quinta-feira, 24 de setembro de 2015

24/09 De olho na falcatrua: sua empresa sabe se defender de fraudes?

Golpistas podem causar rombos financeiros e travar o crescimento da companhia sem que ninguém perceba

Gatuno, afanador, trapaceiro e tratante. Adjetivos não faltam para classificar pessoas que cometem fraudes. E eles estão por toda a parte. Dos mais altos escalões da política até no chão da fábrica, salão de loja e escritórios. 


Dados da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), organização americana de combate à fraude, aponta que atos ilícitos praticados por funcionários comprometem, em média, 7% da receita bruta das empresas.

“Se um empresário disser que não isso acontece na sua empresa, é porque ainda não descobriu”, afirma Mario da Silva Júnior, sócio da S2 Consultoria, especializada em gestão de risco de fraude focada em pessoas. 

E, para piorar a situação, casos de fraudes tendem a aumentar em momentos de retração econômica. Entre 2010 e 2013, o número de golpes nas empresas brasileiras cresceu 12 vezes, acordo com uma pesquisa da ICTS, consultoria de gestão de riscos.

“Nesses momentos, o comprometimento com a empresa tende a diminuir, os funcionários veem amigos sendo demitidos, sofrem pressão maior por resultados e muitos perdem renda extra na família”, afirma Renato Anaia, gerente executivo da ICTS. “A incerteza faz com que as pessoas cometam deslizes que não são do seu caráter.” 

Veja como evitar que as fraudes prejudiquem a sua empresa: 

AS FRAUDES MAIS COMUNS 

As fraudes empresariais são segmentadas em três tipos, de acordo com a ACFE: 

Apropriação indevida. São furtos ou utilização indevida de ativos da empresa. Por exemplo: retirada de dinheiro de caixa, apropriação de produtos da loja, fábrica ou estoque e desvios por meio de transações financeiras. 

Um golpe comum é o do boleto falso. Um funcionário forja um boleto que direciona o pagamento para uma conta laranja. Poucos dias antes do envio do boleto oficial ao cliente, o golpista manda o boleto adulterado para o consumidor, que realiza o pagamento sem saber se tratar de um golpe. 

Corrupção. São casos de conflito de interesses, extorsão ou suborno – frequentes em departamento de compras. Geralmente, acontece entre funcionários e fornecedores. 

Um caso típico é quando um funcionário manipula uma concorrência para beneficiar uma empresa, que vai pagar uma taxa ao funcionário pela “ajudinha”. Também é corrupção favorecer amigos e parentes em processos de compra, mesmo que não haja pagamento de proprina. 

Demonstração fraudulenta. São manipulações para omitir ou forjar dados contábeis, como resultados financeiros, de despesas e de inventário. Um exemplo desse tipo de golpe é quando o funcionário adultera o valor de uma corrida de táxi. Há também casos de funcionários em posições estratégicas que forjam resultados para bater metas ou não sofrer sanções da diretoria da empresa. 


PREVENÇÃO DE GOLPES 

A melhor prevenção é cuidar das pessoas – e já começa na seleção. Nas entrevistas, dinâmicas e testes, que costumam aferir competências e habilidades, é recomendado que o recrutador analise também a resiliência ética – a propensão que o candidato possui de cometer atos antiéticos (saiba mais no vídeo no final desta reportagem). 

Consultorias especializadas aplicam testes com dilemas morais que o profissional poderá encontrar no dia a dia. São perguntas como “se você ver um colega numa conversa suspeita com um fornecedor, o que você faz?” ou “você aceitaria um presente de alto valor de um cliente ou fornecedor?”. 

“São maneiras de saber como o funcionário lida com a transparência e a sua percepção moral”, afirma Renato Anaia, da ICTS. 

O resultado do teste não se resume a mostrar se a pessoa é ou não honesta. Mas serve para apontar as suas fraquezas. Por exemplo, há pessoas que podem ter dificuldade para lidar com confidencialidade – o que não quer dizer que ela necessariamente entregará dados sigilosos da empresa para a concorrência.

Com base nos resultados, a empresa não contrata o candidato ou desenvolve ações para minimizar o risco quando ele vier a ser empregado. 

Para conscientizar o pessoal, a empresa também pode criar um código de ética, que rege toda a organização, e um código de conduta, que define as regras especificas de cada área da empresa e o comportamento do funcionário. É recomendado que a empresa desenvolva os códigos considerando a opinião dos funcionários, que podem apontar seus dilemas mais frequentes. 

Entre as cláusulas pode haver as que tratam de conflito de interesse, como a que obriga o funcionário a expressar se possui amigos ou familiares em outras empresas que fazem negócios com a empregadora. O código também pode abordar as sanções e punições para quem sair da linha. 

O funcionário precisa entender os motivos da criação das normas e as consequências de suas atitudes. Se ele cometer uma fraude, a empresa perderá recursos, ele será demitido e sua imagem no mercado poderá ser manchada. Se agir da maneira correta, ganhará respeito dentro da empresa. 

É importante que o funcionário assine um termo que ateste que recebeu os códigos. O documento é uma proteção jurídica para a empresa caso tenha que adotar alguma medida contra o funcionário. 

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES 

A empresa precisa monitorar seus processos para identificar desvios de padrões, que podem ser erros operacionais ou indícios de fraudes. Por exemplo, perda de estoque pode representar um erro de inventário ou furto. Projetos improdutivos, em que o orçamento cresce constantemente, podem ter como causa falta de planejamento, desperdícios ou desvios.

“O que difere um erro e uma fraude é a intenção do funcionário”, afirma Mario da Silva Júnior, da S2 Consultoria. 

Outra providência é monitorar caixa de emails e computadores corporativos, dados digitais, como os relativos a compra e venda, e outras sistemas de comunicação usados pela empresa. 

O consenso entre os especialistas é que uma das melhores práticas para identificar o golpista é manter um canal de denúncia online e telefônico em que os próprios funcionários possam relatar atitudes suspeitas. 

Uma grande construtora paulista mantém um canal de denúncias desde 2008. “Funcionários e fornecedores podem fazer denúncias anônimas relatando casos que ferem o código de ética da empresa”, afirma um executivo da empresa, que prefere não ser identificado.  

Uma equipe terceirizada recebe as denúncias e as repassa para a empresa. Em até cinco dias, o denunciante, por meio de um número de protocolo, recebe um comunicado sobre o andamento das investigações.

"O canal traz detalhes que dificilmente seriam identificados por meio de sistemas de monitoramento e auditoria", diz o executivo. No setor de construção civil é comum, por exemplo, casos de funcionários que furtam materiais e equipamentos usados nos canteiros de obras.  

As denúncias são encaminhadas para o comitê de ética da empresa que analisa cada caso. Se um funcionário for comprovadamente culpado, ele pode ser advertido, demitido ou processado criminalmente – dependendo da gravidade do caso. 

Geralmente, o custo do serviço de canal de denúncia é baseado no número de casos enviados. Em empresas com poucos funcionários, a tendência é o custo ser menor do que o praticado com grandes companhias. 

ATITUDES DURANTE A INVESTIGAÇÃO 

O empregador pode verificar registros internos da empresa na busca por provas, como email e arquivos no computador. Mas é recomendando que o gestor faça uma cópia do HD da máquina – e não retire o PC do empregado, pois ele poderá alegar que forjaram uma prova contra ele. 

Uma boa medida é convidar funcionários que possam estar envolvidos no caso para uma conversa. Uma entrevista empática, transparente, confidencial e com o consentimento do funcionário. É recomendado que testemunhas acompanhem o encontro.  

“A entrevista é o momento de direito a resposta e a legitima defesa do funcionário”, afirma Mario da Silva Júnior, da S2 consultoria. “Caso seja culpado, poderá dar mais detalhes do caso e indicar outros golpista e fraudes que podem estar acontecendo na empresa.”

Atenção: a empresa não pode cometer nenhum abuso, como trancar o funcionário em uma sala, ameaçar, acusar, forçar uma confissão e usar palavras pejorativas.

“Essas medidas não são nada efetivas e pode causar um processo trabalhista contra a empresa”, afirma Antonio Carlos Hencsey, coordenador do curso de pós-graduação em gestão de riscos de fraudes da Fundação Instituto de Administração (FIA). 

Geralmente, as empresas que identificam fraudes definem punições de acordo com a gravidade do caso. Demissão por justa causa e processos na Justiça só acontecem quando a empresa tem provas contundentes contra os contraventores. 

Em 2012, a empresa holandesa D.E. Master Blenders 1753, detentora das marcas Café Pilão e Café do Ponto, divulgou um comunicado informando a descoberta de problemas de contabilidade na operação brasileira. A equipe comercial da empresa registrava vendas fantasmas e ofereciam desconto aos varejistas, mas não registravam todas as movimentações nos balanços – um exemplo prático de demonstração fraudulenta. 

As irregularidades causaram um rombo de mais de 85 milhões de euros. A informação fez com as ações da empresa na bolsa de Amsterdã caísse 7% no dia seguinte – uma perda de cerca de 500 milhões de euros. O desfecho fez com que a empresa trocasse o presidente e outros funcionários no Brasil. 

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