1. PRINCÍPIOS PARA A REFORMA DA QUALIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: SIMPLICIDADE, TRANSPARÊNCIA, NEUTRALIDADE E EQUIDADE
O momento de crise institucional é oportuno para propor nova perspectiva de futuro para a reforma da qualidade do sistema tributário brasileiro. Simplicidade, transparência, neutralidade e equidade são as diretrizes estratégicas que devem orientar a formação de consenso entre cidadãos, empresas e o Estado na conformação do sistema tributário.
Simplicidade indica facilidade e segurança jurídica para o contribuinte pagar seus tributos e cumprir suas obrigações acessórias, reduzindo as divergências na interpretação da legislação, que são a causa principal do contencioso tributário.
Neutralidade para que a tributação sobre o consumo não crie distorções no ambiente de negócios, permitindo a eficiente alocação do investimento e prevenindo a entropia do planejamento tributário.
Enfim, a Equidade do sistema tributário indica que a tributação deve garantir o tratamento equivalente de pessoas e negócios em situações semelhantes. Afinal, simplicidade, transparência, neutralidade e equidade são instrumentos para realizarmos nosso processo civilizatório, rumo à igualdade que dignifica e justifica a própria noção de direito.
2. CARACTERÍSTICAS DA CGC COMO PARADIGMA DE QUALIDADE PARA ORIENTAR A REFORMA DA TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO
Os vários tributos que no Brasil oneram o consumo de bens e serviços (ICMS, IPI, PIS/COFINS, ISS) são complexos, descoordenados, cumulativos, repletos de obrigações acessórias e focos geradores de enorme contencioso. Tal situação degrada o ambiente de negócios, implica perda da competitividade nacional e dificulta o controle político da carga tributária, pois a falta de transparência acaba por iludir a percepção do cidadão sobre os tributos embutidos nos preços dos bens e serviços.
O rumo da tributação sobre o consumo no Brasil, nos últimos 50 anos, induziu guerra fiscal, sedimentou privilégios legais que comprometem a neutralidade e a livre concorrência e fomentou bilionário contencioso tributário que destruiu a segurança jurídica. O modelo atual de tributação sobre o consumo enfraqueceu a federação e reduziu a arrecadação.
A proposta desse texto é a criação de uma contribuição geral sobre o consumo (CGC) paradigma de qualidade que, paulatinamente construindo segurança jurídica, poderá substituir o PIS/COFINS, uniformizando a tributação federal sobre o consumo e criando novo cenário de futuro para o empreendedorismo no Brasil, sem prejuízo da arrecadação.
A falta de confiança entre fisco e contribuinte é um dos maiores gargalos para a mudança do sistema tributário. Há a necessidade, portanto, de construir confiança através da aplicação de novo paradigma prático de tributação que ofereça fluxo consistente de informações que irá retroalimentar o debate democrático para a transição da qualidade da tributação sobre o consumo.
O CCiF propõe que a Contribuição Geral sobre o Consumo (CGC), tenha por referência as boas práticas internacionais: alíquota única, não-cumulatividade plena e aplicação uniforme, conforme descrito a seguir.
1ª O principal objetivo da CGC deve ser ARRECADAR. A principal função de um moderno tributo sobre o consumo é arrecadar. Este tipo de imposto não deve ser utilizado com outras finalidades. Vivemos, nos últimos 50 anos, a destruição da base tributável sobre o consumo através da corrupção normativa do IPI, do PIS/COFINS, do ICMS e do ISS mediante o uso de incentivos, desonerações, guerra fiscal e politização da disputa pela base tributável. Não se deve fazer política industrial ou redistribuição de renda com tributação sobre o consumo. Qualquer distinção jurídica implica proporcional corrupção sistêmica da qualidade legal do tributo. A regra geral da CGC é arrecadar, sem atrapalhar as empresas ou o consumidor.
2ª A CGC deve ser NÃO-CUMULATIVA. O modelo proposto para a CGC é o de um tributo sobre o valor agregado (IVA), no qual a contribuição devida pelas empresas corresponde à diferença entre os débitos incidentes sobre suas vendas e os créditos relativos à contribuição incidente em suas compras. Num tributo com estas características, as empresas são meros sujeitos intermediários do tributo, que incide efetivamente sobre os consumidores.
3ª A NÃO-CUMULATIVIDADE deve ser PLENA. Na CGC, o crédito deve ser financeiro e irrestrito. Toda a CGC paga pelo contribuinte de direito (empresa) constitui seu crédito, aplicável contra a CGC que se deve pagar sobre os bens e serviços vendidos. Extingue-se a anomalia do “crédito físico”. Deve-se garantir devolução imediata dos créditos acumulados, qualquer que seja a sua origem. Modernas tecnologias fiscais como o SPED e a NF-e devem ser utilizadas para simplificar a vida do contribuinte responsável pela retenção e a translação da CGC.
4ª A CGC deve incidir sobre uma BASE AMPLA. A base de incidência da CGC deve alcançar toda universalidade de bens e serviços e todas as formas de organização da atividade econômica, seja esta realizada por pessoas jurídicas, seja por pessoas físicas.
5ª A alíquota da CGC deve ser UNIFORME. Alíquota uniforme significa alíquota única para todos os bens e serviços, pois a tributação não deve depender da classificação de bens e serviços. A alíquota única garante o empoderamento do cidadão no debate político sobre carga tributária. Quando houver necessidade de aumentar a receita tributária, aumenta-se a alíquota, sem afetar os preços relativos dos bens e dos serviços. Os preços nominais podem subir ou descer uniformemente, como a maré do oceano levanta ou abaixa igualmente todos os navios.
6ª A CGC deve desonerar completamente as exportações. As exportações de bens e serviços devem ser completamente desoneradas, garantindo-se a manutenção integral do crédito (tributação no destino).
7ª A CGC não deve onerar o investimento. O investimento deve gerar crédito integral e, caso não haja débitos suficientes, o crédito acumulado deve ser imediatamente ressarcido.
8ª A base de cálculo da CGC deve ser a receita líquida de impostos. A CGC não admite a chamada tributação “por dentro”, prática de fazer o imposto integrar a própria base, nem tampouco a inclusão em sua base de cálculo de outros tributos sobre o consumo. Tais práticas, que caracterizam o atual sistema tributário brasileiro, são frontalmente contrárias aos princípios da simplicidade e transparência.
Em síntese, um tributo com estas características atende às diretrizes que devem orientar a conformação de um bom sistema tributário:
- É um tributo NEUTRO, pois não afeta os preços relativos nem faz distinções entre setores ou forma de organização da produção, incentivando a livre e eficiente alocação do investimento. A tributação do valor adicionado é neutra para as empresas, que são meras intermediárias entre o Estado arrecadador e os consumidores.
- É um tributo SIMPLES, pois a tributação do valor agregado é a forma mais simples de tributação que não compromete a neutralidade. Esta simplicidade oferece segurança jurídica para o contribuinte de direito cumprir suas obrigações, reduzindo significativamente o risco de vir a ser autuado por divergências de interpretação com o fisco.
- É um tributo TRANSPARENTE, pois a alíquota paga pelo consumidor corresponde exatamente a todo tributo recolhido ao longo da cadeia de produção e comercialização. Isso permite que os contribuintes de fato (os consumidores) sejam empoderados política, econômica e juridicamente pelo ônus tributário.
3. ESTRATÉGIA DE USO DA CGC PARA A TRANSIÇÃO DO PIS/COFINS
O CCiF entende que a reforma da qualidade da tributação do consumo no Brasil deve iniciar-se pelo PIS/COFINS, cuja legislação atual é extremamente complexa e disfuncional. Adicionalmente, a transformação do PIS/COFINS em um tributo de qualidade sobre o consumo pode servir de referência para uma futura reforma do ICMS e do ISS.
O objetivo final da proposta é a transformação do PIS/COFINS em uma CGC. O CCiF entende que a melhor forma de atingir este objetivo é a criação de um novo tributo, que substituiria gradualmente o PIS/COFINS. Esta estratégia justifica-se pela grande contaminação do PIS/COFINS por isenções, incentivos e regimes especiais. Justifica-se também pela possibilidade de fazer a transição em um prazo relativamente longo, permitindo que as empresas se ajustem e que as políticas de incentivo sejam redesenhadas através do uso de instrumentos mais apropriados.
Propõe-se que a CGC seja criada com uma alíquota inicial de 1%, reduzindo-se compensatoriamente as alíquotas do PIS/COFINS, de forma a manter estável o nível da arrecadação. A vigência inicial da CGC com alíquota de 1% permitiria avaliar adequadamente o funcionamento deste tributo e estimar seu potencial de arrecadação.
A segurança jurídica para os contribuintes e para a União exige período longo de transição que garanta expectativas normativas, contratos pré-fixados e adaptação de sistemas. Neste contexto, propõe-se que a alíquota da CGC seja progressivamente elevada e as alíquotas do PIS/COFINS sejam progressivamente reduzidas, de forma a que a transição seja concluída em cinco anos, garantindo-se a estabilidade da receita ao longo de toda a transição.
Em princípio, a substituição do PIS/COFINS pela CGC se daria em três etapas:
1ª ETAPA/2016 – FORMULAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DA CGC: definição da legislação da CGC visando sua entrada em vigor no início de 2017;
2ª ETAPA/2017 – VIGÊNCIA DA CGC COM ALÍQUOTA DE 1%: o ano de 2017 seria destinado à avaliação do funcionamento e da arrecadação da CGC;
3ª ETAPA/2018-2022 – TRANSIÇÃO DO PIS/COFINS PARA A CGC: substituição progressiva do PIS/COFINS pela CGC, com aumento gradativo da alíquota geral da CGC combinada com a redução das alíquotas do PIS e da COFINS, que seriam extintos ao final da transição.
A introdução desse novo paradigma traria grande avanço à tributação do consumo. Reduz a insegurança jurídica. Elimina a cumulatividade. Acaba com as práticas de cálculos “por dentro” e retenção indevida de créditos acumulados. Incentiva a livre concorrência e melhora o ambiente de negócios, promovendo o exercício da cidadania fiscal rumo à responsabilidade dos governantes negociada, democraticamente, nas urnas.
É jogo tipo ganha-ganha, construindo o futuro do Brasil.
Por Bernardo Appy - Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Bacharel em economia. Foi Secretário Executivo e Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, consultor econômico (LCA Consultores) e diretor da BM&FBOVESPA.
Por Eurico Marcos Diniz de Santi - Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Professor de direito Tributário da Direito SP (Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e coordenador do NEF - Núcleo de Estudos Fiscais da FGV.
Por Isaias Coelho - Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Doutor em economia. Coordenador e professor no programa GVlaw da Escola de Direito de São Paulo, pesquisador sênior do NEF e consultor internacional em tributação. Foi Secretário Adjunto da Secretaria da Receita Federal e chefe das divisões de administração e política tributária do Fundo Monetário Internacional.
Por Nelson Machado - Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Doutor em contabilidade e controladoria. É professor e consultor na Escola de Economia de São Paulo (FGV). Foi Ministro de Estado da Previdência, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda e Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Fonte: Jota
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