O artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 estabelece, sem nenhum requisito condicionante, a responsabilidade solidária de acionistas, controladores, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por débitos da empresa relativos ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), sendo essa responsabilidade solidária restrita ao período da respectiva administração, gestão ou representação.
Considerando que o Supremo Tribunal Federal, até o momento, não se manifestou sobre a constitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79, coube à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça analisar a questão e, por meio do controle difuso, declarar a inconstitucionalidade deste dispositivo no julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP.
Diante desse cenário, o objetivo desse artigo é analisar a decisão proferida pelo STJ, bem como o entendimento dessa Corte em relação à responsabilização por débitos constituídos em favor de pessoas jurídicas de direito privado.
Ao longo do julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP, a Fazenda Nacional argumentou pela constitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 basicamente pelo fato de esse dispositivo supostamente encontrar fundamento de validade no artigo 124, inciso II do Código Tributário Nacional — recepcionado no ordenamento jurídico como norma complementar — que estabelece que são solidariamente responsáveis por dívidas tributárias as pessoas físicas estabelecidas em lei.
No entanto, de acordo com o entendimento da Corte Especial do STJ, o artigo 124, inciso II, do CTN não pode ser interpretado fora do contexto do código que trata sobre responsabilidade tributária, como, por exemplo, o artigo 128 da mesma norma, que veda a responsabilidade de pessoa não vinculada ao fato jurídico.
No mesmo sentido, entendeu-se que, com base na jurisprudência atual do STJ, o artigo 124 do CTN deve ser analisado em consonância com o artigo 135 do mesmo código, de forma que a responsabilização tributária pessoal de pessoas físicas devem cumprir os requisitos determinados pelo artigo 135, quais sejam: existência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
No caso concreto defendido pela Fazenda Nacional, entendeu-se que não havia vinculação entre os indicados como responsáveis e a pessoa jurídica de direito privado, na medida em que a sociedade empresária não se confunde simplesmente com as pessoas físicas que as integram ou gerenciam.
Dessa forma, foi afastado o argumento da Fazenda Nacional de que o artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 possuiria fundamento no artigo 124, II do CTN, passando-se, portanto, à análise concreta quanto à constitucionalidade do dispositivo do Decreto-Lei. O ponto chave da questão era verificar se, na Constituição Federal de 1967, vigente à época do Decreto-Lei 1.736/79, haveria, tal como há na Constituição Federal, exigência de que normas gerais de direito tributário fossem definidas por lei complementar.
Diante disso, após análise da Constituição Federal de 1967, confirmou-se que, de fato, havia o mencionado requisito para definição de normas gerais de direito tributário, tais como questões relativas à responsabilização tributária, de forma que se constatou, por unanimidade, a inconstitucionalidade formal pretérita do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79.
Isso porque o Decreto-Lei 1.736/79 instituiu uma hipótese de responsabilidade tributária solidária por meio de lei ordinária, quando a Constituição Federal da época exigia que esses temas fossem definidos exclusivamente por lei complementar. Diante disso, por meio do controle difuso, a Corte Especial do STJ declarou a inconstitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79.
Podemos concluir que o julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP pelo STJ é especialmente emblemático, não só por ter declarado a inconstitucionalidade da responsabilização solidária do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79, mas também por ter deixado claro o posicionamento daquela Corte quanto aos requisitos para responsabilização pessoal tributária.
Basicamente, restou decidido que (i) normas que tratam de responsabilização tributária devem ser definidas por lei complementar, em harmonia com o disposto na Constituição Federal; e (ii) deve haver vínculo entre o responsabilizado com o fato gerador da obrigação tributária a qual se pretende atribuir responsabilização, não podendo simplesmente atribuir-se responsabilidade a qualquer pessoa que tenha exercido um papel de gerência ou administração da sociedade.
Trata-se de precedente muito favorável aos contribuintes que discutem os requisitos necessários para responsabilização de terceiros por dívidas tributárias adquiridas por empresas.
Marcelo Marques Roncaglia é sócio do Pinheiro Neto Advogados.
Mariana Monfrinatti Affonso de André é associada do Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Conjur
Nenhum comentário:
Postar um comentário