Cerca de 250 processos que tramitam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) poderão ser solucionados na terça-feira com o julgamento de apenas três casos. O órgão administrativo vai usar pela primeira vez o mecanismo de paradigmas. Pelo modelo, a decisão de um caso deverá ser aplicada a outros iguais, previamente selecionados. O valor em discussão, somando os processos, é de R$ 17,1 milhões.
A partir da mudança no regimento interno do Carf, em 2015, o órgão passou a ter a possibilidade de julgar casos idênticos por meio de um único paradigma, de forma similar aos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os resultados dos processos, porém, não serão vinculantes, pois seria necessário aprovação de súmula.
O tema escolhido para a estreia envolve a denúncia espontânea por empresas de transporte aéreo e marítimo. O conselho escolheu a matéria por tratar apenas de questão de direito e não de fato. A denúncia espontânea permite que o contribuinte, ao assumir uma infração antes de uma fiscalização, livre-se do pagamento de multa. Para ser válida, deve ser acompanhada do recolhimento do tributo e juros de mora, conforme Código Tributário Nacional (CTN).
O Carf analisará a aplicação da multa por atraso na prestação de informações sobre veículo ou carga transportada. Os casos escolhidos envolvem o Grupo Libra, a American Airlines e a United Airlines. Os mais de 200 processos que serão julgados, de acordo com estes, envolvem diversas empresas do setor aéreo e marítimo.
No caso da American Airlines, a companhia deixou de registrar dados de embarque de declarações de exportação no Siscomex em agosto de 2007. Os dados foram fornecidos com atraso entre um e oito dias. Para a Receita, o registro no Siscomex em prazo superior a sete dias, contados da data do efetivo embarque, para a via de transporte aérea, caracterizou infração ao Decreto-Lei nº 37, de 1966. Em turma ordinária, os conselheiros aceitaram a denúncia espontânea no caso, afastando a multa.
No processo da United Airlines também foi reconhecida a denúncia espontânea em julgamento de turma ordinária. A autuação é de fevereiro de 2006.
No caso da Companhia Libra de Navegação, a turma ordinária decidiu que a multa por atraso na prestação de informação no Siscomex não está sujeita à denúncia espontânea, pois o fato infringente consiste na própria denúncia da infração.
O assunto é controverso para o setor aéreo e marítimo e específico, segundo Ana Paula Lui, do Mattos Filho Advogados. "É um tema que não interessa a todos os contribuintes". Ainda assim, destaca ser importante ver como o órgão julgará por meio de paradigmas.
"Ainda não há um norte sobre o mecanismo", avalia Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon, Misabel e Derzi Advogados. Segundo ele, a demanda repetitiva pode prejudicar os contribuintes porque o conselho pode fixar um precedente contrário e usá-lo indiscriminadamente.
Para sanar eventuais questionamentos individuais, é possível recorrer da decisão por embargos de declaração. De acordo com Conde, porém, poucos embargos são aceitos pelo órgão.
Segundo Conde, se o conselho escolher matérias simples, o uso do paradigma poderá ser interessante. "Para julgar matéria exclusivamente de direito, não tem melhor situação que repetitivo, mas nos casos mais complexos, como ágio, em que tudo é fático, fica mais complicado", afirma.
O procurador-chefe da Coordenadoria do Contencioso Administrativa Tributária da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Moisés de Sousa Carvalho Pereira, afirmou que as matérias em discussão no Carf são complexas e não é possível julgar temas complexos de forma rápida. Ao mesmo tempo, como o estoque de processos é grande, é necessário usar mecanismos que permitam que o julgamento de uma tese seja aplicado aos casos idênticos.
Procurados, a American Airlines e o Grupo Libra informaram que não comentam processos. A United Airlines não respondeu até o fechamento desta edição.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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