O caput do art. 59 da CLT teve sua redação alterada pela Lei nº 13.467/2013, denominada Reforma Trabalhista, mas manteve o propósito anterior de autorizar a realização de até duas horas extras diárias, previstas em acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
O texto anterior era expresso quanto à necessidade do acordo entre empregador e empregado ser escrito, deixando de haver essa exigência com a reforma. Todavia, ocorrendo o respeito ao limite máximo de horas suplementares e o devido pagamento das referidas horas, sem qualquer compensação, a princípio, não há prejuízos ao empregado, estando a possibilidade em conformidade com o art. 468 da CLT.
O § 1º foi alterado simplesmente para adequar o texto da CLT ao inciso XVI do art. 7º da Constituição, estabelecendo que a remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal, podendo ser superior se houver previsão expressa em instrumento coletivo de trabalho.
A revogação do § 4º ocorreu para compatibilizar o texto da CLT com as alterações promovidas no art. 58-A, que passaram a autorizar a prestação de horas extras pelos empregados sob o regime de tempo parcial, o que era vedado pelo revogado parágrafo do art. 59.
Conforme esclarecemos em outra obra, a limitação das horas extras diárias tem por propósito a não submissão dos trabalhadores a jornadas de trabalho exaustivas que, por refletirem nítido desrespeito ao direito de descanso e lazer, de realização de projetos de vida fora do ambiente de trabalho e de comunhão familiar e social, denominada de “vida de relações”, podem, inclusive, caracterizar a ocorrência de dano existencial, que é uma espécie de dano extrapatrimonial indenizável que decorre da conduta patronal que transforma o trabalhador em mero instrumento de trabalho para o alcance financeiro, gerando a degradação da condição humana, no processo de “coisificação” da pessoa.2
O § 2º do art. 59 da CLT, não alterado, prevê o banco de horas ou regime de compensação anual ao estabelecer que “poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias”.
O § 3º sofreu alteração apenas formal, em razão da inclusão do §5º ao dispositivo, mas não no mérito, visto que continua prevendo que na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão”.
A matéria é tratada na Súmula nº 85 do TST:
Súmula nº 85 do TST
COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item VI) – Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016
I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 – primeira parte – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000)
III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 – segunda parte – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.
VI – Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT.
Até a vigência da Lei nº 9.601, ocorrida em 22 de janeiro de 1998, o regime de compensação de jornada previsto na CLT era semanal, de modo que o excesso de horas em um dia poderia ser compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não excedesse o horário normal da semana, estipulado em 44 (quarenta e quatro) horas pela própria Constituição.
Considerando que o prazo máximo para estipulação do salário é mensal, parte da doutrina e jurisprudência admitia a compensação de jornada mensal, ou seja, com respeito à carga horária de 220 (duzentas e vinte) horas por mês.
Atendendo ao comando constitucional do inciso XIII do art. 7º, a compensação de horários era facultada somente mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. A análise ortográfica do dispositivo parece indicar a intenção do constituinte de autorizar o acordo bilateral individual (observe-se que o adjetivo “coletiva” está no feminino, combinando apenas com a expressão convenção), visto que a compensação de jornada era tida também como favorável ao trabalhador.
Ademais, o acordo escrito e a limitação semanal ou mensal permitem a prévia programação do trabalhador quanto à distribuição da jornada a ser cumprida e preservam a saúde e a segurança no ambiente laboral.
Não por outro motivo o TST reconhece, por meio dos itens I e II da Súmula nº 85, a compensação da jornada de trabalho ajustada por acordo individual escrito, desde que não haja norma coletiva em sentido contrário, justamente porque o instrumento coletivo privilegia o interesse de toda a categoria, mesmo que eventualmente prejudique interesse individual.
Com o advento da Lei nº 9.601/98 e a implementação do sistema de banco de horas, foi ampliado o período máximo de compensação, inicialmente para 120 (cento e vinte) dias (regime de compensação quadrimestral ou supramensal limitado) e, posteriormente, com a Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001, para até um ano (regime de compensação anual).
A instituição de regime compensatório superior ao semanal ou mensal (banco de horas), por ser mais prejudicial ao empregado, que deixa de ter previsão quanto à jornada de trabalho a ser cumprida, às folgas a que terá direito e ainda violar normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, submete-se à prévia autorização em instrumento coletivo de trabalho (item V da Súmula nº 85 do TST), sendo passível de nulidade se pactuado individualmente, nos termos do art. 468 da CLT.
As novidades da reforma ficam por conta dos §§ 5º e 6º do art. 59, que autorizam a pactuação do banco de horas por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses, ou do regime de compensação de jornada por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.
O novo art. 59-B vai além, pois afasta completamente a necessidade de qualquer acordo, individual ou coletivo, para implementação de regime de compensação de jornada, ao estabelecer que “o não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional”.
O parágrafo único arremata dizendo que “a prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas”.
Se o estabelecimento do banco de horas (compensação supramensal) por acordo individual já tem traços de inconstitucionalidade, a afronta à Constituição é evidente diante da autorização legal da implementação de compensação de jornada por liberalidade do empregador, permitindo, inclusive, a extrapolação do limite máximo de dez horas diárias.
Vamos a um exemplo prático do que parece que quis ser autorizado pela reforma: se o empregador quisesse, poderia exigir que o empregado trabalhasse as 44 (quarenta e quatro) horas semanais seguidas, pagando apenas o adicional de 50% sobre as horas que ultrapassassem a oitava diária.
Mas isso é absurdo. O item III da Súmula nº 85 do TST, aliás, apontava para o mesmo sentido.
Sequer a previsão do art. 66 da CLT, que exige que entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso, torna a alteração menos agressiva, pois poderia o empregador alegar que as 44 (quarenta e quatro) horas semanais seguidas de trabalho formaram uma única jornada e houve período muito superior a 11 (onze) horas de descanso na sequência, pois o empregado somente iniciaria sua próxima jornada na semana seguinte.
Antes mesmo da inconstitucionalidade, a implementação de acordo de compensação de jornada ou de banco de horas sem observância das exigências legais e constitucionais, em especial quanto à jornada diária máxima, afronta o art. 9º da CLT, pois tal prática objetiva desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista, devendo ser considerada nula de pleno direito.
Considerando a teoria especial das nulidades aplicável no Direito do Trabalho, para o empregado, a vantagem da declaração de nulidade será financeira, pois receberá as horas excedentes à jornada normal diária acrescidas de, no mínimo, cinquenta por cento, e não apenas o respectivo adicional. Já o empregador, apesar da excêntrica autorização legal, irrefutavelmente inconstitucional, poderá sofrer as punições administrativas decorrentes do uso irregular da sobrejornada (art. 75 da CLT), além de eventuais punições na esfera coletiva, a partir da atuação do Ministério Público do Trabalho.
No campo das inconstitucionalidades, em adição ao inciso XIII, também os incisos XVI (remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal) e XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho) são violados pela previsão de acordo individual para instituição de banco de horas (compensação supramensal), de dispensa de qualquer negociação para implementação de regime de compensação de jornada mensal ou de validade da compensação de jornada ainda que não atendidas às exigências legais.
A autorização de cumulação de horas extras com regime de compensação vai além no rol de inconstitucionalidades, pois infringe também o art. 6º, que prevê o direito à saúde e ao lazer; o inciso XXII do art. 7º, que dispõe sobre o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, que englobam o tempo de labor; e o art. 170, que exige da ordem econômica a valorização do trabalho humano, a fim de garantir existência digna.
Ademais, a previsão do parágrafo único do art. 59-B da CLT reformada também adentra no ramo das inconvencionalidades, pois afronta o art. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH/1948, que garante a toda pessoa o direito ao repouso e ao lazer, especialmente, a partir da limitação razoável da duração do trabalho e das férias periódicas pagas; o art. 7º, “d”, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC/1966 (Decreto nº 591/92), que confere aos trabalhadores o direito ao descanso, ao lazer, à limitação razoável das horas de trabalho e às férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados; e o art. 11 da Declaração Sociolaboral do Mercosul de 2015, que prevê que “todo trabalhador tem direito à jornada não superior a oito horas diárias, em conformidade com as legislações nacionais vigentes nos Estados Partes e o disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, sem prejuízo de disposições específicas para a proteção de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos”.
A estipulação do banco de horas por negociação individual ou mesmo sem negociação alguma esvazia o direito constitucional à percepção das horas de sobrejornada em valor superior ao da hora normal, mesmo que o obreiro trabalhe habitualmente em jornada extraordinária.
A rigidez constitucional quanto à forma de excepcionar a jornada normal de trabalho, apenas facultando a compensação de horários mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, que são obrigatoriamente escritos e essencialmente coletivos, é justificada pelos impactos negativos que a sobrejornada pode causar na saúde dos trabalhadores.
Por esse motivo, conforme defendemos em outra obra, o banco de horas não pode ser imposto de forma unilateral, ainda que por meio da assinatura de acordo individual escrito, e com prazo de compensação tão longo (seis meses), pois é de conhecimento comum que o contrato ou qualquer condição para a relação de trabalho apresentada pelo empregador não pode ser negociada livremente pelo empregado, tratando-se de mero contrato ou acordo de adesão em razão da assimetria que rege a relação capital-trabalho.3
A prática de horas extras habituais além da jornada elastecida por regime de compensação, inclusive em banco de horas, impede a efetiva aplicação da compensação, pois o excesso de horas em um dia não será compensado pela correspondente diminuição em outro dia, já que as horas que deveriam ser compensadas para garantir a efetiva recuperação da fadiga estarão sendo pagas como extras.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, em pedido de veto total ou parcial do projeto da reforma trabalhista encaminhado ao Presidente da República, a sobreposição de regimes de extrapolação de jornada de trabalho corresponde, na prática, à instituição de jornada ilimitada de trabalho:
Quando o art. 7º, XIII da Constituição admite a compensação de jornada por negociação coletiva, faz em caráter excepcional, o que automaticamente afasta o regime de horas extras, previsto no inciso XVI do mesmo dispositivo, somente aplicável à jornada normal de 8 (oito) horas. Essa sobreposição de regimes de extrapolação de jornada de trabalho, permitida pela norma do projeto, corresponde, na prática, à instituição de jornada ilimitada de trabalho, em violação a direito previsto no artigo XXIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, segundo o qual, “todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias remuneradas periódicas”.
[…]
A limitação razoável da jornada de trabalho ainda constitui exigência decorrente do direito fundamental ao lazer, previsto no art. 6º da Constituição. Por sua vez, dispõe o art. 217, § 3º, da Constituição, “o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”, o que remete à necessidade humana de tempo livre das atividades profissionais para o trabalhador cultivar relacionamentos com outros grupos sociais, especialmente no espaço familiar, em que se assume a responsabilidade constitucional de prover convivência e lazer aos filhos, crianças e adolescentes, como garantia fundamental prevista no art. 227 da Constituição.4
Diante da incompatibilidade dos regimes de compensação (excepcional por natureza) com o de prestação de horas extras habituais, deverá ser descaracterizado o acordo de compensação de jornada, mantendo-se a aplicação do item IV da Súmula nº 85 do TST, desde que não seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
O mesmo destino (da nulidade) deverá ser reservado ao regime de compensação sempre que não cumpridas as demais formalidades estipuladas na lei e no acordo ou convenção coletiva de trabalho para sua instituição.
Por fim, importante destacar o contido no item VI da Súmula nº 85 do TST, no sentido de que “não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT”. A respeito da prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres, inclusive, já tratamos em outro texto publicado neste portal5, cuja leitura recomendamos.
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1 KLIPPEL, Bruno. Jornada de Trabalho e Direitos Fundamentais. São Paulo: LTr, 2016, p. 74-75.
2 ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Do Tempo de Trabalho. In. ZIMMERMANN, Cirlene Luiza… [et al]. Reforma Trabalhista Interpretada. Caxias do Sul: Plenum, 2017, p. 30.
3 ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Do Tempo de Trabalho. In. ZIMMERMANN, Cirlene Luiza… [et al]. Reforma Trabalhista Interpretada. Caxias do Sul: Plenum, 2017, p. 36.
4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/1557d36c-eb77-4186-a472-b77782027895/PEDIDO+DE+VETO_FINAL_1.pdf?MOD=AJPERES&attachment=true&id=1499871332213>. Acesso em: 06 set. 2017.
5 ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Limites e possibilidades da prevalência do negociado sobre o legislado: Parte III: matérias sujeitas à negociação coletiva. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/reforma-trabalhista/limites-e-possibilidades-da-prevalencia-do-negociado-sobre-o-legislado-2-03052018>. Acesso em: 27 mai. 2018.
CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN
Fonte: Jota
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