quarta-feira, 6 de setembro de 2017

ICMS da energia elétrica e segurança jurídica

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de seu Plenário Virtual, entendeu, no dia 7 de agosto, que não há repercussão geral a respeito da inclusão, na base de cálculo do ICMS, das tarifas de uso dos sistemas de distribuição ou de transmissão de energia elétrica (TUSD/TUST). Com isso, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a definição acerca do tema.

Cabe rememorar que se trata de uma das discussões que mais ensejaram ajuizamento de ações nos últimos tempos e, por meio delas, os contribuintes buscam a redução do valor de suas contas de energia elétrica, redução esta decorrente da retirada das referidas tarifas da base de cálculo do ICMS.

As tarifas, como seus nomes indicam, se destinam a pagar as concessionárias em razão do uso das suas linhas de distribuição e de transmissão de energia elétrica. Os Estados defendem que o imposto deve incidir sobre tais pagamentos, não apenas sobre o montante pago pela energia propriamente dita.

A expectativa é de que o Superior Tribunal de Justiça mantenha seu entendimento tradicional, firmado após anos de debates

Até março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de suas duas turmas que analisam matéria tributária, vinha decidindo de forma favorável aos contribuintes, reconhecendo que as mencionadas tarifas não integram a base de cálculo do ICMS. Entretanto, em 21 de março, a 1ª Turma, por três votos contra dois, decidiu que deve se dar a aludida incidência.

Com isto, ocorreu a quebra da sequência de decisões que também a 1ª Turma vinha proferindo favoravelmente aos contribuintes. Poucas semanas depois, em 20 de abril, a 2ª Turma foi chamada a julgar o mesmo assunto e, ao fazê-lo, manteve, à unanimidade, sua posição tradicional, afastando a incidência do ICMS.

É interessante destacar que a 2ª Turma, em 20 de abril, fez referência ao recente julgamento de março, da 1ª Turma, e comentou que não havia ocorrido alteração no cenário fático nem no contexto normativo relativos ao assunto e, por isso, não via, a 2ª Turma, motivo para modificação da interpretação que, há anos, vinha sendo defendida por ambas as turmas da Corte.

Outro aspecto a ser realçado na decisão da 2ª Turma: foi abordado um artigo do novo Código de Processo Civil (CPC) que determina que a alteração de jurisprudência "observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança".

Noutras palavras, a 2ª Turma reconheceu (i) que não havia fundamento fático nem jurídico para alteração da jurisprudência e (ii) invocou uma norma que foi trazida pelo novo Código de Processo Civil justamente para contribuir em relação à estabilidade dos entendimentos judiciais.

Tal estabilidade é indispensável para a pacificação das expectativas, que é uma das funções primordiais do direito. Sem a referida pacificação, o demandismo é estimulado, e os contribuintes são prejudicados em seus planejamentos (programação sobre seus custos). Essa falta de previsibilidade também impacta negativamente o Poder Público em suas projeções orçamentárias.

Antes da decisão de março deste ano, da 1ª Turma, os Tribunais de Justiça, em sua maioria, decidiam contrariamente à incidência, pois estavam alinhados ao entendimento histórico do Superior Tribunal de Justiça. Não por acaso, foi incutido nos contribuintes o sentimento de que, à luz da interpretação da Corte Superior, o ICMS não poderia incidir sobre a TUSD e a TUST. Os jurisdicionados receberam, do tribunal superior responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, essa clara sinalização, em reiteradas oportunidades.

Dada essa reiteração das decisões, o Superior Tribunal de Justiça ofereceu uma verdadeira orientação a todos os interessados no assunto. Decerto, a douta Corte levará esse histórico em consideração quando da definição da tese, provavelmente pela sua 1ª Seção, que reúne os ministros da 1ª e da 2ª Turmas.

Quanto ao mérito da discussão, será decidido se o ICMS, no contexto da energia elétrica, pode incidir sobre outras rubricas que não a energia em si, pelo simples fato de essas rubricas orbitarem em torno da energia. É indiscutível que as referidas tarifas não se confundem com a energia elétrica e, por isso, a expectativa é de que o Superior Tribunal de Justiça mantenha seu entendimento tradicional, firmado após anos de amadurecimento do debate.

Do contrário, ou seja, caso se afirme ser possível incidir o ICMS sobre a TUSD e a TUST, nada impedirá que, no futuro, qualquer outro valor seja inserido na base de cálculo do ICMS apenas pelo fato de ter alguma relação com a energia, mesmo que com ela não se confunda. Isto significaria um alargamento da base de cálculo sem alteração normativa que o justificasse.

Há, portanto, uma excelente oportunidade para que o Superior Tribunal de Justiça prestigie os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, tão caros para a estabilidade do sistema jurídico, e reafirme a orientação que, durante anos, ofereceu aos jurisdicionados.

Leonel Martins Bispo é advogado tributarista e sócio do escritório Carvalho, Machado e Mussy Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Leonel Martins Bispo

Fonte : Valor

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