Como assinalado no nosso livro[1] parcela da doutrina posiciona-se contra a tributação da posse e do domínio útil pelo IPTU, porque o texto constitucional refere-se a imposto sobre “propriedade predial e territorial urbana”.
Para certos setores da doutrina a palavra “propriedade” utilizada pelo texto constitucional é no sentido jurídico, isto é, no sentido encampado pelo direito civil. Isso reduz o âmbito de definição do fato gerador do IPTU em seu elemento nuclear à propriedade, tal qual definida no Código Civil, não podendo o legislador infraconstitucional (legislador complementar ou ordinário) incluir a posse ou o domínio útil nessa definição, sob pena de inconstitucionalidade. Teria plena aplicação o disposto no art. 110 do CTN:
É o posicionamento, dentre outros, de Jayr Viégas Gavaldão Jr que, com apoio em renomados juristas, sustenta que a hipótese de incidência do IPTU “está confinada ao conceito jurídico de propriedade, cuja definição exclui outras relações jurídicas que, em que pese assemelhadas, não reservam aos sujeitos ativos nela contemplados todos os direitos imanentes ao domínio pleno.” [2] Por isso, esse autor exclui a posse e o domínio útil da composição da norma de incidência tributária sendo inconstitucional o art. 32 do CTN que promove essa inclusão.
Dessa forma o compromissário comprador com preço quitado, enquanto não adquirir a propriedade nos termos da lei civil, não poderá ser contribuinte do IPTU, contrariando regra expressa na parte final do § 3º, do art. 150 da CF:
“§ 3º – As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”
O objetivo da parte final desse § 3º foi o de possibilitar a tributação do compromissário comprador de um imóvel de propriedade de entidade imune. Daí a Súmula 583 do STF: “Promitente-comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia é contribuinte do Imposto Predial e Territorial Urbano.”
E, também, o comprador por escritura pública de compra e venda com preço quitado, enquanto não registrada a escritura no Registro Imobiliário competente, não poderá ser eleito como sujeito passivo do IPTU, tendo em vista o que prescreve o 1.245 do CC: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.”
Se o adquirente do imóvel urbano não levar a registro seu título aquisitivo por décadas, mesmo após o falecimento do anterior titular, o IPTU deixará de existir, pois não pode existir imposto sem sujeito passivo. Por outro lado, não seria razoável tributar, no caso, os herdeiros do antigo proprietário a pretexto de que o adquirente do imóvel não levou a registro o seu título de transferência. Sabemos que, na prática, deparamos com imóveis urbanos sem titular do domínio.
Por tais razões, entendo que o legislador constituinte empregou a palavra “propriedade” em sua acepção comum abarcando prédios, fazendas, terras, lotes etc. com abstração de seu aspecto estritamente jurídico.
Aliás, em outras passagens a Constituição Federal refere-se à propriedade em seu sentido comum. Como assinala acertadamente Aires Fernandino Barreto a Carta Política ao garantir o direito de propriedade (art. 5°, XXII); ao prescrever a função social da propriedade (art. 5° XXIII); ao permitir o uso temporário da propriedade privada pelo agente público no caso de iminente perigo público (art. 5°, XXV); ao vedar a penhora sobre pequena propriedade rural (art. 5° XXVI); ao vedar para fins de reforma agrária a desapropriação de pequena e média propriedade rural e a propriedade produtiva (art. 185, I e II) certamente não deixou de dar proteção à enfiteuse, ao usufruto e à posse. E quando diz que a propriedade deve cumprir a função social (arts. 182 e 186) não deixou infensas a esse dever a enfiteuse e a posse.[3]
Quando a Constituição garante o direito à propriedade (art. 5° XXII) e ressalva a desapropriação[4] por interesse público, mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5° XXIV) não se está excluindo a indenização da posse ou do domínio útil.
E mais, o fato gerador do IPTU conforme assinalamos em outra passagem da obra aqui mencionada é a disponibilidade econômica da propriedade imobiliária. Nesse sentido o compromissário comprador é o contribuinte do IPTU, porque ele detém essa disponibilidade econômica, ao passo que o promitente vendedor com a transmissão da posse deixou de ter aquela disponibilidade econômica.
Por tudo isso, repelimos a tese de que existe um conceito constitucional do que seja “propriedade” em seu sentido estritamente jurídico, para fins de tributação.
[1] IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 94-97.
[2] IPTU Aspectos Jurídicos relevantes. Obra coletiva, Coord. Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 305.
[3] Curso de direito tributário. São Paulo: Cejup, 1997, p. 300.
[4] Instituto de direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado por interesse público mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro ou em títulos da dívida pública, conforme o caso.
por Kiyoshi Harada é Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Autor de 31 obras jurídicas publicadas por diferentes editoras. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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