segunda-feira, 21 de maio de 2018

Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo

A racionalidade, enquanto estratégia de convencimento, apresenta sérias limitações. Conforme se pode inferir do pensamento weberiano, o ser humano estritamente racional se torna uma nulidade. O neurocientista português Antônio Damásio alerta: não somos máquinas pensantes capazes de sentir, mas máquinas sentimentais capazes de pensar. Damásio, um dos grandes responsáveis pelos avanços da neurociência, ensina que este é um processo iniciado nos estudos de Sócrates e Platão, porque a tensão entre razão, instintos e emoções se trata de uma antiga questão filosófica.

Sabe-se que muitas decisões humanas apresentam certo nível de inconsciência, grande carga emotiva e influências de fatores biológicos. Contudo, o indivíduo cria discursos racionais para tentar se justificar perante outros indivíduos — como defendido por Daniel Kahneman, teórico da economia comportamental e ganhador do Prêmio Nobel de Economia (2002). A partir dessa concepção, surgem: o neurobusiness, que consiste na aplicação dos avanços da neurociência às disciplinas tradicionais dos negócios, e a neuroarquitetura, caracterizada pela aplicação desses avanços à construção de ambientes.

Frente a esse panorama, o Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP promoveu seminário[1] voltado à aplicação das contribuições da neurociência (nas formas de neurobusiness e neuroarquitetura) ao design normativo e no processo de aprovação de uma reforma tributária no Brasil. Foram responsáveis pela abertura do evento: Robson Gonçalves (FGV) e Andréa de Paiva (FGV), que apresentaram o conceito de neurobusiness e de neuroarquitetura e seus possíveis desdobramentos para a ciência do Direito; e Gustavo Vettori (FEA/USP e FGV Direito SP), que buscou relacionar os desafios da tributação aos conceitos fundamentais da economia comportamental[2].

Design normativo, aversão à perda e nudge
Robson Gonçalves[3] sustentou que, a depender da maneira como uma norma é apresentada, diferentes implicações — de fator biológico ou emocional — são geradas nos cidadãos/indivíduos, o que acarreta em impacto significativo na sua aderência ou não. No contexto de aprovação de uma reforma tributária no Brasil, por exemplo, o processo de convencimento político é o cerne da questão e leva em conta fatores psicológicos presentes em todos os agentes envolvidos.

O projeto ideal de reforma tributária deve levar em consideração a arrumação do conteúdo normativo para não instigar a impressão de diminuição de poderes dos grupos políticos. O ser humano concebe a perda, quase que instintivamente, como algo negativo e estabelece perante ela sentimento de aversão — o que também é ressaltado por Gustavo Vettori[4].

Nesse aspecto, técnica neurocientífica que pode ser útil é o nudge. Andrea de Paiva[5] explica que, dentro de um contexto normativo, o nudge consiste na mudança de comportamento voluntária e inconsciente causada por algum aspecto sutil presente na norma — nas palavras escolhidas pelo legislador, por exemplo. No entanto, já que influenciará o comportamento das pessoas, é necessária que se faça uma reflexão ética acerca de sua utilização.

Cristiano Carvalho[6] (CMT Advogados), que participou da mesa como debatedor, alerta para o fato de que o arquiteto do nudge é um indivíduo como qualquer outro; logo, também está sujeito a inclinações de ordem axiológica (sejam elas emocionais, políticas ou ideológicas).

Relação Fisco-contribuinte
A relação existente entre Fisco e contribuinte também sofre influências de fatores emocionais. O debatedor do seminário Flávio Rubinstein[7] (FGV Direito SP) defende que a ideia tradicional da relação Fisco-contribuinte é punitivista: o Fisco percebe o contribuinte como aquele possível e provável sonegador, enquanto que o contribuinte enxerga no Fisco a visão metafórica do “leão” que busca prejudicá-lo.

Rubinstein argumenta que essa visão produz efeito de desconfiança no Direito e baixa arrecadação. Sugere uma mudança de paradigma a fim de criar um sistema tributário responsivo, modelo extremamente eficiente ao Fisco no que concerne à arrecadação, como comprovado em outras jurisdições. Ele lembra que já há no Brasil avanços nesse sentido, como é o caso da publicação da primeira lei estadual de compliance tributário do país (Lei Complementar de São Paulo 1.320, de 6/4/2018), por meio da qual foi instituído o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – "Nos Conformes", cujo objetivo é criar ambiente de confiança recíproca entre administração tributária e contribuintes[8].

Conclusão
Os estudos neurocientíficos causaram revolução nos âmbitos econômico e negocial. Falta relacionar os avanços que essas investigações já alcançaram em outros ramos com a ciência do Direito. A lógica impositiva está desgastada por uma série de fatores que perpassam desde a crise de representatividade até o papel das regras de Estados nacionais em ambiente cada vez mais globalizado — isto é, os indivíduos vivem experiências internacionais, mas regulados por normas restritas e localizadas.

Para superar essas dificuldades, a neurociência — instrumentalizada pelas técnicas do neurobusiness e neuroarquitetura — pode servir de ferramenta interessante utilizada pela sociedade para o convencimento de agentes políticos na adoção de reformas estruturantes para o Brasil, como é o caso da reforma tributária. A neurociência pode contribuir não apenas para o desenvolvimento do debate, mas sobretudo para o design do texto normativo a ser proposto (por meio de nudge, por exemplo), gerando mais aderência na aplicação das normas que resultarão desses enunciados.

***

Neste link está o relatório de pesquisa completo elaborado pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP, que tem como objetivo estruturar os principais pontos abordados pelos debatedores que compuseram a mesa do seminário, permitindo que as colocações e debates travados no âmbito do evento sirvam de material de pesquisa para aqueles que se interessam pela temática da tributação na era digital.

O relatório segue a seguinte lógica: discriminação de cada um dos convidados por ordem de fala, suas principais colocações e nota de rodapé que contém o caminho para o exato momento do vídeo do evento (publicado pela FGV Direito SP) em que a respectiva fala é encontrada.

[1] Íntegra do evento: https://youtu.be/U9bnd_gMpxw?t=59m49s.
[2] Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p.3.
[3] Robson Gonçalves fala do design normativo e aversão à perda: Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p. 3-4.
[4] Gustavo Vettori fala de tributação da renda e aversão à perda: Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p. 4-5.
[5] Andrea de Paiva fala do Nudge: Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p. 4.
[6] Cristiano Carvalho fala sobre as limitações do Nudge: Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p. 6.
[7] Flávio Rubinstein fala da relação fisco-contribuinte: Relatório de pesquisa do evento "Neurobusiness, neuroarquitetura, tributação e design normativo", p. 6.
[8] SANTI, Eurico Marcos Diniz de; ALHO NETO, João. Nova Lei de Conformidade finalmente bota São Paulo na era do fisco responsivo. ConJur, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mai-04/neffgv-lei-conformidade-bota-sp-fisco-responsivo.

Eurico Marcos Diniz de Santi é professor e coordenador do NEF/FGV Direito.

João Alho Neto é pesquisador do NEF/FGV Direito SP e mestrando em Direito Tributário na USP.

Gabriel Franchito Cypriano é estagiário de pesquisa do NEF/FGV Direito SP e graduando em Direito na PUC-SP.

Fonte: Conjur

Nenhum comentário:

Postar um comentário