A Constituição Federal trouxe previsão de que caberia à Lei Complementar excluir da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza as exportações de serviços (artigo 156, parágrafo 3º, II da Constituição Federal[1]), sendo tal norma considerada como de eficácia contida, conforme entendimento das Cortes Superiores.
A Lei Complementar 116/2003 trouxe ao ordenamento jurídico pátrio inovação acerca da isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza na exportação de serviços, trazendo norma desonerativa geral aplicável a todos os serviços previstos na lista anexa à Lei Complementar 116/2003 (artigo 2º, I da Lei Complementar 116/2003[2]).
Interpretando o disposto no artigo 2°, parágrafo único da Lei Complementar 116/2003, alguns doutrinadores consideraram que a isenção apenas seria aplicável caso o serviço fosse prestado no exterior para estrangeiro encarregado pelo pagamento, entendimento este que anularia por completo a utilização da referida isenção do ISSQN na exportação de serviços, além de violar a interpretação literal da norma que institui a isenção (afrontando o disposto no artigo 111, II da Lei 5.172/1966).
Posteriormente, a doutrina divergiu quanto ao local em que será verificado o resultado do serviço prestado para fins de aplicação da isenção do ISSQN na exportação de serviços. Parte da doutrina passou a considerar que o local em que deva ser verificado o resultado da prestação dos serviços (para fins de aplicação da isenção) seja o local em que haja a finalização do objeto do serviço, sendo que o restante da doutrina considera que fosse o local no qual se materializará a utilidade da atividade prestada e seja constatado o real benefício econômico.
Como já tive oportunidade de discorrer sobre o assunto no passado[4], conclui, naquela oportunidade, que “o entendimento de que o resultado da prestação de serviço (para fins de aplicação da isenção) seja o local no qual se materializará a utilidade da atividade prestada e seja constatado o real benefício econômico reflete o melhor posicionamento, por estar em sintonia com a intenção do legislador pátrio e por conceder efetividade à norma desonerativa prevista na Lei Complementar”.
A jurisprudência das Cortes Superiores era escassa, destacando um julgado do Superior Tribunal de Justiça que, ao apreciar o Recurso Especial 831.124[5], decidiu que os serviços de retífica, reparo e revisão de motores e turbinas de aeronaves prestados no país e contratados por empresas aéreas no exterior devem ser objeto de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, decisão esta alvo de críticas pela doutrina, por considerar o resultado da prestação dos serviços para aplicação da isenção como o local em que houve a conclusão dos trabalhos.
Em recente julgado apreciando o Agravo em Recurso Especial 587.403/RS[6], a mesma 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça se debruçou sobre a ação pleiteando a restituição do ISSQN incidente sobre serviços de engenharia e consultoria empresarial face à isenção do tributo na exportação de serviços aplicável ao caso. Os serviços de elaboração de projetos e anteprojetos de engenharia foram prestados no Brasil, mas apenas poderiam ser executados pela empresa tomadora dos serviços situada na França.
Alterando o entendimento anterior, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que “embora o projeto tenha sido finalizado em território nacional, não se tem dúvidas de que o contratante estrangeiro está interessado, especificamente, na importação do serviço a ser prestado pela pessoa brasileira para, posteriormente, executá-lo”, completando que “à luz do parágrafo único do artigo 2º, I, da LC 116/2003, a remessa de projetos de engenharia ao exterior poderá configurar exportação quando, do seu teor, bem como dos termos do ato negocial, puder-se extrair a intenção de sua execução no território estrangeiro”.
Assim, de forma louvável, o STJ concluiu que, independente do local da prestação dos serviços, há que se verificar o local do proveito econômico (benefício) do serviço, para fins de constatação da exportação do serviço e aplicação da isenção prevista no artigo 2º, I da Lei Complementar 116/2003.
Destaque-se, por fim, que o substitutivo da Câmara dos Deputados 15/ 2015 ao projeto de Lei do Senado 386/2012 foi aprovado em dezembro/2016 e encaminhado para sanção presidencial, realizando uma reforma do ISSQN.
Infelizmente, uma das mudanças que acabou não sendo aprovada se referia a previsão expressa de que não incidirá ISSQN “nas exportações de serviços para o exterior do País, quando os resultados do serviço se verificam em território estrangeiro e houver ingresso de divisas no País”, complementado pelo fato de que “o local onde os resultados do serviço são verificados independe do local onde o serviço é realizado.”
Apesar da referida mudança legislativa não ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça já aponta para a correta interpretação a ser dada à norma de isenção do ISSQN na exportação de serviços prevista no artigo 2º, I da Lei Complementar 116/2003, com a observância necessária quanto ao local em que é constatado o resultado dos serviços prestados (benefício econômico), independente do local da prestação.
[1] “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (...)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (...)
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”.
[2] “Art. 2o O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;”
[3]“Art. 2o O imposto não incide sobre:
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
[4] Isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza na Exportação de Serviços – Monografia de Conclusão de Curso – MBA em Direito Tributário – FGV – Outubro/2009.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 831124/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 25/09/2006 p. 239.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 587.403/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 24/11/2016.
por Frederico Pereira Rodrigues da Cunha É Gerente do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados – Sociedade de Advogados em Curitiba, com MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR, vice-presidente do Comitê de Legislação Fiscal do IBEF/PR.
Fonte: Conjur
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