quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Ativo Imobilizado: dicas para uma contabilidade de verdade

Ativos imobilizados fazem parte da rotina contábil de praticamente todas as empresas. Por isso, frequentemente ele é tratado como algo básico demais para merecer a atenção de quem faz a escrituração da empresa. Se você já me conhece há algum tempo, sabe que eu adoro a máxima de que quanto mais queremos avançar, mais precisamos retornar ao básico. Por isso, gostaria de levantar algumas questões sobre esse tipo de ativo para falar da contabilidade e, em paralelo, como fica na tributação.

Qual norma utilizar?

Basicamente teremos duas referências nas normas contábeis. Para quem aplica as normas completas, o CPC 27 (aprovado pelo CFC através da NBC TG 27) é a base. Para quem utiliza as normas simplificadas, a seção 17 do CPC PME (aprovado pelo CFC através da NBC TG 1000) resolve a questão.

Qual o valor do meu ativo?

Mesmo sem ler as normas específicas, temos de lembrar de um princípio contábil, que é o de reconhecimento original pelo valor original. Partindo dessa premissa, sabemos que o lançamento da aquisição de um ativo imobilizado sempre será o valor pago por ele. A partir daí, em regra geral o ativo imobilizado se sujeita à depreciação, já que a esmagadora maioria dos bens tem vida útil limitada. Uma exceção trazida pela própria norma é o terreno (que tem vida ilimitada). Mas olha que louco, até a exceção tem sua exceção: um terreno pode estar aplicado em alguma atividade, como mineração, exigindo exaustão (portanto com vida limitada).

Por qual taxa eu deprecio o bem?

A regra tributária é reducionista e burocrática. Segundo a Receita Federal, ou você tem “prova” para dizer a vida útil do bem, ou você se resume a usar taxas pré-estabelecida pelo fisco. Atualmente, essas taxas estão no Anexo III da IN RFB 1.700/17. Um dos clássicos absurdos destas taxas é dizer que um carro tem utilidade por só 5 anos, ou um caminhão somente por 4 anos. E caso a empresa “ouse” utilizar taxas diferentes, mesmo com um laudo assinado por profissional, fica sujeita à verificação se isso é verdade através de perícia do Instituto Nacional de Tecnologia ou outra entidade oficial.

Talvez por isso tenha se popularizado no meio contábil esse papo de “laudo da vida útil do bem”. Se você pesquisar pela palavra “laudo” nas normas que eu citei ali no início, vai verificar que não se fala isso. Ou seja, a norma contábil é muito de boa, ela é tranquila, quer que você demonstre a realidade. Para ter uma ideia, saca só o item 57 do CPC 27:

“A vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade pode considerar a alienação de ativos após um período determinado ou após o consumo de uma proporção específica de benefícios econômicos futuros incorporados no ativo. Por isso, a vida útil de um ativo pode ser menor do que a sua vida econômica. A estimativa da vida útil do ativo é uma questão de julgamento baseado na experiência da entidade com ativos semelhantes.”

Cadê a burocracia? Cadê o laudo? Cadê a picuinha do documento de um perito ou de um instituto? Tá na legislação tributária!

O que a norma contábil induz é que a entidade olhe para si, identifique de forma realista e confiável por quanto tempo aquele ativo será útil para a empresa dentro da sua realidade, ou seja, da forma como ela utiliza aquele tipo de ativo. Então um carro pode depreciar mais ou menos dependendo da entidade e dependendo do tipo de uso numa mesma entidade.

Todo o valor do bem é depreciado?

Para fins contábeis, antes de sair depreciando, há uma etapa importante a ser analisada: há valor residual? Valor residual é por quanto se espera vender esse ativo (deduzindo as despesas de venda) lá no fim, quando o ativo tiver concluído sua vida útil para a entidade. Normalmente ele não é significativo, mas pode ser. O lance é que esse valor não é depreciado.

Assim, após identificar o custo de aquisição, segrega-se o valor residual e o restante é o valor depreciável. Aí se estima a vida útil do bem, para depreciar o valor depreciável. E o mais legal: tudo isso pode ser revisto. A vida útil pode mudar, o valor residual pode mudar… porque assim funciona o mundo, as coisas mudam!

A legislação tributária, desconexa da realidade, desconhece o valor residual. Não só diz absurdos quanto à vida útil de um bem, como sugere que ao fim da vida útil, aquilo não vale absolutamente nada.

Terrenos com edifícios… deprecia ou não?

Aqui um ponto que norma contábil e legislação tributária concordam: quando você possui um terreno com edificação, deve separar o terreno do edifício, pois o primeiro não deprecia, mas o segundo deprecia.

Posso reavaliar ativos imobilizados?

Na norma contábil, não há só o método de custo, em que depreciamos o imobilizado, mas também há previsão de utilizar o método de reavaliação de ativos. Segundo este outro método, seria possível reavaliar periodicamente o valor do ativo imobilizado. Contudo, no Brasil isso não é admitido, conforme a Lei 11.638/07. Daí a prática de dizermos que ao ativo imobilizado somente se aplica o método de custo (portanto com depreciação).

Caso em algum momento você faça contabilidade de uma empresa exposta ao cenário econômico internacional, seja por investidores estrangeiros ou por ser controlada/coligada, é legal saber disso, pois no processo de consolidação das demonstrações contábeis lá fora ou para apresentar uma demonstração separada com intuito de prestar contas a investidores estrangeiros, pode ser interessante ajustar isso.

Mas meu ativo está com um valor muito pequeno, não posso reavaliar mesmo?

No Brasil, o último momento em que se pode reavaliar ativo, fazendo a atribuição de custo, foi na adoção inicial da Lei 11.638/07. Naquela época, o que fizemos foi atribuir valor ao ativo, gerando uma reserva no PL intitulada “ajuste de avaliação patrimonial”. A partir disso, conforme realizamos o ativo (depreciação, por exemplo), vamos realizando esse resultado abrangente e inclusive sofrendo o efeito tributário disso.

Agora, se você tiver algum tempinho e quiser dar um bom upgrade na sua visão contábil dos ativos imobilizados, acesse a norma que eu comentei lá no início de dê uma lida. Não precisa destrinchar a coisa toda, mas pelo menos dê uma passada de olhos. Tenho certeza que vai fazer muita diferença.

Perceba que aplicar a norma contábil não é difícil, tampouco custa caro. Se você quiser aplicar a norma contábil, demonstrando a realidade da entidade, mas neutralizar isso para fins tributários, você pode. Não é difícil, não custa caro, não é complicado. Apesar de não ter efeito tributário, tem algo muito interessante, que é mostrar a realidade na contabilidade. Isso é importante quando você usa essa contabilidade para prestar contas a sócios ou a outros investidores. Isso é importante para buscar crédito com instituições financeiras, que vão olhar seus ativos para analisar riscos (portanto juros), hipóteses de bens para ficar em garantia etc. Isso é importante para avaliar, num processo de licitação ou em qualquer outro, quais os índices dessa empresa. Quando a gente saca que existe muito mais no mundo que só o efeito tributário, as fichas começam a cair (ok, essa expressão denota a idade, né)

Espero que esse post tenha lhe inspirado um pouco mais na busca por fazer mais contabilidade. O que achou?

Caio Melo

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