O ministro Edson Fachin levou, nesta sexta-feira (25/09), o RE 914045/MG ao plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmar a jurisprudência da Corte, por meio de repercussão geral, nas seguintes teses:
a) A desnecessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal e 481, parágrafo único, do CPC;
b) A inconstitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte.
No caso concreto, o Estado de Minas Gerais recorreu de decisão do Tribunal de Justiça do Estado (TJMG) que entendeu que condicionar à regularização de débitos fiscais o deferimento em cadastro de produtor rural impõe obstáculo à atividade profissional lícita, o que viola o princípio da livre iniciativa.
Na manifestação, o ministro Edson Fachin vota pela manutenção da decisão e pela inconstitucionalidade do inciso III do parágrafo primeiro da Lei 6.763/1975, do Estado de Minas Gerais, que condiciona o cadastro à regularidade fiscal.
“Constata-se que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência desta Corte, segundo a qual é inconstitucional a imposição de restrições ao exercício de atividade econômica ou profissional do contribuinte, quando este se encontra em débito para com o Fisco”, afirma, no voto, citando precedentes e as Súmulas 70, 323 e 547 da Corte. Os enunciados impedem a interdição de estabelecimentos, a apreensão de mercadorias como forma coercitiva de cobrar tributos. Impedem ainda que o Fisco proíba o contribuinte em débito de despachar mercadorias na alfândega ou de exercer atividades econômicas.
Os demais ministros tem até o dia 15 de outubro para se posicionar sobre a proposta de repercussão geral e confirmação da jurisprudência.
Leia a íntegra da manifestação:
O Senhor Ministro Edson Fachin (Relator): Trata-se de agravo interposto em face de decisão que inadmitiu recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa se reproduz a seguir:
REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – INSCRIÇÃO DE PRODUTOR RURAL – CONDICIONAMENTO AO PAGAMENTO DE TRIBUTO IMPOSSIBILIDADE – RESTRIÇÃO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL – SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM MANTIDA, COM ALTERAÇÃO DA PARTE DISPOSITIVA – APELAÇÃO PREJUDICADA. 1 – A Administração Fiscal tem à sua disposição meios apropriados e eficazes para a cobrança de seus créditos, não podendo se utilizar de vias oblíquas ou sancionatórias para a satisfação dos débitos que lhes são devidos. 2 O condicionamento do deferimento de inscrição em cadastro de produtor rural, requerida pelo impetrante, à regularização de débitos fiscais constantes em PTAs, constitui óbice à atividade profissional lícita, o que é vedado constitucionalmente, à luz do princípio da livre iniciativa. 3- Sentença concessiva da segurança mantida, com alteração da parte dispositiva. Apelação prejudicada. (fls. 114-119)
Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 126/128 ).
No recurso extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, aponta-se violação aos artigos 5º, XIII; 93, IX; 97; e 170 do Texto Constitucional.
Nas razões recursais, alega-se que o acórdão recorrido violou a cláusula de reserva de plenário, encartada no art. 97 da Carta Constitucional e na Súmula Vinculante 10, pois afastou a aplicação dos artigos 16 da Lei estadual 6.763/75 e 97, §1º, do RICMS/02.
Sustenta-se, ainda, o seguinte:
Não há no caso impedimento ao exercício de atividade comercial, uma vez que não existe qualquer impedimento no sentido de que o recorrido exerça suas atividades, mas sim, a fiel observância da lei. Se, porventura, a situação do recorrido estivesse regular, teria o deferimento da inscrição. (fl. 140)
A Primeira Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou prejudicado o recurso quanto à questão alcançada pelo paradigma AI nº 791.292/PE e negou seguimento às matérias remanescentes com base na jurisprudência do STF.
Interposto agravo nos próprios autos, reiterando-se as razões recursais e atacando os fundamentos da decisão agravada.
É o relatório.
Submeto a matéria ao Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de repercussão geral.
Na verdade, verifica-se que os temas hauridos do presente feito são dois, a saber, (i) a necessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal; e (ii) a constitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.
Nesse sentido, torna-se patente que a controvérsia apresenta relevância nas dimensões jurídica, política, econômica e social da repercussão geral. Por certo, também aqui não ocorre limitação aos interesses jurídicos das partes, porquanto está em xeque um conflito concreto entre direitos fundamentais, dado os interesses juridicamente relevantes e divergentes entre Estado e contribuinte, replicável em uma infinidade de lides jurídicas.
Além disso, veja-se que o Plenário desta Corte já reconheceu a repercussão geral da discussão sobre a observância da cláusula de reserva de plenário na Questão de Ordem proposta no RE 580.108, de relatoria da Ministra Ellen Gracie (Presidente), DJe 19.12.2008. No entanto, tem-se a necessidade de desenvolvimento do precedente, tendo em conta a própria racionalidade da sistemática da repercussão geral.
Igualmente, o Tribunal Pleno reconheceu a repercussão geral de controvérsia similar, embora mais específica, isto é, a exigência de garantia real ou fidejussória para impressão de documentos fiscais de contribuintes inadimplentes. Trata-se do Tema 31, cujo recurso-paradigma é o RE-RG 565.048, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, DJe 09.10.2014.
Assim sendo, constata-se que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência desta Corte, segundo a qual é inconstitucional a imposição de restrições ao exercício de atividade econômica ou profissional do contribuinte, quando este se encontra em débito para com o Fisco.
A esse respeito, vejam-se os seguintes Enunciados das Súmulas desta Corte:
Súmula 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323 – É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.
Súmula 547 – NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.
Cito, ainda, os seguintes precedentes: AI-AgR 623.739, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 26.08.2015; AI-AgR 808.684, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 18.09.2012; RE-AgR 216.983, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 13.11.1998; RE 100.919, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, Primeira Turma, DJ 04.03.1988; AI-AgR 529.106, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 03.02.2006; RE-AgR 787.241, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 25.05.2015, este último assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO LEGISLAÇÃO LOCAL. A apreciação do recurso extraordinário faz-se considerada a Constituição Federal, descabendo interpretar normas locais visando a concluir pelo enquadramento no permissivo do inciso III do artigo 102 da Carta da República. TRIBUTO FISCALIZAÇÃO REGIME ESPECIAL SANÇÃO POLÍTICA INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual por meio da qual são impostas restrições ao exercício da atividade econômica ou profissional do contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, caracterizada forma oblíqua de cobrança de tributos Verbetes nº 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo. Precedentes: Recursos Extraordinários nº 413.782-8/SC e 565.048/RS, ambos de minha relatoria.
No caso concreto, trata-se de um cidadão que teve seu requerimento de inscrição em cadastro de produtor rural indeferido pelo Poder Público, em razão de situação de irregularidade fiscal perante a Administração Tributária. Demais, o fundamento da negativa do pedido se funda no não preenchimento das exigências legais constantes da Lei estadual 6.763/75.
Em relação à reserva de plenário, tem-se que a questão constitucional em debate se refere à interpretação do artigo 97 da Constituição Federal, in verbis: Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
No âmbito infraconstitucional, vê-se que tal dispositivo constitucional fora assim conformado pelo Código de Processo Civil de 1973 no parágrafo único do artigo 481: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Aliás, esse comando normativo foi repetido, ipsis litteris, no bojo do parágrafo único do artigo 949 do novo Código de Processo Civil de 2015.
Nesse quadro, não houve error in procedendo por parte do Tribunal de origem, uma vez que sua razão de decidir se pautou no Enunciado da Súmula 547 do STF, o que, por óbvio, demandou reiterados julgamentos do Tribunal Pleno para propiciar a cristalização do entendimento jurisprudencial em enunciado sumular.
Assim, as manifestações reiteradas desta Suprema Corte são no sentido de que não viola o artigo 97 do Texto Constitucional, quando existir pronunciamento plenário do STF acerca da matéria de fundo.
Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: Rcl-AgR 9.299, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 12.02.2015; AI-AgR 607.616, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 1º.10.10; Re-ED 361.829, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 19.03.2010; RE-AgR 876.067, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 22.05.2015; e AR-AgR-segundo 2.105, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 16.10.2013, este último assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. MÉRITO. ISS. ENTIDADES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL. LEI COMPLEMENTAR QUE AFASTA A TRIBUTAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. I A obediência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária quando houver orientação consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida. II A Lei Complementar federal 56/1987, que institui hipótese de não incidência do ISS sobre atividades desempenhadas por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil foi recepcionada pela Constituição de 1988. III Agravo regimental improvido.
Assim, entende-se que as orientações já expostas devem ser aplicadas ao caso em tela, desta vez na sistemática da repercussão geral, para reconhecer as seguintes teses:
(i) A desnecessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal e 481, parágrafo único, do CPC;
(ii) A inconstitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte.
Assim, manifesto-me pela existência de repercussão geral das questões constitucionais debatidas na presente manifestação e pela reafirmação da jurisprudência do STF, nos termos dos arts. 323 e 323-A do RISTF.
Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário, para assentar a inconstitucionalidade, incidentalmente e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais.
Publique-se.
Brasília, 25 de setembro de 2015.
Ministro Edson Fachin
Relator
Por Bárbara Pombo
Fonte: Jota
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