Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Há cerca de 50 anos iniciaram-se no Brasil os primeiros esforços em prol da realização de uma Reforma Tributária. O Ministério da Fazenda incumbiu a Fundação Getúlio Vargas (FGV) da tarefa de elaborar uma proposta para modernizar e aperfeiçoar o Sistema Tributário brasileiro.
Já naquela época era diagnosticada a pouca atenção dispensada ao desenho da tributação no país, com a acumulação de incidências tributárias que oneravam a produção e impediam o progresso econômico do país.
Em 1963 a Comissão formada pelos maiores experts[1] em matéria fiscal da época alertava para o fato de que a reformulação do Sistema Tributário brasileiro demandava muito mais que a mera reedição de leis ou reformulação de tributos. Demandava, outrossim, a harmonização da tributação num país de dimensões continentais, onde disparidades socioeconômicas entre os entes da federação e a existência de vários níveis de Governo seriam sérios obstáculos a serem enfrentados.
Importante foco de atenção do projeto à época era o problema da Guerra Fiscal. O comércio estadual era tributado pelo IVC (imposto sobre vendas e consignações) e os Estados já se utilizavam de artimanhas para atrair a produção de determinados bens para os seus territórios – reduzindo a alíquota aplicada a esses produtos e aumentando a alíquota dos produtos provenientes de outros Estados. Qualquer semelhança com os atuais contornos da Guerra Fiscal via ICMS não é mera coincidência.
Até aqui nenhuma novidade, tampouco nenhuma mudança. Decorridos 50 anos dos primeiros esforços de se empreender uma Reforma Tributária no Brasil, o país ainda enfrenta exatamente os mesmos problemas fiscais do século passado: guerra fiscal, ineficiência econômica, complexidade do sistema e fragilidade federativa, apenas a título exemplificativo.
Em que pese a falta de ineditismo no tema, o mesmo não deixa de ser atual e de extrema importância para os rumos do desenvolvimento econômico e social do país. Se em 1963 o governo preocupava-se com a criação de um sistema tributário integrado e harmônico, de caráter nacional, voltado a diminuir o número de impostos e atrelar seus fatos geradores a realidades econômicas para diminuir as distorções e os fatores de ineficiência, em 2015 todas essas preocupações continuam presentes nos discursos daqueles envolvidos na matéria.
Assumindo o desafio de reabrir o debate sobre a Reforma pela perspectiva do Direito e Desenvolvimento, o Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP inaugurou sua linha de pesquisa “Reforma Tributária”, e contou com a participação de professores, economistas, advogados e estudantes no dia 30 de março de 2015, promovendo espaço construtivo de debates para a proposição de soluções (e não meras lamentações) sobre os problemas fiscais do presente.
Tal qual anunciado por David Trubek no prefácio do livro “Reforma Tributária Viável: Simplificação, Transparência e Eficiência” o desafio desses debates e dessa pesquisa proposta pelo NEF é “ser interdisciplinar, orientada para a ação e pragmática (...) enraizada num profundo entendimento da realidade brasileira, mas também consciente de processos que ocorrem fora do Brasil (...) sincronizada com as necessidades da nação e às políticas para as quais se dirige (...) visualizar reformas, mas fugir de utopias.”[2]
Tema recorrente no debate promovido na Escola de Direito de São Paulo foi a questão da Guerra Fiscal entre os Estados da Federação via ICMS, basicamente idêntica à Guerra Fiscal do IVC nos anos 60. Conforme ressaltado por Isaias Coelho, esse parece ser um dos temas mais complexos de se resolver em matéria tributária, vez que o ICMS é um imposto vocacionado para ser um IVA, mas possui inúmeras falhas de desenho, como, por exemplo, a anomalia do “cálculo por dentro”, utilizado para ludibriar o contribuinte e ocultar a verdadeira carga fiscal.
Mas o maior problema do ICMS diz respeito à falta de interesse dos Estados de mudar esse imposto. Conforme salientado por Clovis Panzarinni, trata-se de um imposto que, apesar de seu caráter nacional, tem 27 donos, sendo que ninguém está disposto a fazer concessões em prol do bem maior da federação. É forçoso reconhecer: no Brasil os Estados querem a guerra fiscal, assim como os países querem a guerra fiscal no âmbito internacional.
Inexiste interesse partidário em levantar a bandeira da Reforma Tributária e os representantes políticos que deveriam se encarregar de promover essa agenda parecem estar com a espada de Dâmocles[3] sobre as cabeças, preocupados em sanar os problemas a curto prazo para arrecadar votos, ainda que tais ações sejam corrosivas para o sistema no futuro.
Justamente por isso é que pensar a Reforma Tributária em termos formais, ou seja, de modificações no plano estritamente jurídico torna-se uma utopia. O que precisamos é de imaginação política para apresentarmos soluções originais, bem como cessar a luta fratricida dos Estados-Membros na Guerra Fiscal do ICMS.
Para além de imaginação política, a dimensão relacional fisco-contribuinte é outro aspecto que também não pode ser negligenciado na agenda sobre a Reforma Tributária, como bem pontuou Bernard Appy.
Talvez repensar o Sistema Tributário no país demande um processo mais profundo de transformações. É preciso antes de mais nada dar novo significado à questão do tributo na sociedade e somente depois construir um discurso que aponte para uma nova organização política e fiscal.
A experiência até o presente momento revela que propostas sofisticadas, porém excessivamente complexas, não são a solução apropriada para sanar os problemas sistêmicos da tributação no Brasil. Como muito bem explana o Professor Vito Tanzi, “complexidade e sofisticação excessivas fornecem oportunidades para que lobbies e vários grupos de interesse intervenham e pressionem por complicações favoráveis a grupos específicos.”[4].
Por conseguinte, o intuito do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, na condução dos encontros sobre a Reforma Tributária é justamente o de promover o debate sobre propostas de reforma simples porém viáveis.
[1] A Comissão foi presidida por Luiz Simões Lopes e contou com a participação dos doutores Rubens Gomes de Souza, como relator; Gerson Augusto da Silva, como secretário-executivo; Sebastião Santana e Silva, Gilberto de Ulhôa Canto e Mario Henrique Simonsen. Cf. REZENDE, Fernando; AFONSO, José Roberto (Org.). 50 anos da reforma tributária nacional: origens e lições – Reedição do Livro Reforma Tributária Nacional de Maio de 1966. Rio de Janeiro: Editora FGV: IBRE, 2014.
[2] TRUBEK, David. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (org.). Transparência Fiscal e Desenvolvimento – homenagem ao professor Isaias Coelho. Editora Fiscosoft: São Paulo, 2013. P. 26.
[3] Analogia feita pelo prof. Nelson Machado.
[4] TANZI, Vito . In Relatório de Pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais/NEF. p. 17
por Eurico Marcos Diniz de Santi é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF/FGV Direito SP) e da especialização em Direito Tributário da GVlaw. Professor. Mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TITSP).
Laura Romano Campedelli é advogada e pesquisadora Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/ FGV Direito SP).
Stella Oger Pereira dos Santos Aluna do 4º ano do Curso de Direito da FGV-SP. Estagiária na área de contencioso tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados
Fonte: Conjur
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