1. SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
Buscando alcançar a racionalidade ínsita às entidades lógicas, é necessário distinguir os termos “ordenamento”, “direito positivo” e “sistema”. Segundo leciona Paulo de Barros Carvalho, “Sistema é o discurso da Ciência do Direito, mas sistema também é o domínio finito, mas indeterminável do direito posto”,[1] adverte ainda que “as normas jurídicas formam um sistema na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. Trata-se do direito posto, que aparece no mundo integrado numa camada de linguagem prescritiva”.[2]
Sistema jurídico, segundo ensina o autor, pode referir tanto o sistema da Ciência do Direito como o do direito positivo, embora em ambos sua natureza seja bastante distinta. “São dois corpos de linguagem, dois discursos linguísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas”.[3]
O princípio federativo se encontra preconizado no artigo 1º da Constituição Federal, o qual destaca ser o Brasil uma República Federativa, formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e do Distrito Federal.
Conforme leciona Roque Antônio Carrazza, “(…) cada Federação tem uma fisionomia própria: a que lhe imprime o ordenamento jurídico local”.[5]
Verifica-se, a partir da interpretação do artigo 1o da Constituição Federal e dos demais que organizam o Estado, que a forma federativa é resultante da descentralização político-administrativa das funções estatais.
Tais premissas nos permitem afirmar que, em face da isonomia inerente às pessoas políticas de direito público, quais sejam União, Estados-Membro, Municípios e Distrito Federal, própria dos estados federativos, inexiste hierarquia entre suas normas, ou seja, não há precedência ou prevalência das normas federais sobre as estaduais e distritais e destas sobre as municipais, o que há, conforme exposto, é uma hierarquia entre as espécies normativas, tal qual previsto no artigo 59 da Constituição da República.
O sistema harmônico e racional de normas constitucionais tributárias integra o chamado Sistema Constitucional Tributário, o qual é um subsistema que congrega proposições normativas com amplitude global.
A Constituição Federal Brasileira, em matéria tributária, é tão rígida como analítica, disciplinando-a em dezessete artigos, nos quais atribui competências às pessoas políticas de direito público para instituir tributos, define as espécies tributárias e estabelece os princípios e as imunidades, fazendo-o com o escopo de limitar o exercício da respectiva competência.
Dado o perfil do Sistema Constitucional Tributário, Geraldo Ataliba afirmava que “Direito Tributário no Brasil é Direito Constitucional”.
2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA
2.1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
No Brasil, o exercício da competência tributária é prerrogativa do Poder Legislativo, que pode instituir tributos, por meio de lei ordinária ou complementar – esta última, nas hipóteses de empréstimo compulsório e impostos da competência residual da União.
Na dicção de Paulo de Barros Carvalho:
No plexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde a que contemple o próprio fenômeno da incidência até aquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de providências, circundando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a realização concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito ativo, bem como dos deveres cometidos ao sujeito passivo.
A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.[6]
Em consonância com a lição do referido mestre, a competência tributária integra o rol das prerrogativas de índole legislativa atribuídas às pessoas políticas de direito público em matéria tributária e possui características que lhes são próprias, quais sejam: a irrenunciabilidade, a incaducabilidade e a indelegabilidade.
Referindo a lição de Roque Antonio Carrazza, quanto às características da competência tributária, Paulo de Barros Carvalho estabelece ressalvas no sentido de registrar que a privatividade, a facultatividade e a alterabilidade não seriam, segundo sua compreensão, características da competência tributária.[7]
No que concerne à privatividade, registra que só se pode admitir tal atributo em relação à competência impositiva da União, fundamentando tal entendimento na compreensão de que, no eventual exercício da competência extraordinária,[8] a União pode criar e cobrar tributos que são da competência dos Estados-Membros e Municípios, circunstância esta que de per se não afasta a privatividade como uma das características da competência tributária.
Quanto à facultatividade, a doutrina[9] diverge sobre a possiblidade de ser ou não arrolada como uma das características da competência tributária.
Paulo de Barros Carvalho manifesta-se no sentido da impossibilidade de se afirmar categoricamente que a facultatividade integra o rol das características da competência tributária, e fundamenta tal entendimento na vedação constitucional, dirigida aos Estados-Membros, de concessão de incentivos e benefícios ficais, sem aprovação unânime no âmbito do CONFAZ,[10] e bem assim na exigência de que criem por lei o referido imposto. No entanto, conquanto não arrole a facultatividade como característica da competência tributária pelo motivo exposto, reconhece que, à exceção da hipótese descrita, que a competência tributária é facultativa, exemplificando tal entendimento com imposto sobre grandes fortunas – que até hoje não foi criado pela União – e com os impostos municipais, quando não criados pelos Municípios, muitos dos quais se contentam com a participação na receita do ICMS.
Entende-se que, embora como regra geral, a competência seja de fato facultativa, a exceção em relação ao ICMS é bastante em si mesma para impedir que a facultatividade seja arrolada como uma das características da competência tributária.[11]
Divergências doutrinárias a parte, no que concerne especificamente ao ICMS, há concordância dos autores de que a competência tributária é facultativa, pois as pessoas políticas podem ou não, por seus respectivos Poderes Legislativos, atendendo a razões de conveniência e oportunidade, exercê-las, editando as normas padrão de incidência dos tributos de sua competência.
A opção de criar ou não tributos é uma decisão discricionária dos titulares da atividade legislativa. Trata-se de uma opção política.
Sendo o exercício da competência tributária uma prerrogativa legislativa, e inexistindo mecanismos eficientes na Constituição Federal que obriguem o Legislativo a legislar, inclusive instituindo tributos, a facultatividade é ilação a que se chega a partir da interpretação sistemática das normas constitucionais e, por esta razão, não se pode afirmar, em relação ao exercício da competência tributária, que a inércia do legislador caracteriza omissão inconstitucional. Efetivamente, exceto no que concerne ao ICMS em que o não exercício da competência tributária representa uma forma de exoneração tributária e, consequentemente, de um benefício fiscal, não há, em relação à competência tributária um “dever” de legislar, ou seja, não há imposição constitucional de legislar.
Observa José Joaquim Gomes Canotilho que:
(…) a omissão legislativa inconstitucional significa que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, pois, apenas de um simples negativo “não fazer”, trata-se, sim, pois, apenas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava constitucionalmente obrigado.[12]
Portanto, exceto no que concerne ao ICMS, a Constituição Federal, não obriga as pessoas políticas de direito público interno, titulares das competências impositivas, a legislar instituindo concretamente tributos. Ao revés, estabelece explicitamente no artigo 145 caput que União, Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal, “poderão” instituir os tributos nele arrolados, quais sejam, impostos, taxas e contribuição de melhoria.[13]
Neste dispositivo, o legislador constituinte utilizou, intencionalmente, o termo “poderão”, pois pretendeu atribuir uma faculdade ao legislador infraconstitucional. Se, por outro lado, sua intenção fosse a de estabelecer o dever absoluto de instituir os tributos referidos, teria certamente empregado o termo “deverão”. Não o fez, no entanto. Preferiu a atribuição de uma prerrogativa à imposição de um dever. O modal deôntico[14] empregado no artigo 145 da Constituição Federal foi certamente o de “permitir”, não o de “obrigar”.
Assim, em face da competência extraordinária exclusiva da União, a privatividade é característica exclusiva do ente federal, argumento este que autoriza o reconhecimento de que a privatividade não pode ser elencada genericamente entre as características da competência tributária.
Por outro lado, além da exclusividade da União para exercer a competência extraordinária para instituir impostos em caso de guerra externa ou sua iminência, também apenas a União possui competência residual para instituir outros impostos além dos arrolados no artigo 153 da Constituição Federal.
Segundo autorização contida no artigo 154, inciso I,[15] do texto constitucional, apenas a União poderá instituir outros impostos além daqueles insertos na sua competência impositiva, desde que sejam não cumulativos, não possuam fato gerador ou base de cálculo próprios de outros impostos previstos na Lei Maior e observada a condição de que se faça por lei complementar.
Embora a competência residual seja importante prerrogativa da União, já que amplia sensivelmente suas possibilidades arrecadatórias, cônscio de que o exercício de tal faculdade poderia incrementar a carga tributária em prejuízo do sujeito passivo da obrigação tributária, o legislador constituinte impôs requisitos a serem observados concomitantemente, quando do exercício da competência em questão, quais sejam: a criação do imposto por lei complementar; a vedação de que tenha fato gerador ou base de cálculo próprios de outros impostos, previstos na Constituição Federal; e a não cumulatividade.
Finalmente, quanto à inalterabilidade, embora, de fato, as competências tributárias não possam ser alteradas, reduzidas ou ampliadas, pelas próprias pessoas políticas titulares do seu exercício, o legislador constituinte poderá fazê-lo no exercício do Poder Constituinte derivado, o que, aliás, com não rara frequência, acontece no Brasil.
2.2 CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA
Editada a lei instituidora do tributo e operado o fenômeno da incidência, surge, ao sujeito ativo da relação jurídico-tributária – União, Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal –, o direito subjetivo de exigir a prestação tributária. Tal prerrogativa arrecadatória é a chamada capacidade tributária ativa e é ínsita ao plexo de atividades exercidas pelas respectivas administrações fazendárias.
Em relação à prerrogativa dos ocupantes do polo ativo da relação jurídico-tributária, importa destacar que a cobrança de tributos pode visar distintos propósitos, são as conhecidas funções fiscal e extrafiscal da tributação.
A tributação tem como objetivo fundamental o abastecimento e a manutenção dos cofres públicos, com vistas a viabilizar o financiamento das instituições democráticas e a consecução dos desideratos e incumbências atribuídos ao Estado pelo texto constitucional.
Não se discute que a sociedade deve pagar tributos para fazer frente aos gastos inerentes ao Estado Democrático de Direito, pois os serviços e as obras públicas têm elevados custos e aqueles que deles se beneficiam devem arcar com as respectivas despesas, inclusive as decorrentes da observância dos direitos e das garantias fundamentais, cujo respeito também demanda elevados custos.
Os tributos cujas cobranças visam ao financiamento do Estado no cumprimento de suas funções institucionais são os tributos fiscais. Noutro giro semântico, trata-se da fiscalidade, referida em linhas anteriores. Por outro lado, há tributos cuja cobrança, embora, em última análise, também se prestem a abastecer os cofres públicos, buscam precipuamente atuar regulando alguma situação social, econômica ou política. Tratam-se dos tributos regulatórios, qualificados como extrafiscais.
Acreditamos que alguns tributos, embora persigam objetivos distintos daqueles atinentes ao abastecimento dos cofres públicos, sempre, em maior ou menor intensidade, resultarão em ingresso de recursos nos cofres públicos, o que nos permite afirmar, na linha do que defende Paulo de Barros Carvalho, que há tributos vocacionados à fiscalidade e outros à extrafiscalidade. No entanto, em hipótese alguma poderão ser adjetivados como exclusivamente fiscais ou extrafiscais.
São do citado mestre as seguintes palavras:
Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre outro.[16]
Finalmente, no que concerne ainda à capacidade tributária ativa, hipóteses há em que a titularidade do direito subjetivo de exigir a prestação é delegada a terceiros, que arrecadam os respectivos recursos e os aplicam às suas finalidades. Trata-se da parafiscalidade. Assim, embora a competência tributária seja indelegável e irrenunciável, a capacidade tributária ativa pode ser delegada às pessoas políticas de direito público e às de direito privado que desempenhem atividades de interesse público.
O exemplo mais conhecido de parafiscalidade no sistema brasileiro foi o das contribuições sociais previdenciárias ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, que as arrecadava e aplicava às suas finalidades. Com a criação da Receita Federal do Brasil – RFB, referidas contribuições perderam a condição de parafiscais, pois passaram a ser diretamente arrecadas pela União.
No sistema tributário brasileiro, há, no entanto, outros exemplos de parafiscalidade, como as anuidades pagas por advogados para a Ordem dos Advogados do Brasil ou, ainda, do ITR quando arrecadado pelos Municípios, na hipótese do convênio previsto na Lei nº 11.250 de 27/12/2005.[17]
Em linha de conclusão, é relevante destacar que o ente parafiscal se distingue do mero agente arrecadador. Este atua cobrando o tributo, o que se dá, inclusive, por previsão legal, mas não aplica os recursos arrecadados, ao revés, entrega-o ao sujeito ativo da relação jurídico-tributária que atribuirá a destinação constitucional ao produto da arrecadação; aquele arrecada o tributo aplicando-o às próprias finalidades.
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
O legislador constituinte, ao tempo que atribuiu o poder de instituir tributos às pessoas políticas de direito público, fazendo-o no âmbito do Sistema Constitucional Tributário, limitou o exercício de tal prerrogativa ao estabelecer os princípios e as imunidades. Quanto aos princípios, o Sistema contempla princípios explícitos e implícitos. São explícitos, os princípios da legalidade, isonomia, capacidade contributiva, vedação da cobrança de tributos com efeito de confisco, irretroatividade, anterioridade, anterioridade nonagesimal, limitação aos tráfegos de bens e pessoas por meio de tributos, uniformidade tributária e não cumulatividade. São implícitos, os princípios da segurança jurídica do contribuinte, da justiça tributária, da tipicidade e da vinculabilidade da tributação.
Ao refletir sobre os princípios constitucionais tributários, Paulo de Barros Carvalho reconhece a existência de “princípios-valor” e de “princípios limites-objetivos”, empreendendo a seguinte classificação:
Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente de estruturas normativas; d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos temos “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”.[18]
Da lição aqui colacionada, infere-se que o Sistema Constitucional contempla normas despidas de carga valorativa, ou com carga valorativa incipiente e outras que assumem posição privilegiada no Sistema Constitucional Tributário, possuindo alta carga de valores. As primeiras veiculam regras e as demais princípios.
Segundo leciona Jesus Gonzáles Perez: “Os princípios jurídicos constituem a base do ordenamento jurídico, a parte permanente e eterna do Direito e, também, o fato constante e imutável que determina a evolução jurídica, são as ideias fundamentais informadoras da organização jurídica da Nação”.[19]
Preponderantemente, a doutrina se posiciona no sentido de que os princípios constitucionais gerais, e assim também os tributários, têm todos eficácia plena e aplicabilidade imediata, pois, por serem vetores para soluções interpretativas, não seria plausível que não fossem dotados de plena eficácia. Por outro lado, também fundamenta tal posição doutrinária o fato de que os princípios constitucionais tributários veiculam direitos e garantias fundamentais, o que é, inclusive, o marco teórico da doutrina neoconstitucionalista, que prega a plena efetivação dos referidos direitos e garantias.
Não pensamos que todos os princípios constitucionais tributários tenham eficácia plena. Quanto aos princípios-valor, como já nos manifestamos anteriormente, “por serem, alguns princípios constitucionais, vagos e indeterminados, devem ser concretizados pelo legislador ou pelo juiz, obedecidos os limites e a vinculação decorrente do próprio Texto Constitucional”.[20]
Não se trata de neutralizar a eficácia dos princípios-valor, mas de reconhecer que possuem eficácia reduzida, contrariamente aos princípios limites-objetivos, dotados de alto grau de eficácia.
3.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Como referimos em passagem anterior do presente estudo, a prerrogativa de instituir tributos é disciplinada e limitada por um rol de disposições constitucionais. Entre tais limitações, figura aquela que veda o seu exercício por meio de instrumentos introdutórios de normas jurídicas, que não a lei em sentindo estrito. Tal exigência se deve, fundamentalmente, ao fato de que o Sistema contempla mecanismos para que a sociedade, por seus legisladores democraticamente eleitos, manifeste a sua anuência na cobrança e majoração de tributos, razão pela qual, a lei, referida no artigo 150, inciso I,[21] da Constituição Federal, é aquela editada pelo Poder Legislativo, no âmbito do qual devem ser observadas todas as etapas regulares de tramitação. Tal procedimento, quando observado, atribui legitimidade à instituição e ao aumento de tributos, segundo as exigências de um Estado Democrático de Direito, como é o nosso.
Destacamos que o princípio da legalidade há de ser observado, igualmente, para a redução da carga tributária, pela concessão de qualquer incentivo ou benefício fiscal, segundo preceitua o artigo 150, § 6º, do texto constitucional,[22] o que se mostra necessário diante do fato de que são hipóteses de renúncia fiscal comprometedoras do orçamento público.
A lei é o instrumento pelo qual o povo manifesta a sua vontade. É por meio dela que os legisladores, representantes da vontade popular, introduzem normas primárias que disciplinam o relacionamento dos membros de uma sociedade, sempre tendo como objetivo precípuo, o bem comum.
A lei, no Estado de Direito, deve ser geral, abstrata e igual para todos aqueles que se encontram em situação jurídica equivalente.
No Brasil, por força do preceituado na Constituição, no artigo 5º, inciso II, só a lei pode compelir as pessoas a fazerem ou deixarem de fazer algo.
A convivência dos homens em uma mesma sociedade, só se torna viável se houver leis que restrinjam a liberdade individual. No entanto, no Estado de Direito, tais restrições só podem ser impostas por leis que tenham caráter geral e igualitário.
O legislador constituinte consignou de forma explícita, entre as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 150, inciso I), o princípio da estrita legalidade tributária.
Em nosso sistema tributário não é admissível que o dever de pagar tributos não tenha sido instituído por lei em sentido estrito, ou seja, pelo instrumento primário introdutor de normas jurídicas. É o chamado princípio da estrita legalidade tributária.
Inferimos do princípio da estrita legalidade tributária, que o sujeito passivo tem duas garantias em relação à atuação da administração fazendária. Em primeiro lugar, todo e qualquer tributo só pode ser criado por lei ordinária ou complementar. Em segundo, devem existir mecanismos administrativos e judiciais revisores da legalidade da tributação.
Em matéria tributária, o princípio da legalidade, como afirma Ferreiro Lapatza, trata de garantir que a imposição tributária seja feita por lei que atenda à igualdade e à generalidade, dirigida ao interesse de todos, e não por contratos que objetivem a defesa de interesse das partes que neles intervêm. Só a lei pode, tendo em vista os vários interesses em jogo, garantir o interesse geral. Os tributos, enquanto afetam todos os membros da comunidade, só podem ser estabelecidos por lei.[23]
Não apenas a instituição do tributo deve se dar por meio de lei, mas também somente a lei pode criar deveres instrumentais e descrever infrações tributárias, cominando-lhes as respectivas sanções.
Só a lei – tomada na acepção técnico-jurídica de ato do Poder Legislativo, decretado em obediência aos trâmites e formalidades exigidas pela Constituição – é dado criar ou aumentar tributos.[24]
A doutrina jurídica tradicional tem se referido ao termo “lei” expresso no texto do artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, como sendo lei em sentido formal e em sentido material.[25]
Assim, a palavra “lei” abrange tanto a ordinária como a complementar. Ambas são leis em sentido estrito. Distinguem-se precisamente no ponto em que a lei complementar exige quorum qualificado para aprovação e conta com uma série de matérias das quais privativamente deve tratar.
Alberto Xavier ensina:
Não obstante a existência de dupla classificação, dupla conotação, no Brasil, o princípio da legalidade, no que pertine à instituição ou aumento de tributos, tem se manifestado como princípio da reserva absoluta da lei formal, ‘entendido no sentido de que a lei ordinária (federal, estadual ou municipal), necessariamente minuciosa’, (…) ‘deve conter não só o fundamento da Administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto, de modo que esta possa ser obtida’(…) por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato à norma, independentemente de qualquer valoração pessoal.[26]
O princípio da legalidade no Direito Tributário não exige, apenas, que a atuação do Fisco se dê em consonância com o contido na lei, mas impõe também que cada ato concreto do fisco tendente à fiscalização e arrecadação tributária, seja necessariamente pautado em lei em sentido orgânico-formal. É o que se convencionou chamar de reserva absoluta da lei formal, ou de estrita legalidade.
Ao impor que a “exigência” de tributos deve se dar por lei, o constituinte impôs ao legislador que descreva no instrumento normativo respectivo, de forma pormenorizada, os critérios da sua regra-matriz de incidência.
O princípio da legalidade exige, outrossim, que a lei descreva rigorosamente os procedimentos a serem adotados pela autoridade fazendária quando do lançamento do tributo, bem como as medidas que devem ser adotadas para o seu recolhimento.
Segundo Geraldo Ataliba e J. A. Lima Gonçalves:
Toda a sistemática criada pela Constituição converge para culminância essencial que é o objetivo último da disciplina constitucional: estabelecer segurança do direito e garantia dos contribuintes. Na verdade, o quantum a ser desembolsado é que afinal vai interessar, sendo tudo o mais instrumento do implemento das garantias, que a Constituição dá, daí a razão pela qual a fixação do quantum direta ou indiretamente está subordina à legalidade. É universal a chamada “teoria do fato gerador” ou “teoria da hipótese da incidência”, que é construção fundamental do Direito Tributário, que exatamente visa a erigir um conjunto sistematizado e harmônico de categorias, como instrumento de interpretação da Constituição e das Leis, tendo em vista dar a maior eficácia possível à proteção que a Constituição assegura aos contribuintes contra o arbítrio e mesmo a discrição administrativa, em matéria tributária. Segundo esta teoria, na lei se devem conter todos os dados normativos que levam à configuração de uma obrigação, à determinação do seu sujeito passivo e, sobretudo, do quantum devido. Essa teoria não precisa ser ainda mais explicitada, pois é rigorosamente universal.[27]
A redução do prazo, bem como a modificação dos critérios para o recolhimento dos tributos, implica, ainda que de forma indireta, aumento da carga tributária e, portanto, devem obedecer ao princípio da estrita legalidade. A reserva de lei impõe que o Legislativo, com exclusividade, disponha a respeito.
Gian Antonio Michelli ensina:
A esse propósito a Carta Constitucional expressou-se, muitas vezes, no sentido de que é suficiente a determinação por parte da lei de alguns elementos básicos do tributo e critérios para a determinação dos outros. Tal tendência, apoiada também pela doutrina, não persuade completamente, pois o preceito constitucional não se limita a estabelecer que o tributo deve ser instituído com base na lei, mas diz com precisão que tal prestação coativa não pode ser imposta, senão com base em lei.[28]
Tal afirmação nos leva a crer que a lei que instituir tributo deve conter todos os elementos estabelecedores do conteúdo da prestação, excluindo assim todo e qualquer arbítrio por parte do Poder Executivo, fazendo valer a segurança jurídica e realizando, consequentemente, o Estado de Direito.
Portanto, no Brasil, qualquer oneração ou exoneração tributária deve ser veiculada por lei em sentido orgânico-formal.
3.1.2. PRINCÍPIOS DA TIPICIDADE E DA VINCULABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO
Relacionados ao princípio da legalidade estão os princípios da tipicidade tributária e, ainda, o da vinculabilidade da tributação. O primeiro decorrente das disposições do artigo 145, § 2º, e 154, inciso I, da Constituição Federal e o segundo expresso nos artigos 3º e 142 do Código Tributário Nacional.
Quanto ao primeiro, está diretamente relacionado à classificação dos tributos, no sentido de que põe em relevo a necessidade de que o veículo primário introdutor de norma jurídica que institui a regra-matriz do tributo estabeleça no antecedente fato jurídico que, se ocorrido e quando ocorrido, resulte na incidência da norma, cujo consequente deve descrever como base de cálculo da relação jurídica elemento que confirme o fato jurídico-tributário.
O que se quer afirmar é que o legislador, por imposição do princípio da tipicidade tributária não pode eleger, como base de cálculo, elemento estranho ao fato jurídico expresso no descritor normativo.
Efetivamente, a natureza jurídica de uma exação tributária é obtida pela conjugação do binômico hipótese de incidência e base de cálculo. É nesse sentido que a Constituição da República prevê, em seu artigo 145, § 2º, que “As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.
Também o artigo 154, inciso I, da Lei Maior, ao atribuir competência residual à União, estabelece que os impostos que forem criados como exteriorização de seu exercício não poderão ter fato gerador ou base de cálculo próprios de outros impostos discriminados no texto constitucional.
Assim, na condição de princípio tributário imediata e necessariamente decorrente do princípio da estrita legalidade tributária, o princípio da tipicidade da tributação pode ser definido, segundo Paulo de Barros Carvalho, em duas dimensões:
(i) no plano legislativo como a estrita necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo, de modo expresso e inequívoco, os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional; e (ii) no plano da facticidade, como exigência da estrita subsunção do evento aos preceitos estabelecidos na regra tributária que o prevê, vinculando-se, obviamente, à adequada correspondência estabelecida entre a obrigação que adveio do fato protocolar e a previsão genérica constante da norma abstrata, conhecida como “ regra-matriz de incidência”. [29]
Relacionado ainda ao princípio da estrita legalidade tributária está o princípio da vinculabilidade da tributação. Por imposição constitucional, que, inclusive, é reproduzida nos artigos 3º[30] e 142[31] do Código Tributário Nacional, os atos administrativos praticados pelos agentes da administração fazendária são rigorosamente vinculados às disposições legais que os disciplinam, ou seja, o agente público que pratica atos de fiscalização no interesse da arrecadação de tributos deve fazê-lo em estrita observância aos diplomas legais pertinentes, não lhes restando qualquer espaço para interferência subjetiva quanto à conveniência e oportunidade de sua prática.
Não se olvida que a atividade administrativa de fiscalização e arrecadação tributária é do tipo estritamente vinculada, a contrario sensu, não integra o rol das atividades discricionárias desempenhadas pela Administração Pública, nas quais há possibilidade de que o agente responsável siga a sua vontade no desempenho de suas tarefas funcionais. Em matéria tributária, tal possibilidade é, pode-se dizer, quase que inexistente. A afirmação que ora fazemos não é categórica, pois há uma hipótese em que a vontade do agente da administração fazendária pode ter alguma relevância ainda que reduzida ou diminuta por se operar dentro de limites impostos pela lei. Trata-se de parcelamentos e moratórias. Em uma ou em outra situação, o agente administrativo pode tomar algumas decisões seguindo as suas convicções e sua vontade, é o que ocorre, por exemplo, em relação à definição do número de parcelas em que poderá ser quitado o tributo.
De resto, o que efetivamente vigora é o princípio da vinculabilidade da tributação que limita a atividade dos agentes do Poder Executivo em matéria tributária ao que está estabelecido na lei.
3.3. PRINCÍPIO DA ISONOMIA
O artigo 150, inciso II,[32] da Constituição Federal Brasileira, contempla o princípio da isonomia tributária e ao fazê-lo veda que a lei tributária dispense tratamento diferenciado a contribuintes que estejam em situação equivalente.
Por seu turno, o artigo 145, § 1º,[33] da Lei Maior, impõe o respeito à capacidade contributiva na tributação por meio de impostos. Na dicção de Alfredo Augusto Becker, sendo o princípio da capacidade contributiva consectário do princípio da isonomia tributária, a contribuintes com igual capacidade contributiva (ability to pay), deve ser dispensado mesmo tratamento tributário, o que impõe, em consequência, que contribuintes que pratiquem fatos jurídico-tributários que revelem a mesma aptidão financeira devem ser destinatários do mesmo tratamento tributário.
A interpretação dos referidos dispositivos constitucionais impõe que se identifiquem as distinções entre sujeitos passivos, para que de forma igualitária lhes seja dispensado o respectivo tratamento tributário. Tais distinções devem ser razoáveis, a fim de que fique afastada a arbitrariedade, adotando-se critério que negue o favorecimento individual e a hostilidade.
A isonomia não impõe a dispensa de idêntico tratamento entre distintos sujeitos passivos, mas que todos aqueles que se encontrem na mesma situação recebam da lei, em matéria tributária, tratamento igualitário e com a mesma intensidade.
Segundo leciona Francisco Campos, o princípio em questão só adquire sentido, se há aplicação de tratamento comum a sujeitos passivos que se encontrem em situação equivalente.
Afirma:
Esta garantia não poderia ter qualquer sentido, se ao legislador fosse facultado editar leis endereçadas exclusivamente a uma pessoa ou a um grupo de pessoas, ou se a lei não fosse uma regra de direito concebida em termos gerais e com endereço determinado a uma categoria indeterminada de pessoas.
Em continuidade indaga o autor:
De que valeria, por exemplo, e para melhor concretizar a hipótese, garantia de que nenhum imposto me será exigido senão em virtude de lei, se amanhã o legislador poderá criar tão somente para mim um tributo, de cuja incidência todos os demais indivíduos, nas mesmas condições, seriam, entretanto, isentos ou excluídos?[34]
Acerca do princípio da isonomia tributária, também merecem referência as palavras do mestre da Wurzburg, Heinz Paulick, ao discorrer sobre a constituição alemã:
A justiça e a igualdade têm entre si, íntima relação, já que o princípio da igualdade se desenvolveu a partir da ideia de justiça. Se relativamente ao artigo 3º, parágrafo 1º, da Constituição, todos os homens são iguais perante a lei, isso significa que a lei tem que tratar o que é diferente de modo desigual, atendendo à sua peculiaridade.[35]
Segue afirmando que:
O legislador está constitucionalmente obrigado a criar um direito igual para tudo que é igual, e levar em consideração as desigualdades existentes. Visto assim, o artigo 3º, parágrafo 1º, da Constituição Alemã contém de uma só vez um imperativo de justiça e uma proibição do arbítrio. Lesa-se o princípio da igualdade quando não seja possível encontrar – para um tratamento igual ou uma diferenciação estabelecida pelo legislador – um fundamento razoável, resultante da natureza das coisas ou de qualquer modo conveniente; ou seja: quando a regulação disposta pelo legislador tenha que qualificar-se de arbitrária.[36]
O Estado Democrático está adstrito aos compromissos de liberdade e igualdade materiais, objetivando proporcionar uma vida digna para todos. Neste contexto, a observância da isonomia tributária impõe que o tributo deixe de ser apenas uma fonte de renda e passe a ser um instrumento de realização de justiça. A igualdade no tratamento tributário deixa de ser apenas formal, passando a ser materialmente um instrumento de redistribuição de riquezas.
Não há República sem igualdade, assim como não há regime democrático se o cidadão não for tratado com isonomia frente à lei, inclusive a tributária. A garantia ao tratamento isonômico equivale à negação de qualquer tratamento privilegiado.
Tal premissa é, por igual, aplicável às desonerações tributárias que não podem se converter em privilégios odiosos, os quais, segundo Ricardo Lobo Torres:
(…) são a autolimitação do poder fiscal, por meio da Constituição ou da lei formal, consistente na permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre os contribuintes ou receba, com alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais.
E conclui autor:
A odiosidade do privilégio, como qualquer desigualdade inconstitucional decorre da falta de razoabilidade para a sua concessão. Se o privilégio não atender ao ideal de justiça, se afastar do fundamento ético, se discriminar entre pessoas iguais ou se igualar pessoas desiguais, se for excessivo, se desrespeitar os princípios constitucionais da tributação, será considerado odioso.[37]
A Constituição Federal, no artigo 150, inciso II, veda o tratamento anti-isonômico fundado em critérios que não obedeçam à razoabilidade, como é o caso da distinção de tratamento em função de ocupação profissional. Nela também foi incluído o princípio da capacidade contributiva, que é consectário do princípio da igualdade.[38]
O sistema tributário isonômico é, portanto, aquele que observa a igualdade dos sujeitos passivos da relação jurídica tributária, tanto no que diz respeito à instituição e aumento de tributos, como no que se relaciona às reduções da carga tributária e que seja neutro, no sentido de que todos estejam sujeitos à mesma carga tributária, ou seja, sintam-na na mesma intensidade.
A igualdade na concessão de benefícios e incentivos fiscais revela um sistema justo e isonômico na distribuição da carga tributária, eis que emprega mecanismos redutores da tributação, com o propósito de equilíbrio do ônus tributário a que está sujeita a sociedade.
3.2.1 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O conceito de justiça é fundamental para o direito, mas é dotado, no entanto, de elevado nível de abstração e generalidade por ser um conceito imbuído de alta carga valorativa, o que, no mais das vezes, torna-o vago e impreciso.
O dever de pagar impostos, assim como o direito de cobrá-los, deve observar à moral e à ética de parte a parte, ou seja, do Estado para com o contribuinte e vice-versa.[39]
A adoção de uma postura ética por parte dos contribuintes se verifica, sobretudo, com o adimplemento das obrigações tributárias e com a observância dos deveres instrumentais e formais. O Estado, ao seu turno, atua eticamente quando institui, fiscaliza e arrecada tributos observando fielmente os direitos e as garantias do contribuinte.
Em um Estado Democrático de Direito, as leis hão de ser materialmente justas, no sentido de que sempre observem a igualdade, a solidariedade e a liberdade.
Esta é, precisamente, a razão pela qual o constituinte inseriu na Lei Maior o artigo 3º, inciso I, preceito em que declara expressamente como objetivo do Estado brasileiro “constituir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Só há sociedade livre, justa e solidária quando o sistema tributário é composto por leis tributárias materialmente justas. A política tributária há de ser, nessa medida, a política da justiça, aquela que reflita um comportamento revestido de moralidade no exercício do poder de tributar. É a também chamada ética fiscal, pressuposto para que os cidadãos igualmente ajam moralmente, suportando e cumprindo, o que Casalta Nabais, com irrefutável propriedade, chamou de “dever fundamental de pagar impostos”.
A vinculação entre o Direito Tributário e os direitos fundamentais é reconhecida pela doutrina contemporânea, que se consolida a partir da conscientização de que a tributação existe como forma de realização da justiça social, sendo um importante instrumento para que se alcance uma vida digna para todos.
A justiça fiscal só se realiza com a edição de leis tributárias que distribuam igualmente a carga impositiva, onerando mais pesadamente aqueles que têm mais aptidão para contribuir e desobrigando do pagamento de tributos, em especial de impostos, aqueles que, embora tenham capacidade econômica, não possuam aptidão para arcar com o ônus da tributação, pois toda a sua disponibilidade financeira é absorvida com a sua manutenção e a de sua família.
Para Klaus Tipke, a ética é a teoria do comportamento justo e moral. A ética tributária é, por sua vez, segundo afirma, a teoria que estuda a moralidade da atividade tributária dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e, bem assim, do comportamento do contribuinte.[40]
De acordo com o citado autor, a moral tributária envolve, ao mesmo tempo, a necessidade de o legislador observar a teoria do Direito Tributário justo e a postura do cidadão que paga tributos decorrentes de leis tributárias justas.
A Constituição brasileira, acompanhando a tendência internacional da positivação dos Direitos Humanos, estabeleceu um conjunto de direitos e garantias dirigidas aos contribuintes e refletidas em princípios norteadores da tributação, tais como: o da igualdade e o seu consectário, o da capacidade contributiva, o da legalidade, o da anterioridade, o da irretroatividade, o da vedação de cobrança de tributo com efeito de confisco e o da segurança jurídica que os agrega e deles é decorrente.
No Brasil, os princípios e as imunidades tributárias compõem um rol de limitações impostas ao exercício do poder de tributar, razão pela qual, são reconhecidas como direitos individuais oponíveis à atividade tributária arbitrária do Poder Público.
Segundo Klaus Tipke, não existe um critério uniforme de justiça para todo o Direito. Cada ramo do Direito deve eleger o seu,[41] sendo que no Direito Tributário a justiça revela-se com a observância do princípio da capacidade contributiva.
É certo que o Estado Fiscal cobra tributos para abastecer os cofres públicos e, assim, assegurar uma vida digna ao cidadão, proporcionando-lhe condições adequadas de habitação, educação e saúde.
O walfarestate ou Estado de bem-estar social decorre naturalmente de um sistema tributário justo que observe o princípio da capacidade contributiva, o qual está inserto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, e prevê que as imposições tributárias devam ser graduadas segundo a capacidade econômica dos contribuintes. O princípio em questão está estreitamente ligado ao princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que, genericamente, veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
Ínsito ao princípio da isonomia, o princípio da capacidade contributiva tem como principal consequência propiciar a realização da justiça fiscal, onerando mais pesadamente aqueles que manifestem maior capacidade contributiva e exonerando do pagamento de tributos a renda utilizada para fazer frente às despesas necessárias a uma vida com dignidade.
A chamada “renda consumida” há de ser excluída da base tributável para fins de aferição de capacidade contributiva. Trata-se da intributabilidade do mínimo existencial, referida por Francesco Moschetti, que afirmou:
(…) a capacidade contributiva é dada por aquela parte de potência econômica, da riqueza de um sujeito, que supera o mínimo vital. Com efeito, se capacidade significa aptidão, possibilidade concreta e real, não pode existir capacidade de concorrer para com os gastos públicos quando falte ou se tenha apenas o necessário para as exigências individuais.[42]
A observância do princípio da capacidade contributiva se concretiza a partir de leis que instituam tributos respeitando a aptidão para contribuir (ability to pay), tributando-se mais pesadamente quem tem maior capacidade contributiva, menos intensamente quem tem menor capacidade contributiva e exonerando do dever de pagar tributos aqueles que não têm condições financeiras para tanto.
No entanto, o legislador constituinte brasileiro incidiu em equívoco ao utilizar a expressão “capacidade econômica” no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, pois, tecnicamente, capacidade econômica e capacidade contributiva não se equivalem.
Capacidade econômica corresponde à potencialidade econômica, à manifestação de renda ou patrimônio, ou à disposição desta renda pelo consumo. Capacidade contributiva, por sua vez, pressupõe capacidade econômica, ou seja, potencialidade econômica, qualificada por um dever de solidariedade e superado o mínimo existencial e observado o limite da tributação com efeito confiscatório.
Assim, embora estejam intimamente relacionadas, as expressões não se equivalem, razão pela qual onde o constituinte afirma que os “impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, leia-se os “impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade contributiva do contribuinte”.
É ponto assente entre aqueles que estudam o Direito Tributário e em especial, os direitos humanos a ele relacionados, que o princípio da capacidade contributiva garante também o direito fundamental a uma vida digna.
Os sistemas que contemplam o princípio da capacidade contributiva impõem que a tributação alcance apenas a renda disponível das pessoas naturais e jurídicas para pagamento de tributos, estando implícito neste princípio a vedação absoluta de tributação incidente sobre a renda necessária à sobrevivência. Trata-se de regra imunitória implícita.
Ricardo Lobo Torres com absoluta propriedade adverte a propósito do tema:
A proteção do mínimo existencial no plano tributário, sendo pré-constitucional como toda e qualquer imunidade, está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e no princípio da igualdade. Não é totalmente infensa à ideia de justiça e ao princípio de capacidade contributiva. Mas se extrema dos direitos econômicos e sociais.[43]
O respeito à dignidade humana implica tem, portanto, a intributabilidade da renda mínima para garanti-la. Queremos afirmar, com isso, que observar o princípio da capacidade contributiva implica respeitar a intributabilidade do chamado mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial, não há capacidade contributiva, ou seja, se a renda auferida não superar o montante mínimo para fazer frente às necessidades existenciais do contribuinte e de sua família, não existe riqueza disponível a ser tributada.
A Constituição brasileira garante ao cidadão e à sua família uma vida digna. Para que tal garantia seja efetivamente eficaz, é necessário que as leis infraconstitucionais que instituem os tributos excluam de seu âmbito de incidência a renda consumida com as despesas necessárias para uma vida com dignidade.
Deixar de gravar o mínimo existencial é decorrência da fiel observância do princípio da capacidade contributiva. Não se pode falar em sistema tributário respeitante ao princípio da capacidade contributiva se houver cobrança de impostos sobre a renda mínima necessária para uma vida digna. A mera observância da proporcionalidade e da progressividade da tributação não é bastante em si mesma para determinar que um sistema seja justo, posto que respeitante à capacidade contributiva. Um sistema tributário justo, que efetivamente respeite a capacidade contributiva, deve revelar que a incidência de impostos, além de proporcional e progressiva, não alcança a renda mínima para a sobrevivência digna do cidadão e de sua família.
Importante ressaltar que o princípio constitucional da capacidade contributiva e bem assim o da isonomia tributária devem ser observados não só em relação ao dever de pagar tributos, mas também na redução da carga tributária por meio de isenções, benefícios e incentivos fiscais, revelando, com isso, justiça no exercício da competência tributária, como, aliás, salienta Becker:
O dever jurídico que a regra constitucional impõe ao legislador não é apenas o de escolher fatos-signos presuntivos de renda ou de capital para a composição da hipótese de incidência do tributo, mas também e principalmente o dever de criar isenções tributárias que resguardem a imunidade tributária do mínimo indispensável de capital e de renda social. A omissão neste sentido do legislador ordinário acarretara a inconstitucionalidade da lei tributária, se a hipótese de incidência do tributo, por si mesma, não constituir fatos-signos presuntivos de renda ou de capital acima do mínimo indispensável. Nota-se que o legislador ordinário, ao estabelecer a isenção tributária, cria o conceito jurídico de mínimo indispensável.[44]
Os sistemas tributários na sua quase totalidade são imperfeitos na medida em que são por demais onerosos e não realizam os ideais de justiça distributiva.
Não há uma relação necessária entre o grau de desenvolvimento econômico de um país e a qualidade de seu sistema tributário. Muitos dos países mais desenvolvidos do mundo têm sistemas extremamente onerosos, cuja carga tributária recai desigualmente sobre pessoas naturais e jurídicas. Nestes como naqueles pouco desenvolvidos, os mecanismos de exoneração da carga tributária são empregados tanto com propósitos regulatórios da economia, como com o objetivo de equilíbrio na distribuição da carga tributária.
Como ponderamos em linhas anteriores, o conceito de justiça é um conceito aberto, adquirindo, de acordo com o paradigma considerado, diferentes significados.
Pensamos haver um conceito lato e um estrito de justiça tributária. Tal é a concepção adotada pelo sistema alemão, segundo leciona Cesar Garcia Novoa:
Frente a una construcción de los principios tributarios como complementos de la Idea de capacidad contributiva, fruto de la evidencia de que la misma resulta insuficiente para explicar el fenómeno tributario podemos detectar en Alemania la construcción de la justica tributaria como una directa derivación de la idea de Estado Social de Derecho. No es necesario hablar de una justica tributaria como lago específico, sino que la justica y los principios tributarios son, en el ordenamiento alemán, deducción directa del contenido material de Estado de Derecho, de la Idea de justicia que preside todo el ordenamiento, sin que sea necesario hacerla depender del regido molde de una concepción de la capacidad contributiva fuertemente influida por una formulación individualista del tributo.[45]
A partir de tal concepção, é possível afirmar que as exonerações que se processam na carga tributária atendem, tanto ao conceito lato como ao estrito de justiça tributária, posto que, além de observarem de forma “atenuada” o princípio da capacidade contributiva, buscam realizar interesses públicos relevantes e os princípios da generalidade, da neutralidade e da praticabilidade da tributação.
Como já esclarecemos em outras oportunidades, as distorções hoje existentes no sistema tributário brasileiro, dada a sua extrema onerosidade e complexidade, tornam–no um sistema absolutamente injusto que está a reclamar imediata reforma. Busca-se uma solução que confira maior racionalidade e desonere assim o particular, como o setor produtivo, permitindo-lhe crescimento.
3.4. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA COBRANÇA DE TRIBUTO COM EFEITO DE CONFISCO
O princípio da vedação da cobrança de tributos com efeito de confisco está previsto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal.
É bastante complexa a genuína aferição do efeito confiscatório decorrente da cobrança de tributos o que se deve ao fato de ser o “confisco” um conceito jurídico aberto, dotado de elevado índice de indeterminação, o que também decorre da sua condição de princípio-valor.
A aferição do confisco por meio da cobrança de tributos se dá, como regra, a partir da análise da alíquota aplicável. Quanto à alíquota ad valorem, é sempre um percentual, uma quota da manifestação de riqueza verificada com a prática do fato jurídico tributário que o Estado atribui a si, razão pela qual não pode ser excessiva a ponto de absorver parcela expressiva da propriedade ou do esforço produtivo. Dado o elevado índice de indeterminação do princípio em questão, a palavra final sobre a condição excessiva da cobrança, será sempre do Poder Judiciário.
A título de exemplo, é certo que será sempre confiscatória a tributação que absorver toda a renda efetiva ou potencial produzida por um imóvel, ou, ainda, a tributação que, no caso de imposto sobre a renda, retirar do sujeito passivo quantia tão grande que o desestimule a produzir novamente.[46]
Todavia, em todo e qualquer caso, a aferição do confisco se dá pelo exame da alíquota nos tributos não vinculados e da base de cálculo, nos tributos vinculados.
A cobrança de tributo tem efeito confiscatório quando viola o direito de propriedade constitucionalmente assegurado, conforme, aliás, registra Ramón Valdés Costa: “Pero las precedentes consideraciones no pueden traducirse en la conclusión de que por la vía del impuesto el legislador puede desconocer y hacer el derecho de propiedad consagrado en la Constitución con particular firmeza”.[47]
Para que se considere observado o princípio em questão, a imposição tributária deve abranger apenas uma parte da expressão econômica da operação tributada. Deve ser razoável, no sentido de não ser tão pequena ao ponto de se tornar insignificante, mas também não pode exceder um determinado montante, a partir do qual estaria havendo uma expropriação inconstitucional por infração ao direito de propriedade. Segundo Alberto Tarsitano:
El tema no es fácil, y solamente cabe reconocer distintas tonalidades de grises, hasta llegar a la ‘confiscatoriedad’. Y definir cuándo el impuesto viola el derecho de propiedad es una cuestión valorativa que será definida según las circunstancias, como lo demuestra la casuística adoptada por nuestra Corte Suprema de Justicia.[48]
Para que se possa aferir se um tributo é ou não confiscatório, há que se examiná-lo em face do direito de propriedade. É evidente que a expropriação motivada ou imotivada está vedada por nosso sistema. Ainda diante da extrafiscalidade de que são exemplos o Imposto Territorial Rural – ITR e o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, cuja progressividade extrafiscal busca compelir os proprietários de imóveis rurais improdutivos ou de imóveis urbanos mal aproveitados, a conferir-lhes maior aproveitamento face às suas potencialidades, atendendo, assim, à “função social da propriedade”, ainda nestes casos está vedado o confisco.
É certo que há capacidade contributiva, ou seja, aptidão para contribuir, no intervalo entre o mínimo existencial e a cobrança confiscatória de tributos, ou seja, só se pode falar em aptidão para contribuir após superado o mínimo existencial e tendo como limite máximo o confisco.
Tais ideias assumem especial relevo quando se trata da cobrança de tributos extrafiscais, quais sejam aqueles que possuem propósitos regulatórios da economia ou, ainda, aqueles que atuam como mecanismo inibidor da não observância da função social da propriedade, que é o caso do IPTU e do ITR.
Sendo o princípio da capacidade contributiva um agente promotor da justiça fiscal e assim também da justiça social, a sua observância fica abrandada quando a cobrança de tributos tem caráter extrafiscal. Certamente, o respeito à capacidade contributiva em sua plenitude não se mostra possível na extrafiscalidade. No entanto, ainda quando da exigência de tributos com caráter extrafiscal, é possível falar em eficácia mínima do princípio da capacidade contributiva, dada a inadmissibilidade do efeito confiscatório da exação.
Noutras palavras, o que é certo é que, sob hipótese alguma a imposição tributária pode ferir o direito de propriedade, a ponto de fazê-lo desaparecer.
De qualquer forma, saber até que limite o tributo é tolerável, vale dizer, não é confiscatório, não é tarefa de fácil solução. Trata-se de em um daqueles pontos em relação aos quais são várias as explicações que a Ciência do Direito oferece.[49]
Assim como alguns dos princípios constitucionais tributários já referidos no presente estudo, o princípio da vedação da cobrança de tributo com efeito de confisco depende de construção de seu sentido. A linguagem constitui o grande drama da metodologia jurídica. A busca do termo próprio, a especificação do sentido em que uma palavra está sendo empregada, são tarefas nada fáceis e que devem guiar a atividade do intérprete.
Na esteira de tal entendimento, pensamos que o princípio da vedação da cobrança de tributo com efeito confiscatório é uma norma de eficácia limitada do tipo programático.
3.5. OS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE
Relacionados ao princípio da estrita legalidade tributária, mas dele autônomos, são os princípios constitucionais da irretroatividade, da anterioridade e da anterioridade nonagesimal, previstos respectivamente no artigo 150, inciso III, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição Federal.[50]
O princípio da estrita legalidade tributária cinge-se à exigência de lei para a criação, majoração e redução de tributos, os demais se referem às características temporais de que se deve revestir a aludida lei.
Segundo leciona Alberto Xavier:
Enquanto o princípio da legalidade cifra-se na exigência nullum tributum sin lege, os demais princípios traduzem-se todos eles na proposição nullum tributum sine lege proevia, distinguindo-se entre si pela natureza da lei a que se referem (lei orçamentária no princípio da anualidade, lei tributária material nos princípios da anterioridade e da irretroatividade) e pela realidade quanto à qual a lei deve ser considerada prévia (o exercício financeiro nos princípios da anualidade e da anterioridade, o fato tributário no princípio da irretroatividade).[51]
O princípio da irretroatividade veda que a lei que cria ou majora tributos atue sobre fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Já o princípio da anterioridade, proíbe que a criação ou o aumento de tributo alcance fatos ocorridos no mesmo exercício em que tenha sido publicada a respectiva lei, determinando que esta só venha a incidir sobre fatos ocorridos no exercício subsequente ao de sua entrada em vigor, ou seja, a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte àquele em que foi publicada, já que no Brasil o exercício financeiro tem início no dia 1º de janeiro e se prorroga até o dia 31 de dezembro de cada ano.
Finalmente, o princípio da anterioridade nonagesimal, impõe que a cobrança de tributos ou o seu aumento só sejam praticados no exercício seguinte àquele em que foi publicada a respectiva lei e desde que observado o lapso temporal de noventa dias. É a assim conhecida “noventena”. Tal princípio foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 42/2003 com o propósito de imprimir maior segurança jurídica ao sujeito passivo no âmbito da relação jurídico-tributária, assegurando-lhe que qualquer oneração decorrente da criação ou aumento de tributo não seria praticada pela administração fazendária no mesmo exercício financeiro em que fossem publicadas as respectivas leis e, observado ainda, no mínimo, um prazo de noventa dias entre a publicação e a cobrança do tributo novo ou majorado.
Tal alteração mostrou-se necessária diante da prática reiterada da administração fazendária de publicar leis criando ou aumentado tributo no final do exercício financeiro, dia 31 de dezembro, por exemplo, e cobrá-los já a partir do dia 1º de janeiro, com o que restava observada a anterioridade, mas não o caráter “surpresa” que sempre se buscou evitar.
O artigo 150, § 1º, da Constituição Federal, põe a salvo alguns tributos que não precisam, necessariamente, obedecer ao princípio da anterioridade, quais sejam: o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros; o imposto sobre a exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; o imposto sobre produtos industrializados; o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro; ou relativos a títulos ou valores mobiliários; e o imposto lançado por motivo de guerra externa (artigo 154, inciso II, da Constituição Federal), inclusive os empréstimos compulsórios “para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra ou sua iminência” (artigo 148, inciso I, da CF); e as contribuições sociais que financiarão a seguridade social (artigo 195, incisos I, II e III, da CF), que, no entanto, “só poderão ser exigidas decorridos noventa dias da data de publicação da lei que as houver instituído ou modificado” (artigo 195, § 6º, da CF).
Assim, exceto os tributos explicitados no artigo 150, § 1º, os empréstimos compulsórios criados com base no artigo 148, inciso I, ambos da Constituição Federal, e as contribuições sociais que financiam a seguridade social (artigo 195, incisos I, II e III, da CF), todos os demais tributos somente poderão ser cobrados se observado o princípio da anterioridade.[52]
O princípio da anterioridade é uma norma de eficácia plena, com aplicabilidade imediata e integral, haja vista independer de legislação ou maior esforço interpretativo a lhe integrar o conteúdo, incidindo direta e indiretamente. Trata-se de princípio limite-objetivo em que se extrai da própria norma todos os elementos necessários à sua correta aplicação.
Quanto ao princípio da irretroatividade, a lei, como veículo único para obrigar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, não pode retroagir, sob pena de ser inconstitucional por agressão ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que assim está redigido: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A lei, como regra genérica, impessoal e preexistente, representa um instrumento que traduz segurança jurídica. Portanto, a sua aplicação retroativa só pode ocorrer quando for benéfica e não ferir direito de terceiro. Daí a vedação expressa de prejuízo ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.
Na realidade, em face do texto expresso nos artigos 5º, inciso XXXVI, e 150, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, a irretroatividade é a regra, sendo a retroatividade a exceção, e é aplicada somente para beneficiar o contribuinte.
Em matéria tributária, qualquer lei quando aplicada para exigir tributos sobre fatos pretéritos, incorre em inconstitucional obrigação sem causa.
Segundo leciona Paulo de Barros Carvalho: “Qualquer agressão a essa sentença constitucional representará, ao mesmo tempo, uma investida à estabilidade dos súditos e um ataque ao sumo bem do ordenamento – a certeza do direito”.[53]
Nesse princípio, que tem plena eficácia, eis que vem impregnado de intensa força vinculante, podemos observar com nitidez o seu vetor imediato e a sua aplicabilidade integral, tratando-se, também, de princípio limite-objetivo.
6. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO
O princípio da liberdade de tráfego está previsto no artigo, 150, inciso V,[54] da Constituição Federal, e busca assegurar o direito à livre circulação de pessoas e de bens por todo o território nacional, ao vedar a instituição de impostos cuja hipótese de incidência tenha como critério material, como núcleo, a transposição das fronteiras dos Estados-Membros ou dos Municípios.
A preocupação exteriorizada com o referido princípio não é recente, como leciona Pontes de Miranda: “já o Príncipe Regente, no primeiro orçamento de receitas e despesas, imunizava de impostos o comércio das Províncias de uma para as outras”.[55]
A previsão não veda a cobrança de impostos em operações de circulação de mercadorias de um para outro Estado, o mesmo se aplicando relativamente aos Municípios, no que concerne aos serviços, o que está vedado é a instituição de impostos, cuja materialidade seja a transposição das fronteiras estaduais ou municipais.
A preservação da liberdade de tráfego, não impede ainda a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, haja vista que, relativamente a tal cobrança, o dispositivo constitucional abre expressa exceção.
Quanto ao pedágio, José Afonso da Silva afirma que “ele está certamente no limiar do conceito de tributo, tudo dependendo de se dar, ou não, razoável opção aos usuários quanto à outra via não sujeita ao pedágio, mas, na medida em que se expande a todas as rodovias, sua caracterização tributária se acentua”.[56]
Convém ressaltar que o pedágio, sob a égide da Constituição Federal anterior, não era considerado tributo, mas uma forma de preço público. Ao consignar expressamente a sua ressalva em relação aos tributos, o legislador constituinte afastou qualquer dúvida quanto à sua efetiva natureza tributária.
3.7. PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE TRIBUTÁRIA
O princípio da uniformidade tributária está consignado no artigo 151, inciso I,[57] da Constituição Federal, e impõe que a cobrança dos impostos insertos na competência da União seja uniforme em todo o território nacional, vedando, por conseguinte, a distinção de tratamento tributário ou preferência em relação aos Estados-Membros, Municípios ou ao Distrito Federal, admitida, no entanto, a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país.
Trata-se de princípio que decorre do princípio federativo, pois resguarda a isonomia de tratamento tributário, no que concerne aos tributos federais, entre as pessoas políticas de direito público.
O princípio em questão foi, por algum tempo, alvo de várias críticas tendo em vista sua impraticabilidade em um país cujas desigualdades geoeconômicas são tão grandes, o que impreterivelmente implica tratamento diferenciado, a fim de que se viabilize uma política fiscal que nivele a economia nacional, posto que o tratamento uniforme dispensado a situações disformes contribui ainda mais para o agravamento das desigualdades regionais.
O atual dispositivo constitucional, instituidor do princípio da uniformidade geográfica, acolhe agora essas ponderações ao admitir incentivos destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país.
Destaque-se que o princípio em questão, ao mesmo tempo em que veda a atribuição pela União de tratamento desigual entre os Estados-Membros, Municípios, Distrito Federal no exercício da atividade impositiva, por meio da concessão de privilégios e benefícios tributários a uns em detrimento dos demais, abre uma exceção relativamente aos incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as várias regiões do país.
3.8. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE
A observância da não cumulatividade está prevista no texto constitucional, especialmente, em relação aos tributos plurifásicos, aqueles incidentes em todas as fases da cadeia de circulação econômica, quais sejam: o ICMS, o IPI e as contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS.
O estudo da não cumulatividade tributária revela especial importância, quer por estar intimamente ligado ao princípio da segurança jurídica e à justiça tributária, quer porque a tributação no Brasil está fortemente calcada em tributos indiretos.
Não obstante a não cumulatividade, revele-se como princípio limite-objetivo, pensamos que a norma inserta no artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, que impõe a sua observância para o ICMS,[58] possui alta carga valorativa, e está intrinsecamente ligada aos princípios da capacidade contributiva, da segurança jurídica e da justiça tributária.
Embora reconheçamos a presença de valores, tais quais aqueles referidos, inerentes ao princípio em questão, pensamos que a não cumulatividade é um princípio “limite-objetivo”. Ao discorrer sobre o princípio em questão, Paulo de Barros Carvalho afirma:
(…) impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça na tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre as etapas de circulação e industrialização de produtos.[59]
Ao descrever de forma objetiva o modo como se implementa a não cumulatividade, compensando-se o que for devido em cada operação com o imposto cobrado nas anteriores, a respectiva disposição constitucional, ao mesmo tempo que estabelece técnica a ser adotada na tributação por via do ICMS, também, limita o exercício do poder de tributar.
Na dicção de Roque Antonio Carrazza, o direito a não cumulatividade:
(…) confere, de modo direto, ao sujeito passivo do ICMS o direito de abatimento, oponível, ipso facto ao Poder Público no caso de este agir de modo inconstitucional, seja na instituição (providência legislativa), seja na cobrança (atividade administrativa) do tributo.[60]
No que concerne ao princípio em questão, as exonerações tributárias assumem especial relevo e, embora possam se revestir de distintas modalidades, têm em comum a importante condição de reduzirem a carga tributária.
Qualquer que seja a espécie de exoneração tributária, sempre terá, na condição de providência extrafiscal, caráter excepcional e, em algum grau, impactará sobre a arrecadação com naturais consequências orçamentárias. Tais figuras, segundo pensamos, não podem mitigar, em hipótese alguma, sob nenhum pretexto, o princípio da não cumulatividade, pena de irremissível inconstitucionalidade.
Em relação à isenção e a não incidência, a Constituição brasileira contempla regra que veda o aproveitamento do crédito, o que faz nos estritos termos do seu artigo 155, § 2º:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. §2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II – a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Por amor à coerência, se não há incidência ou se há isenção, o tributo não é pago e, se assim é, não pode gerar crédito para as operações futuras. Ocorre, no entanto, que se tal premissa é verdadeira, quando a isenção alcança todas as etapas do ciclo de circulação econômica do bem, não é verdadeira nas hipóteses em que a exoneração se opera em relação a uma de suas fases apenas.
Em tal circunstância, a inexistência de crédito a ser aproveitado pelo sujeito passivo da etapa seguinte àquela isenta imprimi-lhe efeito prejudicial, assim como em relação a todas as demais etapas de circulação do bem e, consequentemente, ao consumidor final, que, de fato, suportará o ônus financeiro do referido imposto.
Aparentemente, a premissa adotada pelo legislador constituinte parece correta, pois o ICMS adota o modelo “imposto contra imposto” e, consequentemente, se o imposto não foi pago, não pode ser abatido, anulado, estornado, etc.
No entanto, a plausibilidade da norma em questão é meramente aparente. Dada a complexidade do sistema de apuração e pagamento do ICMS, tal regra acaba por restringir o princípio da não cumulatividade, o que, segundo pensamos, é inadmissível por malferir aos princípios da capacidade contributiva, isonomia e segurança jurídica, criando, em determinadas circunstâncias, um estado de absoluta injustiça na tributação em relação àqueles alcançados pelo referido comando constitucional, sobretudo em relação aos que acabam por suportar o ônus tributário de operação realizada por terceiro beneficiado pela isenção ou não incidência.
Embora a norma em questão não possa ser considerada inconstitucional, já que foi incluída no texto original da Constituição e não por emenda constitucional, não podemos nos furtar de apontar o descompasso que gera em relação ao princípio da não cumulatividade.
Pensamos, outrossim, que, embora a Constituição Federal faça referência expressa apenas à isenção e a não incidência, o que pretendeu o constituinte foi vedar o aproveitamento de crédito de tributo não efetivamente pago, o que nos permite concluir que todas as exonerações tributárias parciais ou integrais, qualquer que seja a terminologia que lhes seja atribuída, poderiam ser alcançadas pelo comando constitucional, se reconhecida a sua pertinência e legitimidade.
Embora Otto Bachof reconheça a possível existência de conflitos entre princípios e regras no âmbito do texto original da Constituição Federal, o autor não admite a possiblidade de reconhecimento de inconstitucionalidade em decorrência destes. Bachof sugere que, em casos isolados, pode haver lugar para outro juízo, que, no entanto, não esclarece qual é, referindo-se à hipótese de o constituinte ter buscado um objetivo e atingido outro que, imprevisivelmente, como no presente caso, gera a incompatibilidade,[61]
Há, definitivamente, incompatibilidade insuperável entre o princípio da não cumulatividade e a regra investigada no âmbito do presente estudo.
Pensamos que, para que a isenção de uma das etapas da cadeia de circulação econômica seja considerada concretamente um benefício tributário, ao sujeito passivo da etapa seguinte deve ser concedido crédito presumido no montante que deveria ter sido recolhido na etapa anterior e não o foi por força de regra isentiva. Caso contrário, a norma constitucional acaba privilegiando um sujeito passivo (o isento) em detrimento dos demais que integram a cadeia de circulação de determinado bem.[62]
Embora formalmente constitucional e fruto do texto originário da Constituição Federal, as regras insertas no artigo 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e “b”, agridem o princípio da não cumulatividade e, com ele, o da igualdade, o da capacidade contributiva, o da vedação da cobrança de tributo com efeito de confisco, o da justiça tributária e o da segurança jurídica.
[1] CARVALHO, P. de B. Direito Tributário Linguagem e Método. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2008. p. 213.
[2] Idem.
[3] CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 33
[4] KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. MACHADO, J. B. (Trad.). 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 387.
[5] CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 126.
[6] CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 269-270.
[7] Idem. p. 273.
[8] Art. 154. A União poderá instituir: II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
[9] Segundo leciona Roque Antonio Carrazza, são seis as características da competência tributária, facultatividade, privatividade, inalterabilidade, incaducabilidade, irreunciabilidade. Quanto à facultatividade entende o autor que, não havendo mecanismos eficientes que obriguem o legislativo a legislar, também em relação ao ICMS, é possível falar-se em facultatividade da competência tributária, razão pela qual a arrola entre as características da competência tributária (Curso de direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 653 e ss.).
[10] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) XII – cabe à lei complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
[11] Merecem referência as palavras do destacado mestre: “Falando pela via ordinária, os titulares da competência para instituir o ICMS não podem deixar de fazê-lo e, além disso, terão que seguir os termos estritos que as leis complementares e as resoluções do Senado prescrevem, por virtude de mandamentos constitucionais” (CARVALHO, P. B. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 278).
[12] CANOTILHO, J. J. G. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. p. 331.
[13] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
[14] Paulo de Barros Carvalho, a respeito, ensina que: “É propriedade das normas em geral e das proposições jurídico-normativas em particular expressaram-se por intermédio do conectivo dever–ser, o que nos leva a denominar deôntico o sistema do direito positivo. Umas como outras, portanto, exibem o dever-ser modalizado em permitido, obrigatório ou proibido, com o que se exaure a possibilidade normativa da conduta. Qualquer comportamento caberá sempre num dos três modais deônticos, não havendo lugar para uma quarta alternativa (lei deôntica do quarto excluído)” (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 13ª ed., revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137).
[15] Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; (…).
[16] CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 291.
[17] Art.1º. A União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, para fins do disposto no inciso III do § 4º do art. 153 da Constituição Federal, poderá celebrar convênios com o Distrito Federal e os Municípios que assim optarem, visando a delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, de que trata o inciso VI do art. 153 da Constituição Federal, sem prejuízo da competência supletiva da Secretaria da Receita Federal. § 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, deverá ser observada a legislação federal de regência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. § 2º A opção de que trata o caput deste artigo não poderá implicar redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. § 3º (Vide MP nº 656, de 7 de outubro de 2014) Art. 2º. A Secretaria da Receita Federal baixará ato estabelecendo os requisitos e as condições necessárias à celebração dos convênios de que trata o art. 1º desta Lei. (Vide MP nº 656, de 7 de outubro de 2014). Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
[18] CARVALHO, P. de B. Op.cit. p. 192.
[19] PEREZ, J. G. El principio General de la Buena Fe en el Derecho Administrativo. Madrid: Real Academia de Ciencias Morales y Políticas, 1983. p. 45-46.
[20] GRUPENMACHER, B. T. Eficácia e Aplicabilidade das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo: Resenha Tributária, 1997. p. 47.
[21] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas as contribuintes, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem que lei o estabeleça.
[22] Art. 150. (…) § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, “g”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
[23] LAPATZA, F. J. J. Principio da Legalidade y da Reserva de Ley. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 50, p. 13.
[24] CARRAZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 250.
[25] Clèmerson Merlin Clève posiciona-se acerca do conceito de lei formal e material: “A distinção, inicialmente elaborada por Laband, entre a lei formal e a lei material guarda algum sentido. Não se trata aqui de retomar a distinção a partir do binômio ‘regra do direito’ e ‘simples regra’. Na doutrina brasileira, que é a que neste momento interessa, a distinção se processa a partir da noção de generalidade. Se o ato normativo é genérico, não importa de onde provenha, então a doutrina vai identificá-lo como lei material. Se, ao contrário, o ato legislativo contiver preceitos concretos, então a doutrina vai chamá-lo de lei formal. A lei material, neste caso, tanto pode ser proveniente dos órgãos dotados de competência legislativa, como do Executivo. Quanto à lei formal, será sempre proveniente dos órgãos dotados, pelo Constituinte, de atribuição legiferante. Em face dessa teorização, uma lei poderá ser, a um tempo, formal e material (o preceito genérico como forma de lei). Mas poderá, todavia, tratar-se de lei apenas formal (o preceito concreto como forma de lei) ou material (o ato normativo sem forma de lei)” (In: Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição Federal de 1988, p. 71).
[26] XAVIER, A. Conceito e Natureza do Acto Tributário. Coimbra: Livraria Almedina, 1972. p. 291-292.
[27] ATALIBA, G.; GONÇALVES, J. A. L. Carga Tributária e Prazo de Recolhimento de Tributos. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 47, p. 27-29, s. d.
[28] MICHELLI, G. A. Curso de Direito Tributário Brasileiro. GRECO, M. A.; MARREY JUNIOR, P. L. (Trads.). 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 19.
[29] CARVALHO, P. de B. Direito Tributário Linguagem e Método. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2008. p. 287.
[30] Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
[31] Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
[32]Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (…). II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[33] §1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
[34] CAMPOS, F. O Princípio da Legalidade Isônoma. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, v. 10, p. 326-410, s. d.
[35] PAULICK, H. Ordenanza Tributaria Alemana. TABOADA, Carlos Palao (Trad.). Madrid: Instituto de Estudios Fiscales de Madrid, 1980. p. 40-48.
[36] Idem.
[37] TORRES, R. L. Os Direitos Humanos e a Tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 287-288.
[38]Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[39]Acerca da moral do Estado e bem assim da do contribuinte, escreveu Klaus Tipke: “No debate sobre questões fiscais se fala com frequência de moralidade tributária. Em particular, o sindicato fiscal alemão e os autores pertencentes à administração tributária costumam queixar-se da deficiente moralidade fiscal de muitos cidadãos. A federação de contribuintes e os assessores fiscais costumam responder que uma moral tributária deficiente é reflexo da deficiente moral fiscal do Estado, pois um fenômeno é consequência do outro. (…) Por conseguinte, a ética tributária é a teoria que estuda a moralidade das atuações em matéria tributária desenvolvidas pelos poderes públicos – legislativo, executivo e judiciário – e pelo cidadão contribuinte”[39] (TIPKE, K. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002. p. 21).
[40] TIPKE, K. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002. p. 30.
[41] Ibidem. p. 25.
[42] MOSCHETTI, F. El principio de capacidade contributiva. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1980. p. 68.
[43] TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. v. 3. Rio de Janeiro: Renovar, 1999; Os Direitos Humanos e a Tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 146.
[44] BECKER, A. A. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 533-534.
[45] NOVOA, G. El Principio de Seguridad en Materia Tributaria. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 107.
[46] Para Hector Villegas: “A razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto, segundo exigências de tempo e lugar e segundo os fins econômico-sociais de cada imposto. Assim, é evidente que não pode ser igual à imposição em épocas de paz e em épocas de guerra. Para determinar os limites admissíveis, fora das quais o tributo é confiscatório, o Tribunal atuante deve examinar isoladamente cada gravame, sem levar em conta os demais encargos ou multas” (VILLEGAS, H. Curso de Direito Tributário. CARRAZZA, R. A. (Trad.). 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980).
[47] COSTA, R. V. Curso de Derecho Tributario. Tomo I. s.l.: s. ed., 1970. p. 293.
[48] TARSITANO, A. Derecho Constitucional Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 339.
[49] É o entendimento de Francesco Moschetti: “Naturalmente, habrá que juzgar caso si el tributo há llegado hasta el punto de violar el derecho de propiedad. No es posible establecer una medida absoluta de esta violación (149). Existen zonas intermedias en las que podrá dudarse si ha existido o no y en las que se deberá dejar libre opción al legislador; mas deberá también admitirse que existe un límite máximo, más allá del cual no se puede negar la anulación (150) y la violación de la institución tutelada por el artículo 42” (In: El Principio da Capacidad Contributiva. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1980. p. 297).
[50] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993) c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
[51] XAVIER, A. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 3.
[52] Afirma Roque Antonio Carraza: “O contribuinte tem o direito constitucional subjetivo de ver acatado, pelas pessoas tributantes, o princípio da anterioridade. Este direito só pode desaparecer naqueles casos taxativos em que o próprio Texto Magno permite que o tributo incida sobre fatos ocorridos no mesmo exercício em que ele foi criado ou aumentado. O ‘estatuto do contribuinte’ veda que, por via de interpretação extensiva, ou o que é pior, com base no bom-sendo, dilarguemos este elenco. O que ocorreria, em tal hipótese, seria, não uma interpretação da Constituição, mas uma emendatio iconstituionis, uma alteração de seu comando, uma interpretativo abrigans, com amparo em cogitações políticas de feitio subjetivo, que só o constituinte derivado pode validamente fazer (respeitados, é claro, alguns requisitos, máxime o ‘direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’). Portanto, os contribuintes têm de regra, o direito de serem tributados de acordo com as leis tributárias que vigiam no dia 31 de dezembro do ano anterior ao da ocorrência do fato imponível (fato gerador in concreto)” (CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 210).
[53] CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 74.
[54] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.
[55] MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição de 1967. 1ª ed. Tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 383.
[56] SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 596.
[57] Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País; (…).
[58] Art. 155. (…) § 2º – o imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
[59] CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 220.
[60] Ibidem. p. 355.
[61] Merecem referência as palavras do citado autor: “Em apoio da opinião de KRUGER poderia, quando muito alegar-se que o próprio legislador constituinte pode não ter visto que ao editar uma certa disposição constitucional se colocava em contradição com as suas decisões de princípio: possivelmente ele não teria querido admitir uma exceção à regra, ou até nem sequer teria controlado suficientemente a compatibilidade de cada norma com suas próprias decisões de princípio. Mas quem poderia provar concludentemente que fosse assim? Ainda que o material interpretativo pudesse sugerir tal resultado, a verdade é que decisiva para a interpretação da Constituição, como de qualquer outra lei, é em primeira linha a chamada “vontade objetiva do legislador”, isto é, a vontade que um observador expedito se depreende da própria lei: ora, no caso de contradição aparente entre um princípio constitucional e uma norma singular da Constituição, tal vontade só pode em princípio ser entendida, ou no sentido de que o legislador constituinte quis admitir essa norma singular como exceção à regra, ou no que negou, pura e simplesmente, a existência de semelhante contradição. Conceder-se-á, todavia, que em casos de contradição insolúvel de uma contradição que também não seja susceptível de interpretar-se através da relação regra-exceção, assim como, por último, em caso de manifesto equívoco, possa haver lugar para outro juízo.” BACHOF, O. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra: Atlântida, 1951. p. 58-59.
[62] Conforme ensina José Eduardo Soares de Melo: “As vedações ao crédito a contribuinte situado em zona intermediária do ciclo mercantil e, à evidência, causam distorções à plena aplicação da sistemática não cumulativa, porque acabam onerando parte da mercadoria. Os créditos são considerados em cada etapa integralmente tributada (aquisição com ICMS), que não afetam diretamente a etapa em que ocorre a proibição ao crédito” (In: MACHADO, H. de B. (Coord.). Não Cumulatividade Tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2009. p. 282).
por Betina Treiger Grupenmacher
Advogada. Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, onde é professora de Direito Tributário.
Fonte: IBET
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