Quando alguém enfrenta um obstáculo, tenta apoiar-se em solo firme, para que seus pés possam impulsionar o corpo adequadamente. Caso contrário, tombará, e por óbvio, gastará mais energia para levantar-se e tentar superá-lo novamente.
Assim é a segurança jurídica em matéria tributária. A reação dos contribuintes – e do Estado – é e será sempre a de rejeitar tudo aquilo que por hipótese puder minar seus alicerces. Principalmente em tempos de crise.
Primeiramente, a PEC apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) é inteligente. Busca a neutralidade tributária ao máximo, por meio de um sofisticado mecanismo de deslocamento de competências tributárias para simplificar o sistema por meio da extinção de alguns tributos, da consolidação de outros, e da criação dos novos Imposto Seletivo (IS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Quanto ao IS o legislador deveria ser mais preciso. Uma das maiores discussões doutrinárias diz respeito a como seria possível a um mesmo valor (a essencialidade) ser vinculado discricionariamente ao veículo que lhe possibilita a existência (a seletividade). A seletividade orienta o intérprete das leis e o legislador sobre a necessidade do tributo recair sobre os bens, na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade. Geralmente são aqueles mais raros e, por isso, mais caros.
Ora, então fazer incidir o Imposto Seletivo sobre energia elétrica e telecomunicações, veículos automotores e seus componentes é a antítese da lógica jurídica e principalmente da lógica econômica, pois são insumos básicos para a economia moderna.
Acresça-se a essa constatação que, ao revogar o parágrafo 3º do artigo 153, elimina-se três limites subjetivos à sua incidência, a não cumulatividade, a não incidência sobre produtos a serem exportados, e o direcionador de redução de incidência sobre bens de capital, caríssimos à retomada do crescimento.
Importante atentarmos para a retirada da "trava" da não cumulatividade. Isso quer dizer que para uma parcela de R$ 249 bilhões arrecadados pelo sistema de débitos menos créditos pelo ICMS e IPI, a União poderá instituir novamente tributação "em cascata" para posterior compartilhamento com os Estados, sem qualquer obrigação quanto à concessão de créditos na etapas anteriores de agregação de valor.
O texto da reforma ainda é obscuro e traz consigo a semente de um aumento de carga tributária
Finalmente, é de se arguir a quem interessaria a completa extinção do IOF. Ainda que se pretendesse com isso baratear o crédito no Brasil, resultaria na perda de um imprescindível instrumento de política econômica e monetária, existente em qualquer país com um sistema financeiro com um mínimo de sofisticação. E ainda pode resultar em um efeito colateral: o crescimento da tributação pelo ISS, agora IBS (ou pelo próprio IS, considerando o tributo que o revoga), sobre as receitas de intermediação financeira, o que poderá encarecer exponencialmente o já elevado custo do crédito no Brasil.
O IBS, por sua vez, pretende substituir o ICMS, o IPI, o IOF, o PIS e a COFINS-Importação, o PIS e a COFINS do mercado interno e o ISS.
Primeiramente, as regras de transição, a serem incluídas nas ADCTs. O artigo 4º traz a possibilidade de um grande calote nos contribuintes. Remete à Lei Complementar a forma de aproveitamento dos saldos credores dos impostos extintos, em especial PIS e Cofins, ICMS e IPI.
Dados apresentados pelo professor José Roberto Afonso a partir de informações da Receita Federal indicam que os contribuintes detém créditos não pagos de Estados e da União no valor de R$ 182 bilhões, que em grande parte não seriam devolvidos
Quanto ao IBS propriamente dito, a primeira observação a fazer refere-se ao novo artigo 155. Pelo fato de o IBS ter absorvido o II, torna-o "não cumulativo" por tabela, o que se por um lado é interessante, basicamente inexiste possibilidade econômica de sua cumulação. Facilitaria o drawback, talvez. Importante que sejam detalhadas as características dessa não cumulatividade, pois a própria observação feita pelo legislador é a de que o IBS é não-cumulativo, mas com "créditos financeiros" – outro trauma do PIS e da Cofins.
O inciso III, "c", estabelece a tributação sobre todas as operações com bens intangíveis e direitos. A atual legislação, bem ou mal, confere segurança aos contribuintes que sabem quais são as hipóteses de incidência. Esse dispositivo (e o IBS "abrange" o ISS), estabelece a sua incidência absolutamente indiscriminada, em qualquer operação, interna ou oriunda do exterior. Além de aumento de carga, vai de encontro à atual tendência internacional de incentivar a criação de propriedade intelectual nos seus respectivos mercados.
A respeito da nova redação do artigo 156, anteriormente dedicado ao ISS, torna cristalina a intenção e os potenciais efeitos do novo texto. Ao revogar o inciso III incorpora-o ao IBS, como anteriormente dito, porém, ao revogar o parágrafo 3º do dispositivo traz como efeito simplesmente permitir a incidência do IBS sobre a exportação de serviços. Ora, simplesmente quebra o dogma da isenção tributária sobre a exportação tanto de bens quanto de serviços, o que também é um absoluto contrassenso quando falamos de inserção do Brasil na economia e no sistema tributário globais.
Resumidamente, a partir dessas impressões sumaríssimas sobre o IS e o IBS, podemos concluir que, se sob o ponto de vista jurídico são um meio inteligente de simplificar o sistema e concentrar a arrecadação, por outro lado o texto ainda é obscuro e em nossa opinião traz consigo a semente de um aumento de carga tributária.
Gileno Barreto é sócio da Loeser & Portela Advogados e ex-conselheiro do Carf (2005-2014)
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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