Com o objetivo de aumentar os níveis de arrecadação fiscal e defender os interesses da indústria nacional, tem sido recorrentes os questionamentos das autoridades fiscais sobre a necessidade de adição de royalties e direitos de licença remetidos ao exterior no valor aduaneiro das mercadorias importadas, base de cálculo dos tributos incidentes na importação.
No entanto, em que pese a possibilidade teórica desta adição em casos específicos e desde que verificadas determinadas condições, as autoridades fiscais comumente têm realizado interpretação extensiva das normas nacionais e internacionais de valoração aduaneira para incluir estes valores na base de cálculo dos tributos devidos na importação em hipóteses nas quais tal inclusão é absolutamente indevida.
Igualmente, e ainda de acordo com a parcial posição adotada pelas autoridades fiscais, os royalties e direito de licença deveriam ser incluídos no valor aduaneiro das mercadorias importadas mesmo que, entre outras hipóteses semelhantes, sejam pagos com base em valores fixos, calculados com base na receita líquida no mercado interno ou pagos à empresas estrangeiras distintas das efetivas exportadoras no exterior, hipóteses que – em tudo e por tudo – deveriam ser suficientes para afastar a vinculação entre o pagamento dos royalties e as operações de importação propriamente ditas.
São diversas as atuações lavradas com base nesses fundamentos, nas mais variadas situações fáticas e jurídicas, sem a observância dos contratos firmados pelas partes envolvidas, das particularidades que afastam a vinculação entre royalties e a operação de importação e da extensão dos direitos efetivamente remunerados por esses valores.
A sanha arrecadatória das autoridades fiscais, no entanto, tem sido reiteradamente afastada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), confirmando que o entendimento de que royalties e direitos de licença só podem ser adicionados ao valor aduaneiro quando verificadas determinadas condições, aferíveis pela análise casuística das operações específicas questionadas.
A discussão tem origem na interpretação dada ao artigo 8 (c) do Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), segundo o qual royalties e direitos de licença podem ser adicionados ao valor aduaneiro de mercadorias importadas quando, cumulativamente, (i) estiverem relacionadas às importações e (ii) forem uma condição para as importações.
O objetivo da norma internacional é evitar que o preço pago ou a pagar por determinada mercadoria (base de cálculo dos tributos sujeitos à valoração aduaneira) possa ser camuflado sob a roupagem de royalties e direitos de licença remetidos ao exterior, reduzindo-se substancialmente a tributação sobre as importações de mercadorias.
No entanto, apenas os valores intrinsicamente relacionados e indissociáveis da operação de importação (e, consequentemente, apenas os royalties e direitos de licença que assim possam ser identificados) é que deverão ser adicionados ao valor aduaneiro para fins de incidência de tributos sobre a importação, não sendo admitida a inclusão de valores estranhos a essa realidade.
Além disso, para que tais valores possam ser adicionados ao valor aduaneiro, é necessário que o vendedor estrangeiro condicione/vincule a própria exportação das mercadorias ao compromisso de pagamento de royalties e/ou direitos de licença pelo importador brasileiro. É, pois, indispensável que a operação de importação das mercadorias dependa do pagamento dos royalties e direitos de licença, sem o qual aquela não se verificará.
Não verificadas tais condições – ausentes em muitas das recentes autuações das autoridades fiscais – os royalties e direitos de licença não podem ser incluídos no valor aduaneiro e, consequentemente, na base de cálculo dos tributos devidos na importação. São iterativas as manifestações do CARF nesse sentido.
A presença/ausência destes requisitos é aferível, como afirmado anteriormente, em face dos termos e condições dos contratos específicos que embasam as importações.
Assim, o CARF teve a oportunidade de afastar a caracterização dos requisitos acima quando, por exemplo, (i) a quantificação dos royalties seja realizada com base na venda dos produtos no mercado interno, uma vez que é irrelevante para esse pagamento o fato de os produtos serem importados ou não (Acórdão 3102-00.239); ou (ii) existem duas pessoas jurídicas estrangeiras distintas na operação, a detentora das marcas/patentes e beneficiária dos royalties e a efetiva exportadora das mercadorias no exterior, já que evidente a total desvinculação dos royalties com as mercadorias importadas (Acórdãos 3402-002.444, 3102-001.601 e 3402-002.417)
Ainda a esse respeito, é importante notar que, em recente julgamento (16/3/2016), a 2ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara, da 3ª Seção, do CARF (Processo Administrativo 16561.720024/2011-24) teve a oportunidade de reafirmar a jurisprudência daquele tribunal administrativo e afastar a interpretação extensiva que vem sendo intentada pelas autoridades fiscais.
Naquela ocasião, após análise detalhada dos contratos que embasavam as operações questionadas, o CARF concluiu – na linha dos demais julgamentos acima apontados – que os royalties não poderiam ser adicionados ao valor aduaneiro, uma vez que remuneravam muito mais do que apenas a importação dos produtos (inexistência de vinculação), as importações não estavam condicionadas ao pagamento dos royalties e taxas, as importações poderiam ser feitas de terceiros autorizados e os royalties e taxas eram calculados e pagos com base nas vendas em território nacional não diretamente vinculadas às importações. Outros fundamentos e especificidades dos contratos também foram analisados no julgamento.
A nosso ver, trata-se de mais uma vitória consistente dos contribuintes, que traz consigo maior segurança às operações de importação em um ambiente econômico marcado por grandes incertezas. Além disso, reafirma-se o entendimento do Carf que vinha sendo firmado desde antes das mudanças ocorridas em 2015 no conselho, segundo o qual a regra do artigo 8º (c) do AVA deve ser interpretada de forma estrita e com base nos contratos específicos, não sendo admitida a inclusão de valores estranhos à importação no valor aduaneiro das mercadorias importadas para fins de tributação.
Por Sérgio Farina Filho - Sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogados
Por Diego Caldas R. de Simone
Por Fabio Tarandach
Advogados da área tributária de Pinheiro Neto Advogados
Fonte: Jota
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