Nos últimos anos, a terceirização tornou-se um tema amplamente debatido no Brasil. Alguns colocaram-na como vilã incondicional. Outros a posicionam num pedestal, como possível salvadora da economia. Acreditamos que qualquer uma dessas visões tenha graves falhas.
A terceirização, originalmente, não era uma coisa ruim. É natural que uma empresa queira contratar mão de obra regularmente treinada e qualificada para algumas tarefas, como a de fazer a segurança da sua sede, por exemplo. Neste caso, busca-se uma empresa que dedique-se exclusivamente a isso e que tenha capacidade de desempenhar esta tarefa com qualidade, fornecendo uma mão de obra específica e capacitada para tanto.
No entanto, a terceirização começou a ser distorcida, tornando-se um mecanismo de manobra para reduzir não apenas os custos, mas também a responsabilidade da empresa tomadora de serviços por eventuais dívidas trabalhistas. Neste aspecto, passamos a ter, efetivamente a terceirização como uma vilã no cenário brasileiro, uma vez que, descaracterizada, ela passa a ser uma ameaça para a segurança de milhares de trabalhadores.
Na última semana a Câmara aprovou por maioria o projeto de lei (PL 4302/98) que permite a terceirização generalizada. Até o presente momento, a questão está regulada por uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 331), que afirma que a empresa só pode terceirizar as atividades meio (aquelas que configuram mero apoio para que a empresa desenvolva sua atividade principal), e não a atividade fim. Ou seja, atualmente um hospital é obrigado a contratar diretamente médicos e enfermeiros, assim como uma escola não pode terceirizar os professores. De acordo com o projeto de lei aprovado, agora todas as atividades poderão ser terceirizadas.
Alguns perguntam qual é o prejuízo real para o trabalhador. Esta é uma pergunta de difícil resposta, já que os prejuízos são muitos. Podemos mencionar questões cotidianas como a falta de rotina homogênea, podendo ser enviado para diversas empresas diferentes ao longo do mês; a dificuldade de criar vínculos com colegas de trabalho por conta desta variação e a sensação de insegurança que tudo isso gera. Podemos mencionar questões jurídicas como a dificuldade de sindicalização, como o enfraquecimento das categorias de trabalhadores, como a problemática da empresa tomadora ter mera responsabilidade subsidiária por dívidas trabalhistas.
Mas ainda acredito que as questões sociais e psicológicas que derivam da terceirização generalizada sejam tão perigosas quanto as demais mencionadas neste cenário. Sempre comentava com meus alunos que a grande diferença entre a escravidão e a servidão era que o escravo era visto como um bem e o servo já passava a ser visto como pessoa. Mas no Brasil, com tais mudanças, a noção do trabalhador ser um ser humano foi corre o risco de desaparecer. Com a aprovação da terceirização em todas as atividades, o trabalhador fica despersonalizado mais uma vez. Trata-se de “mão de obra”, de mero “prestador de serviços”, não mais de uma pessoa.
Quando uma empresa tem um empregado, ele tem nome, história e vínculos. Sabe-se que ele tem um filho com síndrome de down, um pai com câncer e que sofre de vitiligo. Já sobre o terceirizado, a empresa não precisa saber nada. Se ele não puder vir, virá outro. José ou João, tanto faz. Não se sabe o nome de nenhum deles. Eles chegam, trabalham e vão embora. Não se sabe se voltam amanhã, nem se saberá se eles morrerem no caminho de casa.
Podem tentar justificar a medida com a crise, mas quem estuda Direito Internacional do Trabalho há muitos anos sabe bem que isso não é solução. Que, em qualquer país desenvolvido precarizar o Direito do Trabalho não é uma opção. Jogar anos de conquistas no lixo não é uma opção. Sacrificar pessoas para agradar grandes empresas- sobretudo multinacionais- nunca deveria ser uma opção. Num país com um executivo e um legislativo sérios, crise nenhuma justificaria tamanha ameaça aos direitos dos trabalhadores.
Ruth Manus
é Doutoranda em Direito Internacional Público. Mestre em Direito do Trabalho. Pós graduada em Direito do Trabalho e em Direito Europeu. Cursou extensão em Direito Processual do Trabalho. Professora de graduação de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Internacional. Professora convidada da Especialização em Direito do Trabalho. Colunista. Advogada.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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