A restrição das atividades de advogados dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já provoca uma debandada dos profissionais. Nos bastidores, os comentários são de que o governo quer desarmar o tribunal para arrecadar mais.
Mais conselheiros aguardam o posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que marcou para segunda-feira (18) o julgamento do decreto 8.441/2015. Na véspera do feriado de 1º de maio, o governo exigiu exclusividade dos representantes de contribuintes no Carf.
Segundo especialistas, ainda não está claro se os conselheiros dos contribuintes podem exercer a advocacia simultaneamente. Na interpretação mais estrita do decreto, os advogados não podem nem permanecer sócios de escritório com processos contra a Fazenda, por conflito de interesse.
"Mesmo que um representante do meu escritório estivesse assinando as peças, obviamente eu sou interessado direto. Vou aproveitar financeiramente. Juridicamente falando, há um óbvio conflito de interesses", disse ao DCI um conselheiro que pediu para não ser identificado.
Nessa perspectiva, pelo menos 18 dos 108 conselheiros dos contribuintes já tiveram o pedido de dispensa publicado no Diário Oficial da União (DOU). O Carf conta com um total de 216 conselheiros.
Para o mesmo conselheiro, que ainda não pediu dispensa, a debandada só não foi maior porque as confederações, como as do comércio (CNC) e indústria (CNI), que estariam em contato com o Ministério da Fazenda, pediram para que os conselheiros segurassem os pedidos de dispensa.
"Estamos aguardando o posicionamento final [da Fazenda]. Se não voltarem atrás, haverá mais conselheiros pedindo dispensa."
Além de exigir exclusividade dos conselheiros, o decreto também prevê uma remuneração de cerca de R$ 8 mil líquidos - o que seria incompatível com o nível de qualificação dos advogados. Até então, os tributaristas não recebiam para participar do tribunal, mas atuavam na advocacia.
"O que eu vejo como risco é o esvaziamento do Carf. Os melhores e mais proeminentes conselheiros são aqueles tinham experiência prática. Eles advogavam sim", diz a ex-conselheira e professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Nara Takeda Taga.
Arrecadação
Para um outro conselheiro, que pediu dispensa na semana passada, o governo quer desaparelhar o Carf para aumentar a arrecadação. Na visão dele, sem os melhores tributaristas ao lado dos contribuintes, o Fisco conseguiria emplacar no Carf mais autos de infração, o que aumentaria a arrecadação do governo. Segundo o especialista, que falou ao DCI na condição de anonimato, um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) mostra que os contribuintes conseguem decisão favorável em cerca de 22,6% dos casos. Em outros 20,5%, a decisão é parcialmente favorável.
Levando em conta que cerca de R$ 536 bilhões em impostos estão sendo discutidos no tribunal administrativo, qualquer aumento do aproveitamento do Fisco no Carf traria benefícios significativos em termos de arrecadação, afirma ele. "Os recursos dos contribuintes são providos porque há falhas e defeitos nas autuações" diz o ex-conselheiro. De acordo com o especialista, 75% dos recursos são providos por unanimidade para o contribuinte, o que indica que houve claro erro no auto de infração. Quando o tema trata de questão de interpretação e há controvérsia, os julgamentos ficam divididos.
Culpa
Para ele, o Decreto 8.441 não tem relação com a operação Zelotes, em que a Polícia Federal investiga rombo de até R$ 19 bilhões, causado por corrupção no Carf. "Eles chamaram atenção para um fato [a corrupção], mas acabaram resolvendo um problema arrecadatório".
Para os dois conselheiros, os advogados dos contribuintes acabaram levando a culpa por uma prática de corrupção dos auditores fiscais. Eles argumentam que, como os representantes da Fazenda têm o voto de desempate, sempre que o julgamento acaba em três votos contra três, de nada adiantaria comprar os votos dos conselheiros dos contribuintes. "No Carf, os fiscais é que têm a caneta na mão", disse uma das fontes.
Os dois conselheiros também criticam a ideia de que a atividade não remunerada no Carf implica em viés de corrupção. "Os advogados vivem de reputação. E tão melhor ela é, tão melhor a qualidade e tamanho da carteira de clientes. Sem falar que no Brasil o advogado não pode fazer propaganda", comenta o primeiro. Outra motivação para participar do Carf seria o aprendizado. "O advogado fortalece o nome no Carf e ele aprende."
Restrição
Parte do motivo pelo qual a debandada de conselheiros não foi maior é que ainda não há consenso sobre a abrangência do Decreto 8.441. "É [um texto] contraditório. Esses desligamentos de conselheiros não ocorreram por causa do decreto em si, mas por causa de uma lei vigente há muito tempo", afirma o professor da faculdade de direito do Mackenzie, Eduardo Jardim. Ele se refere à Lei 8.906/1994, o estatuto da OAB.
Enquanto o decreto faz apenas proibição à atividade do advogado contra a Fazenda Federal. Mas, levando em conta a referência ao estatuto da OAB no decreto, a restrição valeria também para as fazendas estadual e municipal.
Diante da maior restrição, a remuneração baixa pesa mais, acredita o professor. Conforme o decreto, o conselheiro só recebe por sessão que participou. "De quando em quando, o conselheiro vai ganhar um salário inexpressivo e, em contrapartida, não pode fazer mais nada", comenta o professor.
Fonte: Jornal DCI-15/05/2015
Via Ibracon
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