Depois de um período de adaptação da iniciativa privada às Normas Internacionais de Contabilidade (em inglês, International Financial Reporting Standards – IFRS), é chegada a hora de estados e municípios brasileiros entrarem em conformidade com o modelo aplicado ao setor público, chamado de International Public Sector Accounting Standards (Ipsas).
O governo federal iniciou, em 2013, o projeto ambicioso de adequar as demonstrações contábeis aos padrões internacionais a partir da implantação do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (Pcasp) em estados e municípios. O objetivo foi instituir um instrumento de orientação comum aos gestores nos três níveis de governo, mediante consolidação, em um só documento – o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (Mcasp) – de conceitos, regras e procedimentos de reconhecimento e apropriação das receitas e despesas orçamentárias sob os enfoques orçamentário e patrimonial. A expectativa da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão responsável pelo estabelecimento do cronograma de atividades, é de que as obrigações sejam cumpridas ainda em 2015. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) representa o marco da convergência do setor público brasileiro às normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público.
A preocupação em adotar padrões internacionais na demonstração de informações contábeis começou em 2000. O objetivo era tornar o ambiente de negócios mundial mais seguro e transparente com o estabelecimento de uma espécie de “linguagem universal nos números”, explica o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) Alberto Gergull.
A conversão das rotinas de empresas privadas brasileiras às normas internacionais (IFRS) teve início em 2007 e foi dada como atingida em 2010. Esse movimento colocou o Brasil na lista de 83 países pesquisados pela Fipecafi que estão em conformidade com as regras compiladas pelo International Accounting Standards Board (Iasb).
“Atualmente, não existe um negócio importante que não tenha demonstrações contábeis sobre a mesa”, destaca o representante da Fipecafi. O fato de o inglês ser a língua universal nesses momentos, a mais usada na hora de discutir transações, estava superado. O desafio, então, era fazer com que os números apresentados pelas companhias também tivessem os mesmos significados para todos os negociantes, em qualquer lugar do planeta.
No Brasil, o setor público viu a importância de aderir às normas internacionais exatamente no momento em que percebeu a necessidade de ingressar no mercado de capitais internacional. “Foi em 2000, quando a Petrobras teve de se adaptar para lançar ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque”, lembra Gergull. Para fechar as demonstrações contábeis dentro do padrão norte-americano, a estatal brasileira levou três anos. “Então, vimos que não era possível sempre demorar tanto. Era preciso um padrão aqui também”, ressalta.
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece, em regime nacional, parâmetros a serem seguidos relativos ao gasto público de cada ente federativo (estados e municípios) brasileiro. As restrições orçamentárias visam a preservar a situação fiscal, garantir a saúde financeira de estados e municípios, a aplicação de recursos nas esferas adequadas e uma boa herança administrativa para os futuros gestores.
Segundo Gergull, os municípios já realizam um tratamento orçamentário, contudo, fica de fora, o tratamento patrimonial. “Como medir a depreciação de um prédio público? E a dívida ativa vem sendo corrigida?”, questionou o professor da Fipecafi à plateia composta por contadores da Fazenda, Controladoria-Geral e de órgãos do legislativo municipal, durante o seminário para implantação das Ipsas, realizado neste mês, no prédio da Secretaria da Fazenda de Porto Alegre.
Ainda que com conteúdo basicamente igual às regras aplicadas a empresas privadas, as novas normas para demonstrações contábeis de entes públicos têm suas particularidades. As três grandes diferenças dizem respeito aos bens de uso público, à geração de receita sem contraprestação e à existência de parcerias público-privadas: todas completamente impossíveis de serem aplicadas à realidade de organizações com fins lucrativos.
TCE se preocupa com o atraso da Capital
O Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS), órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das regras estabelecidas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), diz que a situação de Porto Alegre é a mais preocupante entre os municípios gaúchos. As demais cidades estão em plena utilização dos sistemas adaptados ao Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (Pcasp), embora órgãos e entidades de algumas prefeituras ainda precisem apresentar o plano.
Porto Alegre entrou no foco das atenções desde que a STN iniciou a implantação das novas regras, há cerca de quatro anos. “Na época, a cidade ficou em dúvida se ia utilizar um fornecedor do sistema de fora ou ia fazer reformas no sistema da Procempa”, lembra o auditor público do TCE Airton Rehbein. O resultado é que, neste ano, prazo final para utilização do plano padronizado pelo governo federal, os órgãos porto-alegrenses correm para entrar em conformidade em um prazo curto: daqui a três meses, precisam estar com as normas em pleno andamento.
Todo esse atraso alimenta as dúvidas do TCE quanto à possibilidade de a Capital entregar o plano de contas anual dentro do layout exigido no prazo estabelecido por lei. Para que o município não sofra sanções, o órgão está aceitando que as informações intermediárias, bimestrais, sejam enviadas no modelo antigo. “Porém, no momento, a contabilidade patrimonial de Porto Alegre está defasada”, alerta Rehbein. A tarefa de adequação às novas normas de contabilidade em órgãos públicos levou o TCE a firmar uma parceria inédita com o Conselho Regional de Contabilidade (Crcrs) e a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) para a formação de agente públicos. Além disso, a entidade oferece uma consultoria técnica direcionada aos gestores.
Porto Alegre tem pouco prazo para a adequação
O prazo para adequação às regras é uma das maiores dores de cabeça e coloca muitas cidades do País, inclusive gaúchas, em posição desconfortável entre as demais. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), mesmo com o fim do prazo – previsto para 2016 – cada vez próximo, 354 órgãos ou entidades dos 497 municípios no Estado não apresentaram o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (Pcasp) atualizado.
Porto Alegre é uma das cidades que já entra na corrida depois de dada a largada. A Capital começa a implementar a fase inicial de adaptação à Lei de Responsabilidade Fiscal, a migração do modelo atual para o novo Pcasp, em agosto. Para não sofrer sanções, explica o coordenador-geral do município Gilberto Bujak, será feita uma migração retroativa das informações a partir de janeiro de 2015.
O projeto é realizado pela Controladoria-Geral do Município (CGM) em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). A implantação da nova contabilidade pública em todos os órgãos da Prefeitura de Porto Alegre é prioridade, e também um compromisso assumido pelo município com o TCE, afirma o secretário da Fazenda de Porto Alegre, Jorge Tonetto. “Não deixamos de pensar que devemos melhorar o sistema de gestão integrada, porém, temos que realizar, antes de tudo, o que a lei nos obriga”, argumenta.
“Precisamos fazer acontecer. Não é mais uma alternativa e também não tem mais prazo”, completou Bujak. A implantação do Pcasp é uma exigência do TCE e, de acordo com a STN, já deveria ter entrado em vigor no final do ano passado. “Será realizada uma força tarefa que vai exigir muito esforço por parte dos nossos servidores, porque estaremos recuperando oito anos em oito meses”, diz o coordenador da CGM Gilberto Bujak.
A nova estrutura de contas padronizada é essencial para garantir a qualidade da consolidação das contas públicas, inclusive a elaboração dos demonstrativos contábeis e fiscais e deverá estar concluída ainda em 2015. “Passaremos por um nível de automação muito grande, que possibilitará ganho na qualidade da informação e otimização do tempo”, afirma Tonetto.
por Roberta Mello
Fonte: JCRS
Via Jornal Contábil
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