Com a maior fatia das receitas de televisão, publicidade e patrocínios direcionada aos grandes clubes do Brasil, as equipes de menor porte precisam fazer milagres para se manterem competitivas, seja em nível estadual ou em competições nacionais. Com menos verbas, a margem de erro diminui na hora de contratar jogadores e treinadores. E para fechar o orçamento em dia, é necessário aproveitar ao máximo cada centavo das fontes de receitas fixas e usar a criatividade para criar novas formas de arrecadação.
No momento de prestar contas, porém, os níveis de transparência dos clubes do Interior variam. Dos 16 times participantes do Campeonato Gaúcho deste ano, apenas Juventude e Novo Hamburgo, além da dupla Grenal, disponibilizam seus balanços financeiros na internet. Brasil afora, algumas federações, como a Paulista e a Catarinense, colocam on-line os demonstrativos contábeis de suas equipes filiadas, permitindo que qualquer pessoa acesse os documentos.
A Federação Gaúcha de Futebol (FGF) estuda adotar sistema semelhante no futuro. "A federação não tem ingerência na contabilidade dos clubes. Eles não nos mandam os balanços, mas pensamos em mudar isso. Seria uma boa ideia. Aos poucos, podemos implementar esse modelo", acredita o presidente da FGF, Francisco Novelletto Neto. Apesar de a entidade não fiscalizar as finanças dos clubes, Novelletto diz que sempre alerta os dirigentes a evitarem gastos em excesso e a investirem apenas os recursos que são arrecadados.
A FGF tem participado das reuniões, em Brasília, sobre o refinanciamento das dívidas dos clubes e as contrapartidas que devem integrar a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE). Novelletto estima que os débitos tributários dos times do Interior gaúcho atinjam cerca de R$ 30 milhões. O dirigente se mostra favorável à eventual adoção de penas para clubes inadimplentes com tributos e salários, incluindo a perda de pontos e até a exclusão de campeonatos. "É um meio de pressionar e evitar gastos em demasia. Também defendo a responsabilização dos dirigentes que fizeram a dívida."
O diretor executivo do movimento Bom Senso Futebol Clube, Ricardo Martins, destaca que o sistema de fair play (jogo limpo) financeiro, que deve limitar os déficits operacionais das agremiações, é benéfico ao futebol brasileiro. Martins lembra que existem times pequenos com aspiração de crescer e tratam sua gestão com cuidado, e equipes pequenas muito mal geridas. "O que se propõe é que os clubes obrigatoriamente se profissionalizem. Os que não conseguirem se modernizar talvez nem devessem existir, pois não estão produzindo futebol, e sim subemprego e dívidas aos montes", acredita.
Escolha entre pagar impostos ou salários
Integrante da elite do futebol brasileiro por mais de uma década, o Juventude vivenciou uma trajetória de declínio nos últimos anos. De 2007 a 2010, o clube acumulou rebaixamentos, caindo da primeira para a quarta divisão do futebol brasileiro de forma meteórica.
A situação financeira delicada da equipe pesou nos seguidos insucessos dentro de campo. A cada queda, as receitas foram diminuindo. Atualmente, o alviverde busca a retomada do patamar que um dia já alcançou e figura na terceira divisão do Brasileirão. Entretanto, o quadro das finanças do time de Caxias do Sul segue crítico.
O Juventude é um dos raros clubes do Interior gaúcho que disponibiliza seus balanços financeiros on-line. As demonstrações possuem até notas explicativas, algo pouco comum mesmo entre os clubes da Série A. E os documentos constatam que a situação é ruim, a ponto de o clube não recolher uma série de impostos desde 2009.
"Quando se tem pouco dinheiro no bolso, é preciso ter algumas escolhas. Ou você paga imposto, ou paga os salários em dia. Escolhemos pagar os salários e agora precisamos encontrar uma solução para os impostos deixados para trás. Mas essa situação não é exclusividade do Juventude", aponta o presidente, Raimundo Demore.
No decorrer das últimas temporadas, o faturamento do clube encolheu. Valores obtidos com direitos de transmissão dos jogos e de patrocínios despencaram. Em 2007, na última participação na primeira divisão, as receitas operacionais atingiram R$ 10,5 milhões. Já em 2013, no último demonstrativo publicado, a arrecadação foi de R$ 7,5 milhões, com déficit de R$ 1,2 milhão. O orçamento para 2015 é de R$ 9 milhões.
Demore acredita que o refinanciamento das dívidas tributárias, que deve ser proposto pelo governo federal a partir da inclusão de contrapartidas na LRFE, pode representar um alívio nas finanças do Juventude. No momento, as principais fontes de receita do time são a venda de atletas, os sócios e a televisão. Nesse sentido, o presidente lamenta a nova legislação da Fifa, que proibirá que investidores detenham os direitos econômicos de jogadores a partir de 1 de maio.
Recentemente, a negociação de atletas das categorias de base para empresários tinha sido tornada a principal fonte de recursos da equipe alviverde. "A venda de jogadores para investidores era o que estava segurando os clubes. Aí, agora, quem compra fica proibido de comprar. Isso vai ser muito ruim", opina Demore.
Calendário cheio do Lajeadense não garante lucro ao longo do ano
Em 2014, o Lajeadense teve um ano movimentado. Além de disputar o Gauchão, o clube se manteve ativo na segunda metade da temporada para participar dos torneios promovidos pela FGF. Ganhou a Copa Fernandão e a Copa Sul-Fronteira. Entretanto, o calendário cheio de jogos até novembro (algo que nem todos os times do Interior seguem) e as taças no armário não foram suficientes para dar tranquilidade às finanças do time.
"Jogar o ano inteiro dá prejuízo, pois não há volume de torcedores suficiente para cobrir os custos. Mas, para o clube crescer, é importante participar das competições do segundo semestre", justifica o presidente do Lajeadense, Mário Dutra. Segundo o dirigente, a realização de um jogo custa, em média, R$ 10 mil, entre taxas com arbitragem e despesas de água, luz e segurança. Para a partida não dar prejuízo, são necessários, pelo menos, 800 torcedores, um público difícil de ser alcançado todas as rodadas.
Com uma folha salarial de R$ 160 mil por mês, o time tem a televisão como sua principal fonte de arrecadação: são R$ 700 mil líquidos por ano. Mesmo com poucos recursos, as contas vêm sendo pagas em dia. "Temos todas as certidões negativas de débito. Não temos nenhuma dívida fiscal", salienta Dutra, que considera a situação econômica da equipe estável.
Rifa de carro ajuda a pagar as despesas
Para fechar as contas no azul, a criatividade entra em campo no Novo Hamburgo. O time do Vale do Rio dos Sinos, neste ano, fez até rifa de carro para ajudar no orçamento. "Vendemos cada número a R$ 1 mil. Conseguimos arrecadar R$ 360 mil, o suficiente para cobrir mais que um mês do nosso orçamento", comemora o vice-presidente de administração e finanças, Gelson Klein. Em 2015, a arrecadação deve ficar na casa dos R$ 4 milhões, o suficiente para manter em dia os pagamentos da folha salarial, estimada em R$ 200 mil mensais.
Assim como na maioria dos clubes do interior, a principal fonte de receita do anilado é a venda dos direitos de transmissão dos jogos. "Temos uma situação econômica confortável, mas sempre há problemas de liquidez e de fluxo de caixa. Nunca sobra dinheiro em caixa, estamos sempre correndo atrás", salienta Klein.
Nesse sentido, os próprios dirigentes intervêm quando é necessário obter crédito. Como a direção do clube é composta por uma série de empresários conhecidos na região, muitas vezes eles negociam diretamente com fornecedores. "No interior, não é como em clube grande. Se você pede algo para um fornecedor, ele fica meio cabreiro. Então, às vezes, tomamos crédito para o clube como pessoas físicas", afirma Klein, que é administrador de empresas.
O vice-presidente sustenta que, em geral, as contas do time apresentam estabilidade. O balanço da agremiação em 2013, porém, mostra um faturamento de R$ 2,2 milhões, com déficit de R$ 597 mil. No ano anterior, a arrecadação atingiu R$ 3,4 milhões, e o saldo positivo foi de R$ 979,3 mil.
Atualmente, as dívidas totalizam R$ 350 mil, sendo R$ 150 mil de impostos. "Para uma empresa, o nosso endividamento seria insignificante. Vendendo um jogador, conseguimos quitar essas despesas", comenta Klein. Segundo o dirigente, os custos para fazer futebol têm crescido. "E não são só os gastos com salários. Para um clube de interior, as despesas com viagens, alimentação, água e luz pesam tanto quanto o pagamento dos atletas", compara.
Contas em dia da quarta à primeira divisão
Seis anos atrás, a Chapecoense figurava no quarto escalão do futebol brasileiro. Após galgar todos os degraus nas divisões inferiores desde então, o clube começa 2015 se preparando para sua segunda temporada consecutiva na primeira divisão do Brasileirão. Um dos segredos por trás da ascensão da equipe do Oeste de Santa Catarina é o controle rígido das receitas. Conforme estudo da Pluri Consultoria, a agremiação é dona da segunda melhor saúde financeira entre os times do País, perdendo apenas para o Atlético-PR.
"Não temos déficit no orçamento, não deixamos acontecer isso. Seguimos rigorosamente o que é orçado no início da temporada. A parte contábil é uma sequência disso", ressalta o diretor administrativo, Décio Burtet, que está no clube há três anos. Apesar de a Chapecoense não divulgar seu balanço financeiro, o dirigente garante que a equipe teve superávit no ano passado. Em 2012, quando o time estava na série C, o orçamento era de R$ 4 milhões anuais. No ano seguinte, já na série B, subiu para R$ 18 milhões.
Na temporada passada, na estreia na série A, alcançou R$ 35 milhões. O valor deve ser mantido para 2015. "Só devemos aumentar se fecharmos contrato com algum novo patrocinador. Aí pode subir para R$ 40 milhões. Temos um orçamento e o cumpriremos", enfatiza. Entre os 20 participantes da primeira divisão nacional, a Chapecoense possui uma das menores arrecadações. Burtet enfatiza que a boa gestão dos recursos é a única forma de se manter competitivo contra as grandes equipes. "Corinthians e Flamengo ganham R$ 100 milhões só da televisão por ano. E nós ganhamos R$ 18 milhões. O nosso diferencial é ser honesto. Nós pagamos os salários em dia e em valores dentro da nossa realidade", acredita.
As receitas com o quadro social também têm peso importante no faturamento da equipe catarinense. No momento, a agremiação de Chapecó tem 10 mil sócios. "Isso em uma cidade com apenas 200 mil habitantes", enfatiza o diretor administrativo. Outro trunfo do clube para a manutenção das contas em dia é o baixo endividamento. As pendências chegam a R$ 700 mil e estão parceladas no programa de refinanciamento fiscal da Receita Federal (Refis).
Fernando Soares
Fonte: JCRS
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