O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de seu Plenário Virtual, entendeu, no dia 7 de agosto, que não há repercussão geral a respeito da inclusão, na base de cálculo do ICMS, das tarifas de uso dos sistemas de distribuição ou de transmissão de energia elétrica (TUSD/TUST). Com isso, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a definição acerca do tema.
As tarifas, como seus nomes indicam, se destinam a pagar as concessionárias em razão do uso das suas linhas de distribuição e de transmissão de energia elétrica. Os Estados defendem que o imposto deve incidir sobre tais pagamentos, não apenas sobre o montante pago pela energia propriamente dita.
A expectativa é de que o Superior Tribunal de Justiça mantenha seu entendimento tradicional, firmado após anos de debates
Até março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de suas duas turmas que analisam matéria tributária, vinha decidindo de forma favorável aos contribuintes, reconhecendo que as mencionadas tarifas não integram a base de cálculo do ICMS. Entretanto, em 21 de março, a 1ª Turma, por três votos contra dois, decidiu que deve se dar a aludida incidência.
Com isto, ocorreu a quebra da sequência de decisões que também a 1ª Turma vinha proferindo favoravelmente aos contribuintes. Poucas semanas depois, em 20 de abril, a 2ª Turma foi chamada a julgar o mesmo assunto e, ao fazê-lo, manteve, à unanimidade, sua posição tradicional, afastando a incidência do ICMS.
É interessante destacar que a 2ª Turma, em 20 de abril, fez referência ao recente julgamento de março, da 1ª Turma, e comentou que não havia ocorrido alteração no cenário fático nem no contexto normativo relativos ao assunto e, por isso, não via, a 2ª Turma, motivo para modificação da interpretação que, há anos, vinha sendo defendida por ambas as turmas da Corte.
Outro aspecto a ser realçado na decisão da 2ª Turma: foi abordado um artigo do novo Código de Processo Civil (CPC) que determina que a alteração de jurisprudência "observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança".
Noutras palavras, a 2ª Turma reconheceu (i) que não havia fundamento fático nem jurídico para alteração da jurisprudência e (ii) invocou uma norma que foi trazida pelo novo Código de Processo Civil justamente para contribuir em relação à estabilidade dos entendimentos judiciais.
Tal estabilidade é indispensável para a pacificação das expectativas, que é uma das funções primordiais do direito. Sem a referida pacificação, o demandismo é estimulado, e os contribuintes são prejudicados em seus planejamentos (programação sobre seus custos). Essa falta de previsibilidade também impacta negativamente o Poder Público em suas projeções orçamentárias.
Antes da decisão de março deste ano, da 1ª Turma, os Tribunais de Justiça, em sua maioria, decidiam contrariamente à incidência, pois estavam alinhados ao entendimento histórico do Superior Tribunal de Justiça. Não por acaso, foi incutido nos contribuintes o sentimento de que, à luz da interpretação da Corte Superior, o ICMS não poderia incidir sobre a TUSD e a TUST. Os jurisdicionados receberam, do tribunal superior responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, essa clara sinalização, em reiteradas oportunidades.
Dada essa reiteração das decisões, o Superior Tribunal de Justiça ofereceu uma verdadeira orientação a todos os interessados no assunto. Decerto, a douta Corte levará esse histórico em consideração quando da definição da tese, provavelmente pela sua 1ª Seção, que reúne os ministros da 1ª e da 2ª Turmas.
Quanto ao mérito da discussão, será decidido se o ICMS, no contexto da energia elétrica, pode incidir sobre outras rubricas que não a energia em si, pelo simples fato de essas rubricas orbitarem em torno da energia. É indiscutível que as referidas tarifas não se confundem com a energia elétrica e, por isso, a expectativa é de que o Superior Tribunal de Justiça mantenha seu entendimento tradicional, firmado após anos de amadurecimento do debate.
Do contrário, ou seja, caso se afirme ser possível incidir o ICMS sobre a TUSD e a TUST, nada impedirá que, no futuro, qualquer outro valor seja inserido na base de cálculo do ICMS apenas pelo fato de ter alguma relação com a energia, mesmo que com ela não se confunda. Isto significaria um alargamento da base de cálculo sem alteração normativa que o justificasse.
Há, portanto, uma excelente oportunidade para que o Superior Tribunal de Justiça prestigie os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, tão caros para a estabilidade do sistema jurídico, e reafirme a orientação que, durante anos, ofereceu aos jurisdicionados.
Leonel Martins Bispo é advogado tributarista e sócio do escritório Carvalho, Machado e Mussy Advogados
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Por Leonel Martins Bispo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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