas de que enfrentaremos disputas. Até que esse conflito seja solucionado, os contribuintes tem que escolher qual caminho irão seguir e se preparar para as futuros e, ao que tudo indica, inevitáveis litígios.
[1] Resposta à Consulta nº 15093/2017, de 18 de Abril de 2017.
por Ana Carolina Carpinetti é associada sênior da área tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Conjur
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