Na tentativa de regulamentar de maneira uniforme o Repetro-Sped no âmbito estadual, o Confaz editou o Convênio ICMS 3/2018, criando um regime especial opcional ao contribuinte (que fica obrigado a formalizar sua adesão) e condicionado à desistência de ações que discutam a incidência do ICMS sobre importações sem transferência de titularidade, para tratar de todas as disposições de maneira unificada, isentando ou reduzindo a carga efetiva incidente na operação e criando uma regra especial de competência para cobrança do ICMS, que seria devido ao estado em que ocorrer a utilização econômica dos bens ou das mercadorias.
Esse convênio, embora seja de observância obrigatória pelos estados quanto à regra de competência tributária, na forma do artigo 7º da Lei Complementar 24/75, é facultativo no tocante às isenções e redução de base de cálculo, devendo os estados internalizarem suas disposições para que os contribuintes possam usufruir do regime especial, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE 630.705). Dessa forma, enquanto não internalizado na legislação estadual, aplica-se a regra geral para hipóteses de incidência do ICMS-Importação em cada estado, com alíquota cheia.
Não poderia um convênio, ainda que ratificado por todos os estados, invadir a esfera de competência da lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade. Aliás, recentemente, o STF declarou inconstitucionais os convênios ICMS 52/2017 e 93/2015, através de decisões proferidas nas ADIs 5.866 e 5.464, respectivamente.
Também se pode alegar que a exigência de desistência e renúncia de ações sobre tributos considerados inconstitucionais para fins de adesão a regimes especiais é ilegítima. Embora, no caso de regimes especiais, o estado seja livre para formular requisitos, condições e exigências, à Fazenda Pública é defeso fixar regras ilegais aos contribuintes, por força do princípio da legalidade e da moralidade, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Além disso, a exigência representa sanção política em sua essência, por representar método transverso de cobrança de tributo e submissão do contribuinte à vontade do ente tributante, sob pena de ser obrigado a suportar, futuramente, carga tributária mais elevada do que a estritamente necessária.
Não se pode perder de vista que a exigência de desistência, renúncia e pagamento, no caso concreto, diz respeito a tributos que foram declarados ilegítimos tanto no Supremo Tribunal Federal, a teor do Recurso Extraordinário 540.829, com repercussão geral reconhecida, quanto no Superior Tribunal de Justiça, no qual foi editada a Súmula 166 e estabelecido no Recurso Especial 1.125.133/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos. A exigência em questão configura inquestionável burla à autoridade das decisões judiciais e, em determinados casos, pode afrontar até mesmo a coisa julgada.
Além disso, é de nebulosa definição o conceito de “carga tributária equivalente” previsto no convênio, pelo simples fato de que não é exposto o critério de parametrização. Embora seja possível vislumbrar que a intenção do Confaz seja definir que a carga tributária deve ser equivalente a 3% da base de cálculo usual do ICMS-Importação, prevista no artigo 13, inciso V e parágrafo 1º da Lei Complementar 87/96, a grande controvérsia fica por conta de (a) qual alíquota do ICMS deve ser considerada para fins de inclusão na base de cálculo do ICMS-Importação; e (b) se dentro desse escopo também estão inclusos os adicionais de ICMS devidos a título de custeio de Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP).
Quanto à primeira questão, a utilização de qualquer outra alíquota para o ICMS “por dentro” que não a de 3% faria com que a carga tributária efetiva da operação superasse o patamar previsto na legislação. No tocante à segunda questão, tendo em vista que o convênio menciona “carga tributária”, e não a alíquota em si do ICMS, possível sustentar que essa previsão abarca eventuais adicionais previstos nas legislações estaduais, tais como aqueles destinados aos FECP.
Por último, mesmo na hipótese de revogação da norma que internalizar o regime especial previsto no convênio, não haveria margem para a cobrança retroativa do ICMS por determinado ente federativo, em razão da exoneração tributária, no caso concreto, é ato jurídico perfeito e impassível de revisão judicial posterior, mesmo na hipótese de declaração de inconstitucionalidade posterior, em proteção à segurança jurídica do contribuinte de boa-fé.
A derradeira controvérsia fica por conta dos estados que instituíram o depósito compulsório a Fundos Estaduais de Equilíbrios Fiscais (Feef), previsto no Convênio ICMS 42/2016. É que o convênio trata como isenção as hipóteses de (a) importação temporária de bens e mercadorias no âmbito do Repetro e (b) a exportação ficta de bens para fins de internalização posterior e aplicação do Repetro. Dessa forma, os estados que efetivamente instituíram e exigem o depósito compulsório sobre todos os seus incentivos fiscais podem exigir o recolhimento sobre a parcela “isenta” no âmbito do convênio.
Ocorre que tais operações não são isentas, mas em realidade simplesmente não se enquadram na hipótese de incidência do ICMS, a primeira em razão da ausência de circulação jurídica, e a segunda por representar uma exportação, na forma do artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea “a” da CF/88. Ora, qualquer operação que não possa se enquadrar na hipótese de incidência constitucionalmente prevista estará inquestionavelmente fora do escopo de liberalidade para instituição e cobrança do tributo, não havendo que se falar, em hipótese alguma, em isenção e, por tal razão, de cobrança do Feef quanto a essas parcelas.
Não temos dúvidas de que a atual regulamentação do Repetro-Sped no âmbito estadual terá como consequência discussões de enorme monta em razão da divergência de interpretação entre os contribuintes e os entes federativos, sendo inevitável que o Poder Judiciário seja interpelado para, novamente, pacificar as questões.
Giuseppe Pecorari Melotti é advogado do Bichara Advogados.
Thales Belchior Paixão é advogado do Bichara Advogados.
Fonte: Conjur
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