O controlo e teste da qualidade dos
produtos sempre foram reconhecidos. Mas a sua conceção, como abordagem
sistemática estruturada é relativamente recente e é conhecida por qualimetria.
A auditoria tem sido descrita como uma
ciência sinótica: o seu objeto abstrato-formal absorve conhecimentos de
outros ramos do saber, e não pode ser enquadrada, de uma forma específica, em
nenhum dos campos com os quais se relaciona. Mautz e Sharaf (1961) assumem esta
asserção que, por isso, merece um aprofundamento teórico. Com efeito, muitas
ciências têm as características atrás descritas: a geologia é uma combinação
de física, química e paleontologia e, por sua vez, a astronomia é uma
combinação da mecânica, termodinâmica, ótica e química, etc.
Os recentes desenvolvimentos da ciência
apontam para o facto de o conhecimento científico estruturado emergir das
fronteiras das ciências individuais, fertilizado por todas as fontes de
conhecimento científico centrados na investigação de problemas e fenómenos.
Os recentes desenvolvimentos da biotecnologia e bioengenharia e engenharia
genética, suportam à sociedade este raciocínio dedutivo. A engenharia do
controlo da qualidade é uma nova abordagem, de uma ciência sinótica, baseada numa
perspetiva multidisciplinar: tem por objetivo examinar e testar a qualidade dos
produtos manufaturados e dos serviços. O controlo e teste da qualidade dos
produtos sempre foram reconhecidos no passado. No entanto, a sua conceção, como
abordagem sistemática estruturada - como ciência da medida da qualidade de um
produto - é relativamente recente, situação que é conhecida nos Estados Unidos,
desde 1970, por qualimetria.
O desenvolvimento desta ciência sugere que
o conceito de qualidade foi objeto de rigoroso aprofundamento, em termos
lógico-racionais, sendo, por isso, mensurável e objeto de validação. Ora, a
auditoria é entendida pela sociedade como um processo de exame, verificação e
validação dos diferentes componentes das demonstrações financeiras, cujo
objetivo é asseverar a sua qualidade, para que os utilizadores destes
documentos atuem de forma mais racional (ASOBAC, 1973). Visa, ainda, facultar
segurança e qualidade ao processo de produção contabilístico, situação que se
enquadra conceptualmente nos recentes desenvolvimentos científicos, acima
referidos. Assim, a auditoria transcende as próprias fronteiras da
contabilidade ao utilizar conhecimentos e ideias desenvolvidas noutras ciências
e técnicas: esta prática é considerada não só comum, como científica. A
engenharia do controlo de qualidade tem subjacente as noções de independência e
de verificação e interessa saber se estes atributos são semelhantes a idênticas
noções da contabilidade e de auditoria ou se não o forem, em que medida podem
facultar clarificação sobre se as regras contabilísticas, como componentes
estruturantes das demonstrações financeiras, podem ser testadas de forma
independente.
A
«aptidão para uso»
Esta abordagem é fundamental para explorar
o criticismo endógeno e exógeno relativamente à qualidade das contas auditadas.
Wolnizer (1987) argumenta que a função de controlo de qualidade é semelhante à
função auditoria. Com efeito, a produção de produtos e de serviços envolve a
seleção, avaliação e processamento dos inputs, uma inspeção final dos outputs e
uma apreciação do consumidor final. A engenharia do controlo de qualidade criou
a expressão – fitness for use – aptidão para uso, ou utilizável, para
expressar, em termos técnicos, a noção de qualidade: o utilizável significa que
o produto serve com sucesso os objetivos do consumidor durante a sua
utilização. A expressão «aptidão para uso» é considerada, pelos diferentes
autores da problemática do controlo de qualidade, como um conceito vital e de
natureza universal, por se aplicar a todos as mercadorias e produtos, independentemente
das suas geografias.
A universalidade do conceito tem subjacente
a filosofia da função de qualidade: sistema universal pelo qual as
características dos produtos e dos serviços são analisados e avaliados. Na
literatura do controlo de qualidade esta é considerada como um processo
regulatório através do qual se mede a performance qualitativa, se efetua a
comparação com os standards, e se atua sobre as não conformidades, sendo ainda
assumida como uma função altamente qualificada, cujo núcleo fundamental se
materializa nas especificações técnicas dos produtos. A aplicabilidade desta
metodologia comparativa à auditoria encontra, com efeito, analogias. De facto,
Sprouse e Moonitz (1962), APB (1970), Kenley e Staubus (1972), Study Group
(1973) referem que as demonstrações financeiras preparadas pelas empresas devem
ser utilizáveis por um conjunto diversificado de stakeholders facultando-lhes
a avaliação da performance financeira da organização e, consequentemente, a
possibilidade de tomarem melhores decisões financeiras. Segundo Wolnizer
(1987), o objetivo fundamental da contabilidade é idêntico ao de um processo
industrial e químico: a produção de produtos com o atributo de aptidão para uso
relativamente a uma função específica. Este processo de fitness for use é
analisado, testado e avaliado pelo controlo de qualidade, quando referidos a
produtos industriais e produtos de grande consumo, e pela auditoria quando está
em causa a informação inserida nas demonstrações financeiras. Com efeito,
Chambers (1974) e Sterling (1979) consideram a auditoria como um processo de
controlo de qualidade. A análise da literatura relativamente à engenharia de
controlo de qualidade e à auditoria permitem-nos formular a convicção de que as
funções são análogas, pelo que a extrapolação dedutiva é válida.
No processo de controlo de qualidade
industrial, as determinantes do atributo utilizável ou aptidão para uso são
constituídos por um conjunto de características de produto que o consumidor
reconhece e considera que o beneficiam (Juran,1974). De maneira similar, o
ASOBAC (1973) reconhece que a qualidade da informação financeira deve ser
definida em termos de um padrão de referência, fundamentado nas necessidades
dos utilizadores da informação financeira. Este facto tem sido referido pela
maioria esmagadora dos investigadores na área da contabilidade e da auditoria,
ao reconhecerem que a qualidade das contas auditadas é determinada pela
observação do critério subjacente à sua construção: os princípios
contabilísticos geralmente aceites. Este padrão, segundo Wolnizer (1987) é o
principal ponto fraco da literatura contabilística e do ASOBAC. Com efeito, os
conceitos utilizados no processo de controlo de qualidade, quando colocados em
justaposição com os existentes na literatura teórica e prática sobre a
auditoria, ressaltam diferenças profundas, sobretudo, ao nível da especificação
do produto e das técnicas de controlo de qualidade existentes na auditoria.
Por Bruno José Machado de Almeida -
Professor coordenador da Escola de Negócios de Coimbra – ISCAC Business School
Revisor Oficial de Contas
Fonte: Revista OTOC n° 179
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