Foi amplamente divulgada e debatida, nos meios jurídico e empresarial a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, com foros de repercussão geral, no âmbito do Recurso Extraordinário 574.076, por força da qual fora reconhecida a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
A despeito de remanescerem vívidas discussões respeitantes à precisão técnica da orientação, certo é que a tomada de posição pelo STF teve inevitáveis consequências lógicas para casos análogos, no bojo dos quais se discute a viabilidade da inclusão de quaisquer valores de tributos nas bases de cálculo próprias e das demais exações.
Embora, em relação ao ICMS, seja antiga a celeuma condizente à inserção do imposto em sua própria base de cálculo, o assunto tem voltado à carga, recentemente, no que respeita às exações cuja incidência perpassa o delineamento dos controversos conceitos de faturamento, receita bruta e lucro — direta ou indiretamente ligados à tese central admitida no bojo do RE 574.076.
Explique-se.
Passado em revista o acórdão de julgamento do mencionado RE 574.076, não é árduo dessumir que o principal argumento considerado pelo STF fora aquele segundo o qual não se podem confundir, para fins fiscais, as abrangências das noções de faturamento, receita e ingresso, sob pena de desvirtuamento das materialidades e das competências tributárias sedimentadas em sede constitucional.
Nesse sentido, entradas pecuniárias destinados a compor futuros recolhimentos de ICMS, atinentes a operações de circulação originadoras de faturamento tributável pelo PIS e pela COFINS, não deveriam, jamais, compor as bases imponíveis destas últimas, uma vez não se identificarem às grandezas econômicas esquadrinhadas pelo artigo 195, inciso I, alínea b, da Constituição Federal.
A noção de faturamento já fora bem definida pelo STF, quando instado a se pronunciar sobre a constitucionalidade do artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei 9.718/1998, previamente à promulgação da Emenda Constitucional 20/1998. Na ocasião, bem declinou o pretório que faturamento, para fins tributários, deveria ser limitado à “receita das vendas de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços”.
A noção de receita seria mais ampla. Aqui estariam contempladas, além do faturamento, entradas financeiras que não necessariamente as derivadas do exercício das atividades ínsitas ao objeto do contribuinte. Comporiam receita, assim, dividendos, receitas financeiras, alugueres, ganhos relacionados à venda de ativo imobilizado etc.
Há valores, contudo, que, a despeito de auferidos pelo contribuinte, não seriam receita ou faturamento – e, por isso, não deveriam ser considerados quer em relação à incidência do PIS e da COFINS, quer no que toca à quantificação das dimensões econômicas que servem de supedâneo à exigência do IRPJ e da CSLL. Estes ingressos financeiros seriam, em verdade, valores meramente transitados pelo caixa do contribuinte, nunca com viés de definitividade.
Justamente por não consagrarem, de nenhum modo, acréscimo patrimonial do contribuinte, deveriam eles, em princípio, ser expurgados das bases imponíveis dos tributos. O exemplo mais bem acabado deste fenômeno seria, aliás, composto pelas próprias exações dotadas de repercussão econômica indireta, como o ICMS, IPI, o ISS, o PIS e a COFINS.
Doutrina e jurisprudência têm abordado o assunto de maneira episódica. Em face do silêncio constitucional, há, inclusive, interpretes que defendem que a incidência fiscal cruzada seria a regra, excepcionada somente quando assim dispusesse o texto constitucional — por exemplo, nos termos do artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual o ICMS “não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos”.
Outra corrente, entretanto, enxerga no primado da não-cumulatividade a na tipicidade tributárias fatores que impediriam que as materialidades de incidência fossem estendidas aos próprios tributos devidos, sob a mesma rubrica ou a título de outra exação.
Está-se distante, em todo caso, da obtenção de solução sistemática e generalista para a discussão sobre a (im)possibilidade de incidência de um tributo sobre o outro, ou dele sobre ele próprio. A manutenção da coerência decisória, frente ao quanto estabelecido pelo acórdão do RE n. 574.076, traria, em verdade, impactos substanciais à arrecadação, mediante a declaração da inconstitucionalidade de diversos dispositivos legais que estatuem a inclusão de tributos na mensuração das bases imponíveis de outros (ou deles próprios).
Certo é que o cenário de insegurança remanesce, em prejuízo dos contribuintes. A refração do STF em modular os efeitos de suas decisões, outrossim, reforça as incertezas reinantes.
Por ora, devemos nos satisfazer com alguns recentes julgados que, casuisticamente, pretender dar coerência à jurisprudência, autorizando, especificamente, em relação ao PIS e à COFINS, o expurgo das contribuições de suas próprias bases imponíveis.
Cite-se, a título ilustrativo, recente decisão proferida pela Justiça Federal de Nova Hamburgo, no Rio Grande Sul, nos autos do Mandado de Segurança 5016294-16.2017.4.04.7108, na qual o juiz Norton Luiz Benites, entendeu que o tema definido pelo STF também se aplica ao PIS e à COFINS: Afirmou o magistrado que, na situação, "Por simetria, entendo que idêntica solução deve ser aplicada ao caso concreto, onde se discute a possibilidade de exclusão dos valores de PIS e Cofins da base de cálculo das próprias contribuições", bem como asseverou “que ambos possuem naturezas semelhantes, qual seja a de tributos que apenas transitam na contabilidade da empresa, sem configurar acréscimo patrimonial“.
É interessante aguardar o posicionamento fazendário ante a esperada profusão de decisões nesse sentido, frente à crescente suscitação destas teses na seara judicial. De todo modo, face aos interesses político-arrecadatórios envolvidos, não se pode afastar a possibilidade de os Tribunais Superiores buscarem reverter, na prática, a orientação que ora se desenha, iniciada com a exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS.
Lesliê Fiais Mourad é sócia do Fernando Quércia Advogados Associados, especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e graduada pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).
Fonte: Conjur
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