Seguindo o fenômeno mundial da existência de um fluxo migratório cada vez mais intenso, um número considerável de brasileiros estão se retirando do país para estabelecer residência no exterior. A sua vez, o combate à fraude e a anistia fiscal e cambial de 2016 (RERCT) fez crescer a procura de regularização pelos que se retiraram do país sem informar à Receita Federal, ou para aqueles que pretendem retornar ao país.
Ocorre que à legislação brasileira – a qual se submete também a regras de tratados internacionais de não tributação (tie breaker rules) – falta clareza e objetividade.
É importante que a legislação se adapte ao cenário atual do incremento exponencial do fluxo migratório
Entretanto, é preciso amoldar cada situação individual à obrigação de se prestar informações às autoridades competentes. Primeiramente, o indivíduo que atualmente se ausente do território nacional fica obrigado a apresentar "Declaração" de Saída Definitiva do País, obrigatória e sujeita à multa pecuniária, presente no mesmo programa da declaração de IR das pessoas físicas (DIRPF). A "Declaração" de Saída Definitiva pode ser preenchida retroativamente, sem, contudo, resultar na isenção da multa pela não apresentação no prazo correto.
O realce à palavra "declaração" de saída é feito aqui com o intuito de divisar a "declaração" da "comunicação" de saída, sendo esta um elemento perturbador do regime de aquisição e renúncia da residência fiscal no Brasil. De fato, desde 2010, todo aquele que se ausenta do país também deverá apresentar a "Comunicação" de Saída Definitiva. Diferentemente da "declaração" de saída, a "comunicação" de saída não possibilita o preenchimento retroativo, e não está sujeita à multa pela falta de apresentação no prazo correto.
Por outro lado, não há, como seria de se supor, uma "comunicação de entrada", sendo este o papel da primeira "declaração" de renda (DIRPF), dificultando a regularização quando do retorno de brasileiros ao Brasil, e, assim, do regresso de capitais, notadamente quando o contribuinte continuou apresentando declaração aqui, mesmo após sua saída.
Ocorre que toda essa complexidade não existia até 2010, quando foi instituída a "comunicação" de saída. O artigo 16 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 nunca exigiu, e até hoje não exige, esta "Comunicação", se limitando a tratar da "declaração" de saída, que deve incluir a relação de bens e rendimentos do ano-calendário anterior ao da saída.
Esse cenário, além de potencializar dúvidas e conflitos, ocasiona uma das situações mais dolorosas para contribuintes que buscam sua regularização: a declaração de suspensão ou inativação do CPF. Tais hipóteses são agravadas pelo fato de nem Receita nem Banco Central possuírem um canal de comunicação para sanar dúvidas ou orientação a respeito, como acontece em outros países.
Até um passado não distante (2008), a Receita Federal exigia que as pessoas que fossem isentas da DIPF a apresentar a Declaração Anual de Isento, sob pena de cancelamento do CPF após dois anos sem sua apresentação. Embora se tratasse de uma declaração a mais, tinha ao menos o mérito de evitar que as pessoas fossem surpreendidas pela suspensão ou cancelamento do CPF, incapacitando-as para alguns atos no Brasil (movimentação de contas, aquisição de bens etc.), sendo situação rotineira para pessoas que se ausentaram do país.
Por tudo, embora todo esse emaranhado normativo tenha sido a forma de Receita e Banco Central estabelecerem um controle sobre aquisição e baixa da residência fiscal brasileira, a verdade é que a "comunicação" de saída não pode ser entendida como prova absoluta e atemporal, para determinar se uma pessoa é ou não residente fiscal no Brasil. Primeiramente porque tal não está previsto na lei, nem tampouco pode-se dizer que a Instrução Normativa interpreta a lei, ou o regulamento, já que os comandos de um e do outro são antinômicos e não se integram.
Assim, a natureza da Comunicação de Saída Definitiva deve ser entendida apenas como declaratória e não instituidora da caracterização de não residente. Em outras palavras, a residência ou não residência do contribuinte se define pelo seu animus de permanência (ou não), conforme os elementos definidos pela legislação.
Diante do cenário acima, é importante que, do ponto de vista estrutural, a legislação se adapte ao cenário atual, adequando-se ao incremento exponencial do fluxo migratório. E sob uma perspectiva individual, que aqueles que desejem se ausentar ou retornar ao Brasil incluam em seu planejamento a análise das questões junto à Receita Federal do Brasil e Banco Central, além de avaliar as regras domésticas de tratamento fiscal em ambos países. Com isso se evita não só que seja exigido sobre seus rendimentos, imposto em duplicidade, mas também o surgimento de pendências de difícil ou insolúvel resolução, referentes ao CPF brasileiro.
Veronica Melo de Souza é coordenadora da área tributária internacional de Vinhas e Redenschi Advogados – VRA. LL.M em International Taxation, King’s College London, Reino Unido
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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