Sabe-se que o desenvolvimento sustentável é um dos princípios internacionais do Direito Ambiental. A preservação do meio ambiente é uma preocupação mundial que decorre da noção de finitude. Assim, todos os países incorporaram nas respectivas legislações internas os mecanismos de preservação e de proteção ao meio ambiente. No Brasil o art. 225 da CF considera o meio ambiente como um “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Daí a preocupação mundial em reduzir a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Para procurar conter o nível de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) foi firmado o Protocolo de Kyoto em 1977 que contou com a adesão de 175 países, mas com abstenção dos Estados Unidos, um dos maiores poluidores do meio ambiente. Esse Protocolo previa a redução de GEE em 5,2% entre 2008 e 2012 [1] em relação aos níveis medidos em 1990.
Criou-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que prevê a Redução Certificada de Emissões (RCE) que dá direito a créditos de carbonos representados por Certificados de Emissões Reduzidas (CREs), os quais podem ser comercializados nos países que têm metas a cumprir. As nações que não conseguiram ou não desejarem reduzir as suas emissões poderão comprar os CREs em países em desenvolvimento e usá-los para cumprir as suas obrigações, porque o ecossistema não tem fronteiras, isto é, o que é relevante do ponto de vista ambiental é que haja uma redução de emissões de forma global.
No Brasil, as cessões de CREs são feitas por meio de leilões pela BM&FBOVESPA, via internet. O Brasil se situa entre os maiores sequestradores de GEE por possuir imensas florestas naturais e reflorestadas com potencial para ser um dos grandes exportadores de serviços ambientais.
CRÉDITOS PELA DESTINAÇÃO AMBIENTAL ADEQUADA DE PNEUS INSERVÍVEIS
Em escala menor criou-se, também, no âmbito do IBAMA, um crédito pela redução da degradação ambiental consistente na destinação ambiental adequada de determinadas matérias que, depois de usadas, tornam-se um lixo de difícil decomposição natural. É o caso, por exemplo, de pneus usados inservíveis que levam cerca de cinco séculos para a sua total decomposição.
Para tanto, o IBAMA por meio de seu órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISTEMA – , o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – instituído pela Lei 6.938/81 baixou a Resolução nº 416/09 obrigando os importadores e fabricantes de pneus a darem destinação ambiental adequada a um pneu inservível para cada pneu novo comercializado para o mercado de reposição. Por isso, importadores e fabricantes de pneus precisam comprovar que deram destinação adequada aos pneus inservíveis para poderem continuar operando no mercado de pneus novos. Existem três formas previstas na Resolução nº 416/09 para dar destinação ambiental adequada: (a) a exportação dos pneus inservíveis; (b) a reciclagem que é o processo de transformação dos pneus para obtenção de insumos ou produtos novos, como o pó de borracha; e (c) o coprocessamento que é a queima da borracha triturada em fornos rotativos de cimento para gerar combustível. A alternativa “a” limita-se a transferir o lixo daqui para ouros países.
Qualquer uma das três formas de destinação ambiental adequada gera créditos cujas quantidades são registradas no site especifico do IBAMA. Esses créditos podem ser vendidos a empresas que deles necessitam para importação e vendas de pneus novos mediante sua transferência on line.
Pergunta-se, há incidência de ICMS nas cessões de crédito de carbono e de créditos acumulados junto ao IBAMA?
O EXAME DA INCIDÊNCIA OU NÃO DO ICMS NAS OPERAÇÕES DE CESSÃO DESSES CRÉDITOS
O ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e de serviços. Os serviços tributados pelo ICMS estão nominados na própria Constituição (serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) de sorte a não oferecer qualquer dificuldade. Resta, pois, examinar a incidência do imposto sobre a mercadoria.
O conceito de mercadoria dado pelo direito privado é vinculante dentro do direito tributário. Assim, pelo conceito tradicional, mercadoria é sempre um bem corpóreo, passível de transferência por tradição. Não há do ponto de vista substancial diferença entre um bem (objeto) e uma mercadoria. A distinção reside apenas na sua destinação. Um bem ou uma coisa toma o nome de mercadoria quando destinada à comercialização. Conforme sustentamos, mercadoria é espécie do gênero bem [2] .
O STF também já manifestou o seu entendimento que somente a saída física da mercadoria que implique uma operação de circulação jurídica, isto é, que represente transmissão de propriedade ou de posse dessa mercadoria por quem exerce a mercancia, com frequência e habitualidade, é que configura o fato gerador do ICMS [3].
É claro que a Constituição pode dar um conceito autônomo de Direito Tributário sem se subordinar as categorias jurídicas ditadas pelo Direito Privado, tanto é, que em seu art. 155, inciso II, combinado com seu § 3º, conferiu à energia elétrica a natureza de mercadoria, apesar de não ser um bem corpóreo.
Contudo, com exceção da expressa definição conceitual prevista na própria Constituição Federal, as categorias jurídicas de Direito Privado utilizadas para definir ou restringir competências tributárias, são vinculantes dentro do Direito Tributário. Dessa forma, tem plena aplicação o disposto no art. 110 do CTN que assim prescreve:
“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Ora, não é o que acontece com os créditos de carbono ou com os créditos acumulados junto ao IBAMA.
Ainda que preenchidos, dois dos requisitos para configuração do fato gerador do ICMS, quais sejam, a natureza mercantil da cessão desses créditos e a sua habitualidade falece o requisito essencial, consistente em operação relativa à circulação de um bem tangível ou corpóreo que possa ser traduzida por uma obrigação de dar.
Os créditos de que cuida este estudo são bens intangíveis não passiveis de tradição.
Esclareça-se que com relação aos créditos de carbono, representados por um Certificado de Emissões Reduzidas (CER), o que se negocia não é o certificado em papel ou qualquer outro documento, mas, os créditos nele consignados que são bens incorpóreos.
Embora não haja jurisprudência a respeito da matéria, é certo que não cabe a cogitação de incidência do ICMS, onde inexiste a circulação jurídica de um bem corpóreo, a menos que, no futuro, o próprio texto constitucional venha conferir a esses créditos a natureza de bens materiais para fins de incidência do imposto.
SP, 13-11-17.
[1] COP17 prorrogou a vigência desse Protocolo até 2017.
[2] Conf. nosso Dicionário Direito Público. 2º Edição. São Paulo: MP Editora, 2005, p.261.
[3] RE nº 203075/DF, Relator para Acórdão Min. Maurício Corrêa, DJ de 29-10-1999.
Kiyoshi Harada
é Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Autor de 31 obras jurídicas publicadas por diferentes editoras. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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