Dentre tantas questões que surgiram após o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), uma das que mais têm gerado dúvidas e incertezas aos contribuintes é aquela relacionada à forma como devem ser tratados os valores que retornam ao contribuinte brasileiro na modalidade de redução – ou devolução – de capital correspondente à participação societária no exterior.
Nestes casos específicos, tem se discutido se os valores decorrentes desta redução de capital estão sujeitos ao ganho de capital ou à apuração mensal, por meio da tabela progressiva, do Imposto de Renda (carnê-leão).
A Receita adotou o mesmo entendimento para redução de capital de empresa estrangeira e para distribuições de dividendos no exterior
De acordo com a legislação vigente, sujeitam-se ao ganho de capital, entre tantas outras hipóteses, as operações decorrentes da alienação de bens ou direitos, inclusive participações societárias, de titularidade de pessoas físicas, adquiridas originalmente em moeda nacional ou estrangeira, cujas alíquotas, atualmente, variam entre 15% e 22,5%.
A redução do capital de uma sociedade, por sua vez, nada mais é do que a operação pela qual o acionista/quotista entrega parte de sua participação societária, que é reduzida com ou sem o cancelamento de parte das ações/quotas da sociedade, recebendo, em retorno, dinheiro ou bens que reflitam economicamente o valor da participação reduzida.
Se, na operação, o valor recebido pelo acionista/quotista for superior àquele registrado em sua declaração de bens e direitos, haverá ganho, o qual deverá ser apurado e recolhido, observando-se as regras desta modalidade de tributação, tal como já decidido pelo Carf.
Apesar destes pontos, em 28 de dezembro de 2017, a Coordenação-Geral de Tributação, órgão vinculado à Receita Federal do Brasil, disponibilizou a Solução de Consulta nº 678, manifestando seu entendimento sobre o assunto e afirmando que a devolução de capital por participação societária regularizada no âmbito do RERCT, de pessoa jurídica sediada no exterior, recebida por pessoa física residente no Brasil, está sujeita à tributação sob a modalidade carnê-leão.
Para a Receita, este posicionamento se justifica, pois não existiria alienação na devolução do capital em dinheiro, uma vez que o capital devolvido nunca teria deixado de ser propriedade do acionista/quotista. De acordo com o órgão, a diferença positiva entre o valor da devolução de capital em dinheiro e o valor constante da declaração de bens do acionista/quotista configura aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de renda, sujeita ao Imposto de Renda sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão).
Ao assim se posicionar, salvo engano, a Receita Federal confunde os conceitos e as personalidades jurídicas da sociedade e de seu acionista/quotista, tratando-os como se fossem uma única pessoa, o que, de fato, não o são, prejudicando, inclusive, a previsão legal disposta no artigo 110 do Código Tributário Nacional que proíbe a alteração da definição, conteúdo ou alcance de conceitos e formas de direito privado para definir competências tributárias.
Isto porque, ao entregar sua participação societária, reduzindo ou não o número de ações/quotas da sociedade e recebendo, em troca, recursos financeiros, o acionista/quotista deve apurar se houve ou não ganho de capital na comparação entre o valor registrado em sua declaração de bens e direitos e aquele recebido em decorrência da devolução do capital investido, recolhendo, se o caso, o imposto de renda devido.
A conclusão decorre do fato de que há, sim, alteração de propriedade quando o acionista/quotista entrega seus recursos para a capitalização da sociedade, da mesma forma como há alteração de propriedade quando a própria sociedade restitui ao acionista/quotista, em troca de suas ações/quotas, o valor anteriormente entregue para aquisição desta participação societária.
No momento em que entrega seus recursos à sociedade em troca de participação societária, o acionista/quotista deixa de ser proprietário destes recursos que, por sua vez, passam à titularidade única e exclusiva da própria sociedade para o regular desenvolvimento de suas atividades.
E isto tudo decorre do fato de que sociedade e acionista/quotista, por definição da própria legislação civil, societária e tributária vigentes, possuem naturezas e personalidades jurídicas próprias e distintas.
Ao assim se posicionar, expõe a Receita que seu entendimento para a redução de capital da sociedade estrangeira é exatamente o mesmo utilizado para as distribuições de dividendos realizadas no exterior, estas, sim, efetivamente sujeitas ao recolhimento do carnê-leão, por representarem, de fato, uma disponibilidade jurídica ou econômica de renda ao contribuinte.
Em que pese o fato da solução de consulta produzir efeitos apenas entre as partes envolvidas, não há dúvida de que esta é a interpretação da Receita sobre o tema, resultando em insegurança e incerteza aos contribuintes em situação semelhante e que detém participação societária no exterior regularizada por meio do RERCT.
Indispensável, portanto, atenta observância aos próximos capítulos deste assunto, a fim de se evitar que contribuintes em situação semelhante neste momento pós-RERCT sejam expostos à exigências indevidas e que coloquem em risco a segurança jurídica que deveria nortear não apenas as ações relacionadas ao RERCT, mas, também, todas as outras de natureza societária-tributária.
Thiago Del Persio Iannarelli é sócio da Advocacia Fernando Rudge Leite
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Por Thiago Del Persio Iannarelli
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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