Apesar da alta expectativa com relação à entrada em vigor da reforma
trabalhista, no dia 11 de novembro, as empresas poderão continuar a ser
fiscalizadas, autuadas e sofrer novas ações civis públicas por práticas
que estão previstas na Lei nº 13.467/2017. Depois dos juízes, fiscais do
trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT)
declararam que não devem aplicar os principais pontos da reforma com
o argumento de que há violação a princípios constitucionais, a outras
leis trabalhistas e normas da Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
Entre os aspectos que poderão ser desconsiderados nas fiscalizações estão a predominância do negociado sobre
o legislado, a terceirização ampla, o não reconhecimento de vínculo empregatício de trabalhadores autônomos,
a contratação de trabalho intermitente para qualquer setor, a limitação de valores de indenização por danos
morais e a possibilidade de se estabelecer a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso por acordo
individual.
O auditor fiscal do trabalho e representante do Sinait, Alex Myller, afirma que se deve harmonizar as previsões
da reforma com a Constituição, com as outras disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e
tratados internacionais. "Podemos preservar o que for possível da reforma, mas não posso ir contra o que diz a
Constituição. Senão estaria prevaricando", diz. O sindicato levou 20 teses para discussão no evento e 18 delas
foram aprovadas.
Entre os textos que Myller afirma ter participado da elaboração está o que trata do não reconhecimento de
vínculo empregatício do empregado autônomo. "Temos que pensar no princípio da primazia da realidade e a
própria Constituição diz que a relação de emprego é um direito dos trabalhadores. Por isso, quando a prestação
de serviços é continua e exclusiva, tem que ser tradicionalmente considerada relação de emprego", diz.
Segundo os organizadores do evento, participaram cerca de 600 pessoas na 2ª Jornada de Direito Material e
Processual do Trabalho. Entre elas, aproximadamente 30 procuradores do MPT, 70 fiscais, 350 juízes e 120
advogados.
Diante do furor que a aprovação da reforma causou no meio jurídico, o evento foi recorde de público. Reuniu o
dobro de participantes registrados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, ocorrida em
2007, quando foram levantados enunciados sobre a legislação trabalhista como um todo, segundo o presidente
da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano.
Os enunciados ainda consideraram inconstitucionais as previsões que tratam da cobrança dos valores de perícia
e de honorários de sucumbência - pagos ao advogado da parte contrária com relação aos pedidos negados ao
trabalhador. Também entenderam pela não aplicação da limitação mais restrita à assistência judiciária gratuita.
Para o presidente da Anamatra, não se trata de "um jogo de resistência ao aplicar a lei". Segundo o magistrado,
"se a lei fosse bem redigida, não haveria uma busca tão grande para interpretá-la. Agora o Poder Judiciário tem
que fazer o seu trabalho de interpretar as normas de forma coerente com a Constituição."
Com relação à terceirização, foi aprovada tese de que ela não se aplica à administração pública direta e indireta,
restringindo-se às empresas privadas. Outro enunciado prevê que os empregados das empresas terceirizadas
devem ter direito a receber o mesmo salário dos empregados das tomadoras de serviços, bem como usufruir de
iguais serviços de alimentação e atendimento ambulatorial.
Ainda em outro texto, houve a proibição da prática da terceirização na atividade-fim (principal) das empresas.
"A terceirização, ao nosso ver, só pode ser usada para atividades que são especializadas sem que signifique
precarização do trabalho", diz Feliciano.
A vice-coordenadora nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), procuradora do
trabalho Vanessa Patriota da Fonseca, afirma que o órgão apontou diversas inconstitucionalidades desde a
tramitação do projeto de lei. "Sancionada a lei, cabe ao MPT, responsável pela defesa da ordem jurídica, atuar
na interpretação de acordo com a Constituição", diz.
A prevalência do negociado sobre o legislado, prevista na reforma, por exemplo, deverá ser relativizada. Para a
procuradora, o artigo 7º da Constituição não foi revogado e estabelece os direitos dos trabalhadores e somente
poderão ser admitidos negociados que sejam mais benéficos aos funcionários. De acordo com ela, os
procuradores podem declarar a inconstitucionalidade da lei incidentalmente, no bojo da ação civil pública,
como prevê a própria Constituição. E assim, não aplicar dispositivos previstos na reforma.
A postura de magistrados, auditores fiscais do trabalho e procuradores do MPT é criticada pelo presidente do
Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan. Ele afirma
acreditar ser o pensamento da minoria. "Deve atrasar ainda mais o país, ao fazer um debate ideológico, baseado
no que eles chamam de justiça social, sem fazer a aplicação da lei", diz. Para Furlan, os juízes devem ser mais
pragmáticos e adotar o que está previsto na legislação que modernizou as relações de trabalho.
O que tem ocorrido, na opinião de Furlan, é uma espécie de embate entre o Judiciário e o Legislativo. De acordo
com ele, o Legislativo teria elaborado a reforma contrariando a jurisprudência da Justiça do Trabalho e, agora, o
Judiciário afirma que não vai aplicar a lei. "O próximo passo seria pedir o fim da Justiça do Trabalho. Eu não
quero o fim. Mas o trabalhador e o empresário que geram riqueza no país estão assistindo de fora essa
discussão, que só atrapalha o crescimento da economia", diz.
O advogado trabalhista e presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo
(Sinditêxtil-SP), Luiz Arthur Pacheco, afirma que a lei foi aprovada, seguindo todos os trâmites legais, foi
sancionada e agora tem que ser aplicada. "As empresas não esperam nada diferente disso. Não se pode criar um
viés corporativista em detrimento da visão jurídica.
Fonte: Valor.com.br/
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