Após o primeiro artigo sobre uma "luz no fim do túnel" na polêmica e complexa questão da "guerra fiscal" de ICMS, surge a necessidade de alguns apontamentos sobre a consequência da recente Emenda Constitucional nº 87/2015, publicada no Diário Oficial da União em 17/04/2015.
De forma resumida, a referida EC nº 87/2015 altera a tributação de ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, não contribuinte do imposto, mediante a aplicação da alíquota interestadual, em substituição à atual alíquota interna (cumpre esclarecer que a alíquota interestadual já era aplicada nas operações interestaduais destinadas a contribuintes de ICMS, mas não para não contribuintes).
Ainda, a nova regra determina que caberá ao Estado de destino o pagamento do ICMS relativo à diferença da alíquota interna do destino e a alíquota interestadual aplicada em tal operação (diferencial de alíquotas). No caso de destinatário não contribuinte de ICMS (consumidor final), a responsabilidade por tal pagamento cabe ao remetente (ex.: vendedor) de outro Estado.
Mesmo sendo redundante, cabe reiterar que esse novo "diferencial de alíquotas", salvo casos de substituição tributária ou antecipação de ICMS, não será aplicado nas operações internas e nos casos em que o destinatário da operação interestadual não seja consumidor final (ex.: ativo imobilizado), mas sim revendedor ou industrializador de tais mercadorias ou insumos (estoque).
Todavia, o artigo 2º da EC nº 87/2015 acrescenta o artigo 99 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual determina que o pagamento desse diferencial de alíquotas será dividido (em percentuais já estipulados de forma anual e gradual) entre o Estado de origem ("vendedor") e o Estado de destino ("comprador"), até que, em 2019, será 100% devido ao Estado de destino.
Ou seja, nas operações interestaduais destinadas a não contribuinte de ICMS (consumidor final), haverá alteração na arrecadação de ICMS no Estado de origem, que perderá, gradativamente, parte do imposto atualmente pago por seus contribuintes, reduzindo o ICMS que lhe é atualmente devido de 18% ou 17% (alíquota interna) para 4%, 7% ou 12% (alíquota interestadual), dependendo do caso. Isso sem mencionar a participação constitucional dos municípios (25%) na arrecadação do ICMS estadual.
De uma forma indireta, tal mudança nas regras do ICMS também impacta nos benefícios fiscais estaduais, já que o benefício outorgado pelo Estado de origem resultará em um valor de ICMS consideravelmente menor para o cálculo de eventual crédito presumido, financiamento, redução de base de cálculo etc.
E isso já a partir de 01/01/2016, em razão do princípio constitucional da anterioridade tributária (novo fato gerador e possível aumento da carga tributária), já que o ICMS se subordina à anterioridade e à noventena, conforme artigo 150, III, "b" e "c", da Constituição Federal. Apesar da péssima redação do artigo 3º da EC nº 87/2015 e de uma primeira confusão interpretativa de alguns colegas que escreveram sobre o assunto, a própria norma menciona que produz "efeitos no ano subsequente", ou seja, 2016.
Entretanto, o que mais nos chama a atenção é a forma pela qual tal medida, extremamente relevante e que modifica substancialmente o imposto e a arrecadação estadual, vem sendo noticiada pela imprensa nacional, como uma mera mudança na tributação do "comércio eletrônico", suprindo uma inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21/2011 (RE 680.089, ADI 4628 e ADI 4713 do STF). Na verdade, essa é apenas umas das operações afetadas pela mudança, já que não há qualquer menção expressa na EC 87/15 que restrinja sua aplicação apenas ao comércio eletrônico.
Assim, todas as vendas interestaduais, promovidas por contribuintes e destinadas a órgãos públicos (licitação), instituições financeiras (leasing), escolas e hospitais, empresas de construção civil, além de prestadores de serviços em geral (não contribuintes de ICMS), estarão sujeitas a tal regra, reduzindo a arrecadação de Estados "vendedores" (ex.: São Paulo), em detrimento de Estados "consumidores".
Como já anunciado pelo governo, o próximo passo será a "unificação" das alíquotas interestaduais de ICMS em 4% (inclusive para produtos "nacionais", atualmente com 7% ou 12%, dependendo do Estado de destino), já iniciada em 2013 com a Resolução do Senado nº 13/2012 em relação a produtos importados (salvo exceções).
Em razão desse cenário, encerramos com a mesma indagação que fizemos quando da discussão da Resolução do Senado nº 13/2012, ou seja, o que os contribuintes e seus Estados de origem farão com o crédito acumulado de ICMS, considerando uma importação ou compra interna a 18% ou 17% (alíquota interna) e uma saída interestadual a 4% (alíquota interestadual)?
Se o problema hoje já é enorme, em que o próprio Estado de São Paulo vem concedendo regime especial para "redução" do ICMS incidente nas importações para empresas com crédito acumulado (Portaria CAT nº 108/2013), o que dizer do efeito multiplicador de tal problema com essas novas medidas, chamadas de "reforma tributária do ICMS"?
Em suma, em nossa modesta opinião, esse será mais um grande passo equivocado na alteração da tributação do já complexo e confuso imposto estadual, como a prática excessiva de antecipação e substituição tributária. Mais que isso, tal alteração viola o acordo entre os Estados, que culminou no Projeto de Lei Complementar nº 130/2014 (mencionado em nosso artigo anterior), prevendo a "validação" e uma "sobrevida" dos benefícios fiscais por mais alguns anos (em alguns casos, até 15 anos), sendo que a EC nº 87/2015 já altera, substancialmente, tais benefícios, reduzindo-os de forma considerável, em 2016, mas mais ainda em 2017, 2018 e 2019.
Como acontece durante as campanhas políticas, o discurso do governo é um, mas a prática verificada é outra, por mais que haja "boa intenção" de todos os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em solucionar tão importante questão (guerra fiscal de ICMS). Tal situação contraditória chega a beirar a "bipolaridade", mas quem está ficando "louco" é o empresariado e os investidores, nacionais e estrangeiros.
Autor: CARLOS EDUARDO GARCIA ASHIKAGA - Advogado tributarista, professor, consultor de empresas em Comércio Exterior e autor do Livro "Análise da Tributação na Importação e na Exportação" (Edições Aduaneiras).
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