Ainda que exista autorização expressa em
lei para a ampla terceirização, na prática
a norma não dará segurança para que as
empresas possam substituir todos os
trabalhadores registrados. A análise de
especialistas é que o Projeto de Lei nº
4.302/1998, aprovado nesta semana pela
Câmara dos Deputados, não livra as
empresas de cumprir normas da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
e enfrentar processos na Justiça.
Atualmente, nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) tramitam mais de
50 mil processos sobre o tema.
"A proposta de lei tem um caráter de generalidade, por isso quem vai
delimitála será a Justiça do Trabalho", avalia a desembargadora aposentada
e expresidente do TRT de São Paulo, Maria Aparecida Pellegrina, hoje sócia
do Pellegrina & Monteiro Advogados.
Um dos principais pontos levantados por advogados e magistrados é a possibilidade de o empregado ainda que terceirizado obter o vínculo com a companhia contratante dos serviços.
Isso poderia ocorrer se o terceirizado demonstrasse
que cumpria ordens, horários e normas internas da
tomadora de serviços, assim como a habitualidade
(comparecer ao menos três vezes por semana ao
local de trabalho). Esses requisitos, além da
pessoalidade, estão previstos nos artigos 3º e 4º da
CLT.
"Se um banco terceiriza os seus caixas, por exemplo,
mas eles recebem ordens do gerente da agência, têm horário para entrar e
sair estabelecido pela instituição", fica caracterizado o vínculo", exemplifica a
professora e advogada Dânia Fiorin Longhi. De acordo com ela, o próprio
texto do projeto diz que esse terceirizado precisa estar subordinado à
prestadora de serviços.
A advogada Cássia Pizzotti, sócia da área trabalhista do Demarest Advogados
afirma que a lei deve trazer novos investimentos para o Brasil e aumentar
contratações. "Assessorei um caso recente de uma empresa que estrangeira
que ia se estabelecer no Brasil com 20 mil empregados mas desistiu quando
soube que a terceirização não era regulamentada por lei". Porém, de acordo
com Cássia, a norma não deve permitir que fraudes aconteçam.
"
A mudança não é tão radical quanto parece. Houve a aprovação de uma
terceirização de forma mais abrangente porque ela passa a ser lícita em
qualquer atividade, mas isso não significa que se possa terceirizar
irrestritamente, violando o que dispõe a CLT".
A única discussão que a proposta, se sancionada, finalizará no Judiciário é se os terceirizados estão na
atividade-meio ou atividade-fim, segundo Cássia. Hoje são esses os termos que a Justiça do Trabalho utiliza
para permitir ou não a terceirização. A terceirização da atividade-fim ou a principal é vedada pelo Tribunal
Superior do Trabalho (TST) por meio da Súmula nº 33
Com a possibilidade da terceirização ser aprovada, alguns setores como promoção de vendas, logística,
teleatendimentos ou televendas terão mais segurança para usar esse meio de contratação, segundo a advogada.
Uma fábrica de maionese não precisa contratar como empregado uma pessoa que faz promoção de vendas no
supermercado ou uma indústria pode terceirizar a produção de embalagens de seu produto.
Por outro lado, a advogada Maria Aparecida Pellegrina avalia que a terceirização de 100% dos funcionários de
uma empresa poderá ser considerada fraude pela Justiça do Trabalho. E que situações como essas deverão ser
observadas pelos sindicatos.
Professor de Direito do trabalho do Damásio Educacional Leone Pereira, sócio do PMR Advogados, ressalta que
tudo dependerá da interpretação da Justiça do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação à
nova lei. "Cada juiz poderá declarar a inconstitucionalidade da lei nos processos que julga, há essa
possibilidade e as entidades devem ir ao Supremo", diz.
Um impacto direto da norma é a precarização das condições de trabalho, segundo o professor. Uma empresa
de siderurgia situada em Carapicuíba, por exemplo, que tem como piso salarial para a categoria estabelecido
pelo sindicato de R$ 1.700, pode decidir terceirizar sua mão de obra para outra cidade que tenha o piso mais
baixo.
A professora Dânia lembra, porém, que a Justiça do Trabalho tem aplicado em discussões sobre terceirização o
que se chama de teoria do salário equânime. Nesses caso, os magistrados equiparam a remuneração dos
terceirizados a dos contratados que exercem as mesmas funções.
Para Leone Pereira, a nova norma traz ainda mais insegurança ao trabalhador do que o projeto discutido no
Senado. Isso se deve ao fato de haver a responsabilidade subsidiária, como a Justiça do Trabalho vem
aplicando hoje e não solidária. "Esse projeto de lei desampara o trabalhador. Seria melhor a responsabilidade
solidária, que eu posso escolher por quem responde pela integralidade da dívida. Com a subsidiária vai
demorar mais no processo para chegar na tomadora", diz.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Silveira de
Siqueira, afirma que foi aprovado o pior dos projetos em tramitação que regulamentam a terceirização. "Esse
projeto não traz nenhuma garantia aos trabalhadores e segurança jurídica para as empresas por trazer
conceitos abstratos, e deve aumentar a demanda na Justiça do Trabalho", diz. Siqueira acredita que o
presidente da República, Michel Temer, deve vetar o projeto na integralidade ou parcialmente. Caso isso não
ocorra, afirma que a entidade estuda ir ao Supremo contra a norma.
Entre as críticas afirma que a proposta não prevê equivalência salarial entre terceirizados e empregados, não
estabelece regras para evitar acidentes de trabalho e permite a terceirização ampla, o que deve gerar
precarização. Segundo ele, hoje são aproximadamente 12 milhões de trabalhadores terceirizados e 35 milhões
de contratados diretamente, números que podem ser invertidos com a aprovação do texto.
Com relação ao número de acidentes de trabalho no Brasil, de dez acidentes, oito acontecem com empregados
terceirizados. "O projeto é muito preocupante. Ele permite que sua companhia aérea substitua sua equipe de
pilotagem por uma terceirizada", afirma.
Fonte: Valor.com.br/
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