O novo Código de Processo Civil (CPC) está vigente há pouco mais de um ano e ainda restam dúvidas e discussões sobre a sua aplicação no processo administrativo tributário (PAT). Neste artigo, buscaremos abordar algumas polêmicas, bem como demonstrar que é perfeitamente possível aplicarmos a lei processual civil no processo administrativo, inclusive no tributário.
O Código de Processo traz, expressamente, em seu artigo 15, a previsão de ser aplicado supletivo e subsidiariamente ao processo administrativo.
A aplicação supletiva de uma norma pode ocorrer quando se faz necessário decidir algo que não esteja anteriormente legislado, ou seja, onde exista omissão de regramento ou ausência de previsão legal. Já a aplicação subsidiária não se trata de omissão, mas sim, de uma norma que necessite de uma complementação ou renovação, para que se tenha uma decisão mais adequada ao caso.
Nessa esteira, o novo CPC foi pensado para ser uma norma integrativa, de universalização, onde devemos adotar a mesma linha de raciocínio na aplicação do direito em diversas esferas, seja ela, judicial, administrativa ou até mesmo legislativa, buscando com isso a coerência jurisprudencial e a tão sonhada segurança jurídica.
FUNDAMENTAÇÃO E MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES
Um dos pontos mais importantes tratados no Código de Processo Civil foi a previsão de refinamento na forma de fundamentar e motivar as decisões.
No artigo 489, § 1º, inciso IV, o Novo Código inovou e determinou que os julgadores enfrentem todos os argumentos levantados pelas partes no processo, de tal forma que se algum ponto não for devidamente fundamentado e motivado, a decisão poderá ser considerada nula.
Sendo assim, e considerando que o Novo Código pode ser aplicado supletiva ou subsidiariamente ao processo administrativo, entendemos que as decisões nesta esfera também precisam obedecer a mesma exigência e enfrentar todos os pontos e teses levantadas pelo contribuinte e fisco, de forma fundamentada e motivada.
A hipótese acima retrata uma forma de aplicação subsidiária da norma, pois já existem regras e princípios que determinam a fundamentação e motivação nas decisões em processos administrativo, entretanto, não obrigam, de forma expressa, o enfrentamento a todos os pontos levantados pelas partes, como descrito no referido artigo. Portanto, o que ocorrerá é um aprimoramento ou renovação da regra para melhor adequação ao caso.
Desta forma, o judiciário poderia anular decisão administrativa que não esteja de acordo com o referido dispositivo?
Entendemos que sim, em atenção aos artigos 15 e 489, § 1º, inciso IV, do Código de Processo Civil.
NOVA ABORDAGEM AOS PRECEDENTES
O Novo CPC busca, entre outras coisas, estabilidade, uniformização e principalmente coerência das normas e decisões. Neste ponto, ele inovou na questão dos precedentes, aplicando uma sistemática onde as matérias que são discutidas em grandes proporções ganham mais força e unidade.
Agora, o sistema de precedentes se tornou mais respeitado, pois os artigos processuais trazem regras de vinculação, onde e quando seus efeitos devem ser aplicados e como deve ser interpretado, inclusive, com a necessidade de a decisão ser fundamentada e motivada quanto à aplicação ou não do precedente suscitado.
O artigo 926 diz que os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, utilizando para isso, a possibilidade de edição de súmulas, que deverão conter as circunstancias fáticas do precedente.
Adotando o raciocínio de que o NCPC deve ser aplicado no âmbito administrativo, conforme defendido pelo legislador, se esta regra for mantida, com certeza teremos um ambiente mais seguro.
Na prática, serão proferidas decisões mais harmônicas, com menos variações de entendimentos o que significa maior estabilidade, menos divergências entre os julgadores, proporcionando unidade, e por fim, maior proximidade com as decisões exaradas no judiciário, o que evitará demandas judiciais desnecessárias.
Desta forma, começaríamos a trilhar o caminho desejado pelo Código de Processo Civil.
ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE PELOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Atualmente, os Tribunais Administrativos costumam seguir os seus regimentos internos, que na grande maioria, estabelecem a proibição no afastamento de norma com base no argumento de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
No CARF[i], é vedado aos membros das turmas afastarem a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob o fundamento de inconstitucionalidade, salvo se a questão já tenha sido declarada inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal.
No TIT[ii], a partir da Lei nº 16.498/2017, há previsão expressa para que o julgador afaste a aplicação da Lei quando a inconstitucionalidade for afirmada também em enunciado de súmula vinculante, proferidos pelo Tribunal Administrativo.
As mudanças nos regimentos dos Tribunais Administrativos, para fins de aplicação de precedentes do judiciário, bem como para afastar normas inconstitucionais ainda são singelas. Todavia, notamos que as decisões vêm analisando e se pronunciando sobre estas questões, mas, a maioria dos julgadores, ainda mantém a aplicação das normas, mesmo que o judiciário já tenha se curvado pela sua inconstitucionalidade.
Como exemplo, citamos a “taxa de juros paulista”, declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e ainda mantida no TIT.
Aqui, fazemos uma crítica, no que tange à análise de inconstitucionalidade quando o beneficiado é o Fisco. Neste ponto, destacamos a legislação paulista que declara, mesmo sem decisão do Supremo Tribunal Federal, inconstitucional qualquer benefício fiscal que seja concedido sem aprovação do CONFAZ.
Enfim, se levarmos em conta a intenção do legislador, explanada no artigo 15 do NCPC e nos seus princípios norteadores, chegamos ao resultado de que os Órgãos de Julgamentos Administrativo deveriam analisar a possibilidade de afastar normas declaradas inconstitucionais ou ilegais. Tal medida diminuiria o número de contribuintes que demandam no judiciário.
MAIS SEGURANÇA JURÍDICA
Todos os pontos aqui discutidos, nos permite concluir que o Código de Processo Civil pode ser aplicado no processo administrativo tributário, devendo essas normas estarem em harmonia, não apenas pela intenção do legislador ao ditar o artigo 15 do CPC mas, principalmente, para a diminuição do contencioso judicial.
Para isso, as regras processuais precisam ser aplicadas em todas as esferas de forma uniforme, para que possamos contar com decisões mais estáveis e coerentes, sempre visando uma maior segurança jurídica.
[i] Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
[ii] Tribunal de Impostos e Taxas (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário