A Lei n.º 13.467/17 alterou 97 artigos da CLT. Foram, portanto, alterados muitos dispositivos, com nova redação e novo sentido. Vou trazer algumas primeiras impressões do negociado sobre o legislado, mas que vão depender do que o TST e o STF entenderem, principalmente o STF, em se tratando de matéria constitucional.
Os fundamentos encontrados na exposição de motivos dos artigos alterados para a reforma trabalhista foram: a- reduzir os excessos legislativos da Justiça do Trabalho, o ativismo judicial; b- diminuir o número de ações na Justiça do Trabalho, pois têm sido propostas mais de três milhões de ações por ano; c- considerar o empregado uma pessoa capaz de direitos e obrigações e não o hipossuficiente, em razão das alegações de indisponibilidade de direitos trabalhistas; d- prestigiar a negociação coletiva, em razão da anulação de cláusulas convencionais; e- incentivar o diálogo entre empregados e empregadores; f- permitir que os sindicatos possam negociar e que isso tenha total validade, mas não possa ser posteriormente alterado pela Justiça do Trabalho; g- acelerar o andamento do processo trabalhista; g- falta de sucumbência na Justiça do Trabalho, que incentiva fazer pedidos sem fundamento e do alto número de pedidos das petições iniciais; h- tendência de adotar a flexibilização dos direitos trabalhistas, como ocorre na Europa, de modo a manter os empregos. A França está fazendo nova reforma do seu Código do Trabalho, que tem por fundamento a flexibilização dos direitos trabalhistas, reduzindo direitos trabalhistas.
A interpretação do negociado sobre o legislado, para mim, dependerá de cada caso em concreto. Está bem claro no artigo 611-A da CLT o que pode ser negociado. No artigo 611-B da CLT ficou especificado o que não pode ser negociado, que se constitui em objeto ilícito da convenção ou acordo coletivo. O artigo 611-B da CLT tem fundamento nos incisos do artigo 7.º e no artigo 8.º da Constituição, que tratam de limites mínimos de direitos dos empregados. O mais dependerá do que foi negociado.
Ultratividade é a aderência de forma definitiva das cláusulas normativas da norma coletiva nos contratos individuais de trabalho por período superior à sua vigência. Ultratividade parece denominação mais apropriada. Ultra quer dizer excesso, além de, acima de, fora de. Atividade significa a soma de ações, de atribuições, de encargos ou de serviços desempenhados.
Mostra o Código do Trabalho português que vigência tem o sentido de delimitar o tempo de duração da convenção coletiva (art. 499). Sobrevigência diz respeito às hipóteses de prorrogação de vigência e de eficácia ultratemporal (art. 501). Sucessão de convenções coletivas compreende a ultra-atividade das cláusulas da norma coletiva, no que diz respeito à incorporação ou não das vantagens previstas em norma coletiva anterior (art. 503).
A questão da ultratividade vai depender do julgamento que o STF fizer em relação à Súmula 277 do TST. Se o STF entender que a ultratividade está no parágrafo 2.º do artigo 114 da Constituição, será inconstitucional o parágrafo 3.º do artigo 614 da CLT. Do contrário, as convenções e acordos coletivos terão validade de dois anos. Se não existir norma coletiva em vigor, as cláusulas da norma coletiva anterior não se incorporam ao contrato de trabalho.
Parece que a autonomia da vontade privada coletiva será exercida de forma ampla, com fundamento no inciso XXVI do artigo 7.º da Constituição, que reconhece as convenções e os acordos coletivos e, portanto, o seu conteúdo.
O STF entendeu que a quitação feita na rescisão do contrato de trabalho é ampla e abrange todas as verbas do extinto pacto laboral, se assim foi previsto na norma coletiva. Era um caso do Banco do Estado de Santa Catarina, que foi comprado pelo Banco do Brasil:
“Direito do Trabalho. Acordo coletivo. Plano de dispensa incentivada. Validade e efeitos. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: ‘A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado’” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 29.5.2015).
Mais recentemente, ao examinar a supressão das horas in itinere por meio de acordo coletivo de trabalho, decidiu-se pela sua validade (STF, RE 895.759/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, decisão monocrática, DJe 13.9.2016).
Muitas súmulas e orientações jurisprudenciais do TST vão ter de ser alteradas, pois dispunham num sentido e a Lei n.º 13.467 determina exatamente em sentido contrário, como no caso da Súmula 277 do TST, que trata da ultratividade da norma coletiva.
por Sergio Pinto Martins - Desembargador do TRT da 2a Região. Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Autor da editora Saraiva.
Fonte: Carta Forense
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