segunda-feira, 20 de maio de 2019

Qual o limite para os incentivos que visam a satisfação do crédito tributário?

Com um estoque de créditos tributários não arrecadados de R$ 3,78 trilhões e uma projeção do Governo Federal de que apenas 15% desse montante seria recuperável, a satisfação desses créditos tributários tem sido buscada de forma cada vez mais incisiva nos últimos anos. Nesse cenário, os devedores passaram a ser estimulados por meio de incentivos que, na prática, tornaram-se sanções violadoras de direitos fundamentais.

Bons exemplos dessas sanções ocorrem com (i) a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) e a (ii) averbação pré-executória trazida pela Lei nº 13.606/2018 e especificada pela Portaria PGFN nº 33/2018.

Apesar de a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.135 ter sido julgada improcedente em 9.11.2016 e consequentemente fixada a tese de que o protesto das CDAs é constitucional, parece-nos que esse entendimento não analisou todas as possíveis consequências dessa linha de raciocínio.

O protesto, em sua origem prevista na Lei nº 9.492/1997, decorre do direto societário e é uma forma de se forçar – e não incentivar – o devedor a quitar as suas dívidas, sob pena de diversas sanções empresariais, tais como a (i) possibilidade de se cancelar contas em bancos; (ii) a restrição de créditos perante instituições financeiras; e (iii) até mesmo a decretação da falência da sociedade empresária.

Assim, percebe-se que a simples autorização do protesto da CDA, sem a imposição de qualquer limite prévio, acaba por gerar impactos bem mais severos para a empresa do que o próprio prosseguimento de uma execução fiscal. Dito isso, para que esse estímulo não viole as garantias fundamentais dos devedores, a nosso ver deveria ser adotado como parâmetro o valor que a Fazenda Pública utiliza para deixar de ajuizar as suas próprias execuções fiscais.

Se o valor do crédito tributário for inferior ao custo da Fazenda Pública para movimentar a máquina pública e ajuizar uma execução fiscal, parece-nos que o protesto poderia ser utilizado. No entanto, nos casos em que se tem valores altos, que poderiam – e deveriam – seguir todo o trâmite previsto na Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), entendemos que não poderia haver o protesto, sob pena de se coibir o direito dos devedores em se defenderem dessas cobranças.

Isso porque, na prática, o protesto seria utilizado como uma forma política de obrigar aquele devedor a quitar a sua dívida, sob pena de se inviabilizar o prosseguimento das suas atividades empresariais. Em um cenário extremo, o protesto poderia ser utilizado até mesmo para a cobrança de créditos tributários cujo mérito esteja pacificado em sentido contrário ao entendimento do Fisco.

No que se refere à chamada averbação pré-executória, trazida pela Lei nº 13.606/2018 e detalhada pela Portaria PGFN nº 33/2018, vale lembrar que a situação é semelhante, pois visando a quitação dos créditos tributários, permitiu-se a averbação antes do início da execução fiscal.

Apesar desse dispositivo legal ainda estar pendente de análise perante o STF, tem havido um grande questionamento sobre esse incentivo ao pagamento.

Em outras palavras, haveria, na prática, uma “penhora” ainda na esfera administrativa, sem qualquer participação do Poder Judiciário? Parece-me que não.

Enquanto averbar significa “anotar”, “registrar”, a penhora administrativa, inserida no conceito de indisponibilidade dos bens, impacta diretamente no direito de propriedade do devedor.

Dessa forma, a averbação não deve ser interpretada como sinônimo de indisponibilidade dos bens. Apesar de a Lei nº 13.606/2018, em seu artigo 20-B, §3º inciso II tentar fazer essa união de conceitos, tal entendimento não foi seguido pela Portaria PGFN nº 33/2018, que em momento algum autoriza a PGFN a tornar indisponíveis os bens dos devedores. Dessa forma, não teremos –- ou ao menos não deveríamos ter — uma “penhora administrativa”, mas apenas e tão somente uma anotação sobre os bens que poderão servir de garantia quando o débito for executado.

O que se percebe, então, tanto em relação ao protesto da CDA quanto em relação à averbação pré-executória? Que tais incentivos, se forem aprovados sem qualquer restrição ou interpretação conforme à Constituição Federal, violam direitos basilares dos devedores, como o de prosseguirem regularmente com as suas atividades empresariais.

Portanto, o que se precisa ter em mente é até que ponto o incentivo ao pagamento – que não possui qualquer problema em existir – deixa de ser um estímulo e passa a ser uma sanção política.

Nesse cenário, entendemos que o limite para todos esses incentivos visando a satisfação do crédito tributário deve ser o do regular prosseguimento de uma execução fiscal.

Inclusive, esse foi o limite aplicado para as duas situações apontadas acima, a fim de se evitar as sanções políticas. Por exemplo, nos processos de valores baixos, que sequer seriam executados pelo Fisco, não existe a possibilidade de prosseguimento de uma execução fiscal, sendo válido, assim, a utilização do protesto para esses casos que jamais seriam executados.

Com relação à averbação pré-executória, o que se percebe é que distinção entre os conceitos de “averbação” e “indisponibilidade de bens” é uma das formas de se manter a constitucionalidade dessa norma. Caso não houvesse essa distinção, certamente para o devedor a possibilidade de penhora ainda na esfera administrativa seria mais gravosa do que o prosseguimento de uma execução fiscal.

Assim, com base nesse parâmetro, pode-se atenuar os riscos trazidos e fazer com que essas sanções políticas voltem a ser apenas incentivos para que o devedor satisfaça as suas dívidas.

GUILHERME VILLAS BÔAS – advogado do Pinheiro Neto Advogados, aluno do Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e membro do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da mesma instituição.

Fonte: Jota

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