Visível o uso de dois pesos e duas medidas por parte da Fazenda Pública. Os tributos não pagos no prazo legal são cobrados com multa, correção monetária e juros pela taxa selic, ao passo que para pagamento de seus débitos, representados por precatórios judiciais, após décadas de atrasos, o faz sem multa e mediante incidência de juros da caderneta de poupança, que dá menos de 6% ao ano.
“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o dispositivo legal supramencionado. 2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29). 4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços. 5. Recurso extraordinário parcialmente provido” (RE nº 870.947/RG-SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 20-11-2017).
Ora, se a lei civil, aplicável nacionalmente, faz alusão à mesma taxa de juros prevista para cobrança de impostos, não há como favorecer a Fazenda com a aplicação da TR a título de juros moratórios.
De fato, prescreve o art. 406 do Código Civil:
“Art.406 – quando os juros moratórios não forem convencionados, ou forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devido a Fazenda Nacional”.
E mais, na fixação da TR há ingerências político-monetárias. No período de setembro de 2012 a junho de 2013, época de inflação aguda, a TR foi fixada em ZERO pela autoridade monetária, como reconhecido pelos insignes Ministros no julgamento das ADIs nº s 4.425 e 4.357.
Com entendimento dessa natureza o STF cria, de um lado, uma situação de absoluta injustiça para os credores por precatórios e ao mesmo tempo devedores de tributos que pagam os tributos em atraso com a aplicação da taxa selic e recebem seus créditos com juros representados pela TR ao cabo de mais de três décadas. Por outro lado, essa jurisprudência estimula o Poder Público devedor a ir protelando ad infinitum o pagamento desses precatórios que vêm se arrastando desde o início da década de 80.
A última moratória constitucional prorrogou o pagamento dos precatórios pendentes até 31-12-24. Ante a cômoda situação em que ficaram posicionadas as entidades políticas devedores é de se esperar que uma nova moratória constitucional seja patrocinada por governadores e prefeitos, antes de 31-12-24. O poder público inadimplente só tem a lucrar com a sua inadimplência, enquanto centenas de precatoristas em todo o Brasil vão morrendo na fila dos precatórios sem nada receber.
E assim, estaremos constitucionalizando essa iniquidade que permite o enriquecimento ilícito do poder público à custa do empobrecimento do credor civil do poder público.
A matéria está a merecer uma revisão pelo STF à luz do disposto do art. 406 do Código Civil que manda aplicar sobre as dívidas de natureza civil a mesma taxa vigente para cobrança de impostos pela Fazenda Nacional.
De fato, se o STF entendeu inconstitucional a aplicação da TR para o cálculo de juros de dívidas de natureza tributária, no caso de débitos de natureza não tributária o raciocínio aplicado deve ser o mesmo, por força do disposto no art. 406 do Código Civil que determina a aplicação da mesma taxa de juros vigente para a cobrança de impostos no caso de dívida de natureza civil.
Logo, a inconstitucionalidade do art. 1ºF da Lei nº 9.494/97 com redação dada pela Lei nº 11.960/09 é integral, e não parcial como declarou o C. Supremo Tribunal Federal, sendo inaplicável, também, para o cálculo dos juros de débitos de natureza não tributária.
Kiyoshi Harada
Fonte: Haradaadvogados.com.br/
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