Esse princípio introduzido pela EC nº 19/98 que deu nova redação ao art. 37 da CF vem suscitando discussões acaloradas em torno do seu correto entendimento. Foi objeto de estudos e debates específicos no XXXI Simpósio Nacional de Direito Tributário, evento tradicional que acontece anualmente sob a coordenação do Ives Gandra da Silva Martins.
Procuraremos, em apertada síntese, discorrer sobre o seu alcance e conteúdo nas searas do Direito Administrativo e do Direito Tributário.
A Emenda 19/98 veio à luz para compatibilizar diversas normas da reforma administrativa da década de 90 (Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado) que procurou substituir o modelo burocrático, fundado no controle dos atos administrativos a serem praticados por agentes públicos, pelo modelo gerencial originário dos países do Common Law, fundado na busca de resultados. Era preciso dotar a administração pública de um modelo ágil, flexível e eficiente no equivocado pressuposto de que o modelo burocrático retardava o alcance dos resultados almejados. Seus idealizadores se esqueceram de que a agilidade e flexibilização do setor privado decorrem da busca de resultados financeiros das empresas, uma exigência dos sócios ou acionistas. O poder público não percebe o lucro, mas presta serviços públicos planejando e formulando políticas públicas para os diferentes setores da atividade (educação, segurança pública, saúde, transportes, meio ambiente, inclusão social etc.) e, ainda, desenvolvendo atividades econômicas onde o setor privado se mostra desinteressado por não ser lucrativo, ou impotente em razão do vulto do capital exigido e a demora no retorno do investimento feito.
Na versão original constava a expressão “qualidade dos serviços prestados” que na redação final foi substituída pela expressão “eficiência”. O STF ao suspender, por vício de forma, em sede de medida cautelar a vigência do art. 39 da CF na redação dada pela EC nº 19/98, mas em caráter ex nunc, afastou a inconstitucionalidade formal do art. 37 igualmente atacada na ADI, onde foi inserida a palavra “eficiência”. Entendeu a Corte Suprema que as duas expressões são sinônimas (ADIMEC nº 2.135-4, Rel. Min. Nery da Silveira, DJ de 7-3-2008).
O mérito até hoje não foi julgado, pelo que continua valendo o regime único dos servidores na forma da redação original do art. 39, ensejando uma interpretação elástica do teto remuneratório do servidor estabelecido em forma de subsídio dos Ministros do STF (art. 37, XI da CF) que vem sofrendo esvaziamento constante por conta da exclusão das vantagens de ordem pessoal que figurava no antigo § 2º, do art. 39 da CF, o qual guardava estreita relação com o regime único de servidores públicos. Apesar de revogado aquele § 2º, por força da repristinação do caput do art. 39 em sua redação original, as vantagens pessoais não vêm sendo computadas para fins de teto salarial, contrariando a dicção o atual inciso XI, do art. 37 da CF, deixando de fora inúmeras vantagens pecuniárias como auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-transporte etc., que se distanciam dos tradicionais quinquênios e da sexta parte, extrapolando os limites da legitimidade desses acréscimos que, muitas vezes, chegam ao triplo dos subsídios que a Constituição manda levar em conta.
Consigne-se a bem da verdade que a eficiência sempre esteve presente no modelo burocrático de gestão administrativa, conforme demonstra Irene Patrícia Nohara citando lições doutrinárias a respeito [1].
A INCOMPATIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COM A FLEXIBILIZAÇÃO POR VIA DE DESBUROCRATIZAÇÃO
Na verdade, alterar a “qualidade dos serviços prestados”, figura típica do setor empresarial, onde vige o princípio da livre concorrência que elege a qualidade com um fator de atração do consumidor (ISO, ISSO 9001 etc.), pelo princípio da eficiência da Administração penso que conduz à idéia oposta ao programa de desburocratização ou modelo gerencial que a reforma administrativa teve em mira, onde a flexibilização funciona como uma mola propulsora.
De fato, se é um princípio constitucional ao lado de outros tantos, como o da moralidade, o da impessoalidade e, sobretudo o da legalidade, o agente público fica preso ao modelo burocrático só podendo atuar sob um regulamento fixo que define as suas atribuições e responsabilidades e debaixo do principio da hierarquia funcional, não lhe sendo permitido desprezar as normas legais a pretexto de buscar eficiência maior no serviço público. Isso confere previsibilidade e segurança jurídica ao cidadão.
No confronto entre normas e princípios prevalecem estes últimos. Mas, no confronto entre princípios constitucionais deve-se aplicar os princípios constitucionais interpretativos, de sorte a não esvaziar o conteúdo de um, parcial ou totalmente, à custa do esvaziamento total ou parcial de outro princípio. Impõe uma interpretação dentro do princípio da unicidade constitucional no pressuposto de que a Constituição não contém princípios antagônicos.
A desmontagem do modelo burocrático pode até conduzir à uma situação anterior à reforma administrativa implantada no final da década de 30, quando foi criado o DASP que resultou na profissionalização do funcionário público [2] representando uma burocracia estável, competente e eficiente: a melhor da América Latina. Infelizmente, essa burocracia eficiente foi aos poucos sendo desestruturado pelo regime militar que se seguiu, a partir da década de 60. O regime militar que se orientou pela centralização do poder trouxe para o seio do funcionalismo a figura do funcionário público nomeado para cargos em comissão, demissíveis ad nutum. Se o momento político exigia do governante a nomeação de funcionários de confiança, retomada a normalidade jurídico-constitucional, esses cargos em comissão deveriam ter sido extintos ou diminuídos reservando-os apenas para os cargos de primeiro e segundo escalões. Mas, desgraçadamente aconteceu o contrário: seu número decuplicou de tal forma que hoje o número de servidores nomeados por critérios políticos ultrapassam o número de servidores efetivos que se submetem ao princípio da hierarquia funcional, ao contrário dos primeiros que devem fidelidade apenas à pessoa que os nomeou ou indicou para se manterem no cargo.
CONCEITO DE EFICIÊNCIA
Conceituar juridicamente o que é eficiente é uma tarefa das mais difíceis.
Não é por outra razão que no XXXI Simpósio Nacional de Direito Tributário, ao conceituar o princípio da eficiência, aplicável era seara do Direito Tributário aprovou-se, dentre outras, as seguintes conclusões [3]:
a) O princípio da eficiência pode ser conceituado como a adoção de política tributária com mecanismos e instrumentos legais capazes de gerar desenvolvimento e justiça social;
b) Os limites materiais são aqueles impostos pelo texto constitucional ao poder de tributar;
c) O excesso de obrigações acessórias é contrário à eficiência tributária, porque implica gastos excessivos, tanto por parte da Administração, quanto por parte dos contribuintes;
d) Em tese é possível sustentar a ilegitimidade da imposição tributária com base na inobservância do princípio da eficiência na realização do gasto público, inclusive em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
e) No caso de tributo vinculado a uma finalidade específica, a destinação de sua receita a finalidade diversa daquela que motivou a sua instituição compromete a legitimidade de exação.
Como se verifica, nada há nas conclusões dos especialistas que autorize a flexibilização de normas em busca da eficiência de que trata o art. 37 da CF.
Eu diria que o tiro saiu pela culatra. Ao se pretender a desmontagem da burocracia, equivocadamente, tida como a causa da ineficiência e morosidade da atuação da Administração Pública, substituindo-a pelo modelo gerencial, acabou limitando mais ainda a ação do agente administrativo que não pode invocar o princípio da eficiência em prejuízo do princípio da legalidade.
A eficiência não pode ser confundida com eficácia, isto é, busca de resultados que implica para o setor privado apenas e tão somente o alcance das metas fixadas de cima para baixo como condição sine qua non para o empregado evoluir na carreira. É certo que, muitas vezes, a eficiência, entendida como emprego de meios legais adequados no desenvolvimento de atividades, conduz a um bom resultado. Mas, pode haver eficiência sem eficácia.
CONCLUSÃO
Enfim, não há um conceito único da eficiência. Dizer que a eficiência consiste na escolha do que é bom ou ótimo pode, muitas vezes, descambar para arbitrariedades provocando a intervenção do Judiciário. Depende de considerar a eficiência em relação ao objetivo almejado.
Por isso, conclui acertadamente Irene Patrícia Nohara que afirma:
“ […] para melhor adequação do sentido jurídico da eficiência, faz-se necessária a adoção de um significado instrumental aos valores constitucionais, ponderando, portanto, com o juízo de razoabilidade diante da sustentabilidade e de orientação do Estado para a efetividade do bem comum” [4].
Realmente conferir caráter instrumental ao princípio da eficiência na área tributária no sentido de emprego de meios adequados legais na busca da arrecadação com respeito aos direitos dos contribuintes é o conceito que se conforma com os princípios constitucionais tributários.
[1] “A desconfiança inicial sobre a utilidade da positivação do principio da eficiência também foi compartilhada por Lúcia Valle Figueiredo, que indagava: ‘é de se perquirir o que muda com a inclusão do principio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência em seus cometimentos’”. “Aliás, antes da positivação do princípio da eficiência, Hely Lopes Meirelles já apontava a eficiência entre os deveres funcionais dos servidores públicos. A eficiência era enfocada como dever que se impõe a todo agente publico de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional” (In Reforma Administrativa e Burocracia, 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 2016, p. 147).
[2] Denominação privativa dos antigos servidores concursados. Hoje a expressão servidor público é gênero de que são espécies o servidor efetivo, o servidor exercente de cargo em comissão e empregado público.
[3] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Conclusões do XXXI Simpósio Nacional de Direito Tributário. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.16 , fev.2007.Disponível em:http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao 16/Ives_Martins.htm. Acesso em: 24 out. 2017.
[4] Ob. cit., p. 214.
por Kiyoshi Harada
Fonte: Genjuridico.com.br/
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