Empresas têm conseguido na Justiça impedir a Fazenda paulista de exigir a apresentação de garantia para a renovação de inscrição estadual. Já foram proferidas pelo menos duas sentenças contra a exigência, estabelecida para contribuintes inadimplentes e prevista na Portaria CAT nº 122, de dezembro de 2013. As decisões beneficiam a Italspeed Automotive, fabricante de rodas de alumínio, e a Multilaser, do segmento de eletrônicos e de suprimentos de informática.
Nas sentenças, os juízes afirmam que é predominante nos tribunais superiores o entendimento de que é inconstitucional a utilização de meios indiretos para a cobrança de tributos e citam as súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com a Súmula 70, por exemplo, "é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo".
A Fazenda paulista já recorreu da decisão favorável à Italspeed e pretende levar também a discussão envolvendo a Multilaser à segunda instância. Em sua defesa, alega que a aplicação dos termos da portaria "não é estratégia direcionada aos contribuintes que apresentam eventual inadimplência, tampouco é forma de cobrança indireta de débitos fiscais porque visa a garantir obrigações tributárias futuras e não aquelas já constituídas". E acrescenta que "a possibilidade de exigência de garantias diante da existência de débito fiscal definitivamente constituído existe desde os primórdios da lei do ICMS em 1989".
A Italspeed levou a questão à Justiça por meio de mandado de segurança preventivo. Obteve liminar contra a exigência, que foi mantida posteriormente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para o advogado da companhia no caso, Odair Moraes Júnior, o Estado tentou burlar as súmulas do STF com a portaria. "O Estado não deve impedir uma empresa de continuar atuando. Ele tem como cobrar o contribuinte", afirma.
A Multilaser Industrial também começou a discutir a questão por meio de mandado de segurança preventivo. "Esse foi nosso único caso e há pouca jurisprudência nesse sentido, mas temos visto que a Fazenda do Estado, além de poder protestar o título, tenta exigir a garantia", diz a advogada da empresa no caso, Patrícia Madrid Baldassare.
Na decisão favorável à Multilaser, o juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13ª Vara de Fazenda Pública, afirma que o Estado tem meios jurídicos próprios e favoráveis para cobrança administrativa e processual de seus direitos. "Ainda que a regularidade fiscal seja ideal a ser perseguido, coibir a atividade à revelia dos instrumentos adequados de cobrança não encontra respaldo na lei e na jurisprudência, porque a rigor o que se busca no caso concreto é o constrangimento do empresário que não está em dia com o Fisco", diz.
Os advogados entendem que a exigência de garantia prejudica as empresas. Sem a inscrição estadual, não conseguem emitir nota fiscal ou obter financiamentos bancários. "Não é tão frequente [a exigência de garantias], mas acontece e é uma ameaça muito séria", afirma Abel Amaro, sócio do escritório Veirano Advogados.
A questão agora segue para o TJ-SP que, segundo a Procuradoria Fiscal – unidade integrante da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) -, já reconheceu a validade de normas que continham exigências que se aproximam daquelas da Portaria CAT nº 122.
Um desses casos foi julgado em 2011. A 13ª Câmara de Direito Público entendeu que o Estado poderia negar o credenciamento de uma empresa como distribuidora de etanol pelo fato de haver débitos tributários e "eventos desabonadores". Um dos sócios havia participado de sociedade que teve sua inscrição cassada. Nesse caso, a empresa estava submetida à Portaria CAT nº 223, de 2009.
Na decisão, o relator, desembargador Ferraz de Arruda, afirma que a Seção de Direito Privado do Tribunal já havia decidido que, havendo débitos, seria preciso apresentar garantias para a obtenção de credenciamento.
Os contribuintes, por sua vez, contam com decisões em discussões parecidas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo. Na sentença da Multilaser, o juiz Alberto Alonso Muñoz cita um voto do ministro Marco Aurélio em processo contra norma de Santa Catarina que impedia o contribuinte inadimplente de emitir notas fiscais. "Recorra a Fazenda aos meios adequados à liquidação dos débitos que os contribuintes tenham, abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos", afirma o ministro, que adotou o mesmo posicionamento em julgamento de norma semelhante do Rio Grande do Sul, que teve repercussão geral reconhecida.
O STJ também proferiu decisão semelhante, mas referente à renovação de CNPJ, segundo Amaro. Em julgamento do fim de 2009, a 1ª Seção derrubou restrição prevista na Instrução Normativa nº 200, de 2002. A norma proibia a inscrição no CNPJ de estabelecimento com sócio em situação irregular perante o Fisco.
Fonte: Valor | Por Beatriz Olivon | De São Paulo
Via Alfonsin
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