INTRODUÇÃO
As Normas Internacionais da Contabilidade preconizam, mais uma vez um tratamento diferente do que previa as Leis do nosso País. A Contabilidade e suas técnicas de preparação dos relatórios financeiros e das análises desses mesmos relatórios ou demonstrativos normalmente são perfeitas para estudar o patrimônio de qualquer entidade e evidenciar as mutações desse mesmo patrimônio.
Isso para não falar da beleza e precisão da técnica milenar e oriental das partidas dobradas para evidenciação dos fatos ocorridos nas entidades de quaisquer tipos de constituição ou porte, que será tema de um futuro texto.
O presente trabalho tem por objetivo apontar mais um conflito entre as Normas IFRS e as nossas Leis e demonstrar que as técnicas contábeis possuem condições de resolver os impasses sem a necessidade de duplicação de relatórios financeiros ou de lançamentos.
DESENVOLVIMENTO
As cooperativas são entidades que devem ser constituídas por profissionais de uma mesma natureza, sem a existência de uma hierarquia de chefia, o que deve ser confirmado por uma igualdade entre os rendimentos de todos, que pode, entretanto, variar de acordo com a produção, somente.
Estas seriam as principais diferenças entre as cooperativas e as demais pessoas jurídicas, que normalmente são constituídas por seus sócios e possuem empregados para desempenhar as funções necessárias.
Antes do advento das Normas IFRS (International Financial Reporting Standards) na contabilidade Brasileira, a contabilização das cotas dos cooperados era feita por meio do seu lançamento no Patrimônio Líquido – PL, por terem características similares ao capital social das outras entidades, como empresas de sociedade limitada ou sociedades anônimas.
Atualmente, as Normas IFRS preconizam que aquelas cotas devem ser registradas no passivo, pois podem ser resgatadas a qualquer tempo, quando do desligamento do cooperado em relação à cooperativa.
Cumpre relembrar que os lançamentos contábeis nos grupos do passivo ou do PL são considerados como origem de recursos e nos ativos estão os lançamentos contábeis que devem ser classificados como a aplicação de recursos.
Normalmente em uma cooperativa existem situações em que a cota pode ser prontamente retirada pelos cooperados e outras em que a cooperativa pode impor algumas regras limitadoras. Dessa forma, as cotas que estão prontas para serem resgatadas devem estar no passivo e as que não estão nesse estágio devem estar no PL por força dos normativos internacionais.
Certamente a dificuldade de aplicação nas cooperativas será muito grande, uma vez que deverá haver a transferência das cotas entre os grupos do PL para o passivo caso estejam para serem resgatadas, independentemente do motivo ou se estejam sendo mantidas sob o controle da cooperativa.
O controle, que inclusive é um dos novos caracterizadores da nova contabilidade com normas internacionalizadas em relação aos ativos, o que suscita a necessidade também das cotas serem lançadas nesse grupo para equilíbrio do Balanço Patrimonial – BP.
Já fiz uma descrição parcial dos novos princípios trazidos pelas Normas IFRS, que podem ajudar a compreender algumas das descrições que faço aqui. Os trabalhos podem ser conferidos nos links:
Parte 01: http://www.portaldecontabilidade.com.br/tematicas/entidades-sem-fins-lucrativos-e-as-normas-internacionais-de-contabilidade-introducao.htm
Parte 02: http://www.portaldecontabilidade.com.br/tematicas/entidades-sem-fins-lucrativos-e-as-normas-internacionais-de-contabilidade.htm
Existem novas caracterizações referentes ao passivo de acordo com a nova legislação, nas quais eles deixam de ser somente um elemento negativo e passam também a ter sua observação sob o prisma de serem investimentos que também trarão benefício econômico futuro para a entidade, o que é bastante próximo até do novo conceito de ativo, trazido pelas Normas IFRS.
Logicamente, pode-se realizar as análises dos relatórios financeiros ou demonstrativos de cooperativas para demonstrar as diferenças encontradas pela forma antiga ou moderna, o que até pode produzir um resultado visualmente interessante, entretanto é muito previsível que tais diferenças irão ocorrer.
Devemos nos lembrar sempre que análises dos relatórios financeiros não precisam estar presas necessariamente a um grupo específico de contas e podem e devem ser aplicadas livremente sobre as contas que se deseje para que seus resultados sejam demonstrados, estejam essas contas em quaisquer grupos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por mais de uma vez encontro autores sugerindo duas contabilizações por causa dos choques ou conflitos entre as Normas IFRS e as Leis Brasileiras. A técnica contábil é perfeita e dará conta de quaisquer fatos ocorridos em quaisquer entidades, bastando para isso que se decida uma forma correta para cada tipo de sociedade.
Certamente a ideia de duas contabilizações deve ser deixada de lado por razões óbvias. A contabilidade com certeza se basta, ela tudo pode, com relação ao que se propõe e em relação à uma entidade qualquer: estudar o patrimônio, evidenciar as mutações desse patrimônio e ser um perfeito sistema de informações contábeis, econômicas, financeiras e patrimoniais sobre a entidade na qual estiver sendo aplicada.
Espero que o leitor perceba as redundâncias intencionais do parágrafo anterior de que a contabilidade é um sistema de informações contábeis e do estudo do patrimônio e evidenciação das suas mutações. Também é redundante falar na demonstração da situação econômica financeira e patrimonial, pois esse é exatamente o atributo do nosso Balanço Patrimonial.
Claro que também não necessitamos aqui abordar as funções de todos os outros demonstrativos, como o resultado, que é próprio da DRE ou as variações de caixa, com a DFC, dentre outras tantas observações técnicas possíveis, dados os objetivos deste pequeno ensaio.
Com relação aos demonstrativos variados, cumpre lembrar também que isso normalmente é praticado somente na Contabilidade Aplicada ao Setor Público, que são quatro sistemas a saber: Sistema Orçamentário, Sistema Financeiro, Sistema Patrimonial e Sistema de Compensações.
Ocorre que a Contabilidade Pública é essencialmente orçamentária e necessita controlar o patrimônio público sendo manuseada por usuários diversos, fatos que não são comuns em uma entidade privada seja ela cooperativa ou não.
Com relação ao problema específico deste texto, imagino que deverá prevalecer a contabilização no PL por serem capitais de “sócios” (os cooperados), e quando eles se retirarem da cooperativa o capital deverá ser baixado, juntamente com a conta do ativo circulante que for utilizada para a realização do pagamento, seja ela caixa ou bancos.
Não faz muito sentido a transferência, ainda que temporária, ou por intermédio de uma conta de transição no passivo, como é feito com os dividendos de acionistas das empresas de capital aberto dados os novos conceitos trazidos pelos próprios normativos internacionais, de que o passivo passa a ser um grupo que, além da sua função primordial de evidenciação das exigibilidades, seja também um grupo para os registros de valores que sairão da companhia, porém com a finalidade de financiar ativos.
Com referência a este fato específico, talvez seja necessário complementar que o fato dos grupos dos passivos e do PL estarem do mesmo lado não provocariam desequilíbrio no BP e são dois grupos com lançamentos contábeis de natureza credora.
Provavelmente a redação das Normas Internacionais da Contabilidade assim estão prescrevendo o tratamento citado com base em uma inspiração no que ocorre nas entidades de capital aberto, as sociedades anônimas, conforme dito nas linhas precedentes.
Este não é o primeiro ponto e não será o último em que constatamos problemas da convergência da contabilidade brasileira aos normativos IFRS, pois existem conflitos entre disposições das leis do nosso país com alguns daqueles normativos.
REFERÊNCIAS
AMORIM, Ana Luísa G. Cavallari de. BIALOSKORSKI NETO, Sigismundo. Impacto dos Padrões Internacionais de Contabilidade nas Cooperativas Brasileiras. Programa de Estudos em Cooperativismo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.fearp.usp.br/cooperativismo/_up_imagens/(ok)_ii_ebcp_amorim.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2016.
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ATHAYDE JUNIOR, Luiz Sampaio. As Entidades Sem Fins Lucrativos e as Normas Internacionais da Contabilidade – Breve Ensaio Parte 02. Disponível em: <http://www.portaldecontabilidade.com.br/tematicas/entidades-sem-fins-lucrativos-e-as-normas-internacionais-de-contabilidade.htm> Acesso em 25/10/2016. Curitiba: Portal de Contabilidade, 2013.
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Análise de Balanços. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MARTINS, Eliseu et al. Manual de Contabilidade Societária: Aplicável a todas as sociedades de acordo com as Normas Internacionais e do CPC. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
ZDANOWICZ, José Eduardo. Gestão Financeira para Cooperativas: enfoques contábil e gerencial. São Paulo: Atlas, 2014.
Sobre o Autor
Luiz Sampaio Athayde Junior é Professor da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Bahia (FCC/UFBA) e da Universidade Jorge Amado (UNIJORGE), ex Professor da Faculdade Visconde de Cairu (FVC) da Pós Graduação e possui experiência como Analista Tributário. Possui Mestrado em Administração e Extensão em Metodologia do Ensino Superior pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EA/UFBA), Pós Graduação MBA em Gestão Financeira e Empresarial pelo Centro de Pós Graduação e Pesquisa da Faculdade Visconde de Cairu (CEPPEV/FVC). É Contador Graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Estácio da Bahia (Estácio/FIB) e possui certificação IAFC First Degree em Normas Internacionais da Contabilidade – IFRS. E-mail: sampaioathayde@yahoo.com.br
Fonte: Ciências Contábeis
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