sexta-feira, 10 de maio de 2019

Pautas tributárias no Supremo e a questão da segurança jurídica

O Supremo Tribunal Federal elegeu os princípios da eficiência, transparência e responsabilidade como “tripé” institucional da gestão 2019-2020. Com o objetivo de concretizá-los, uma das medidas adotadas pelo presidente, ministro Dias Toffoli, foi divulgar a pauta de julgamentos do tribunal com antecedência de seis meses, garantindo que os temas sejam debatidos previamente pela sociedade e academia, de forma ampla.

Tendo em vista essa nova medida do STF, o Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP realizou, no dia 8 de abril, evento[1] que contou com as participações da secretária-geral da Presidência do STF, Daiane Nogueira de Lira; da assessora-chefe do Núcleo de Análise de Recursos da Presidência do STF (Nare), Lucilene Rodrigues Santos; e do assessor-chefe do Núcleo de Repercussão Geral da Presidência do STF (Nurg), Carlos Alberto Gonçalves.

Daiane Nogueira de Lira[2] tratou da nova estrutura orgânica do STF, que consiste na reestruturação e formalização do Nare e do Nurg como tentativa de ampliar a atuação da Presidência no juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários. Ao evitar recursos manifestamente incabíveis[3], o tribunal acaba por promover eficiência processual, permitindo que as demandas de maior relevância social, econômica, política e jurídica sejam apreciadas, sem prejuízo da prestação jurisdicional.

O evento teve por objetivo preparar, em conjunto com representantes da sociedade civil organizada (advogados, procuradores, auditores fiscais, empresários, acadêmicos etc.), documento público de sugestões de pautas tributárias para o calendário de julgamentos da corte. Os debatedores do evento realizaram o papel de identificá-los, além de analisar os possíveis impactos de seu julgamento.

Abaixo, destacaremos três casos, a título exemplificativo, que foram tratados no evento, cuja resolução levaria à ambiente de maior segurança jurídica. Elaboramos, ainda, uma planilha para servir de documento público, que consolida todas as sugestões recebidas pelo NEF, que pode ser acessada pelo link ao final deste artigo.

1. Tributação do software (ADIs 1.945, 5.659, 5.958 e 5.576)
A tributação do software levanta discussões desde pelo menos 1998, quando foi julgado o RE 176.626-3/SP pelo STF, responsável pela distinção entre softwares de prateleira e softwares por encomenda. Contudo, o julgamento, na prática, não pacificou o tema, gerando divergências interpretativas em âmbito federal, estadual e municipal[4]. Hoje, por exemplo, coexistem o Convênio Confaz 181/2015, que prevê incidência de ICMS sobre operações com softwares, e a Lei Complementar 116/03, segundo a qual o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação está sujeito ao ISS.

No evento, Alberto Macedo[5] (Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo) destacou que está pendente de julgamento no STF a ADI 1.945/MT, na qual se discute a incidência ou não do ICMS sobre as operações com software sem mídia física, cuja liminar demorou 19 anos para ser julgada. Pontua que o mercado da economia digital é extremamente dinâmico e exige maior eficiência do Supremo. O julgamento da ADI poderia dirimir o conflito de competência atualmente existente entre estados e municípios, bem como determinar se os conceitos de “mercadoria” e “circulação”, que marcam a competência do ICMS, sofreram alguma alteração desde 1988, de modo a abranger operações com intangíveis.

Conforme argumentou Luiz Roberto Peroba[6] (Pinheiro Neto Advogados), o julgamento conjunto dos casos de software poderia promover segurança jurídica ao evitar divergências de entendimentos em diferentes julgados, a exemplo do julgamento da imunidade do CD-ROM. Segundo Peroba, é imprescindível que a sociedade possa confiar no posicionamento advindo do STF, e a constante reanálise de matérias pode gerar confusões desnecessárias.

2. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins (RE 574.706)
O STF julgou em 2017 o RE 574.706, determinando que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições PIS e Cofins. No entanto, continuam pendentes de julgamento os embargos de declaração opostos pela PGFN, que podem levar à modulação dos efeitos da decisão. A questão permanece indefinida, de sorte a permitir a reinterpretação do julgamento pelo Fisco e contribuintes. A exemplo disso, a Receita editou a Solução de Consulta Cosit 13/2018, sustentando que o ICMS destacado nas notas fiscais não seria excluído da base de cálculo das contribuições sociais, mas somente o ICMS recolhido aos cofres públicos.

Acerca desse tema, Paulo Mendes[7] (PGFN) reiterou a necessidade de julgamento célere dos embargos de declaração, especialmente nesse caso, tendo em vista a segurança jurídica. Apontou que a demora pode levar com que o julgamento do STF não cumpra função de pacificação do tema de fato.

3. Coisa julgada em matéria tributária (REs 949.297 e 955.227)
O Supremo Tribunal Federal afetou à sistemática da repercussão geral dois recursos extraordinários que se propõem à discussão do trato da coisa julgada quando subsiste decisão da corte em sentido contrário, tanto em controle concentrado quanto em controle difuso de constitucionalidade.

O primeiro, RE 949.297/CE, versa sobre os efeitos da ADI 15/DF perante as coisas julgadas do caso CSLL, partindo da perspectiva do embate entre decisões do controle difuso de constitucionalidade e o posicionamento superveniente do Supremo em controle concentrado. O segundo, RE 955.227/BA, trata sobre os efeitos de decisão do STF em relação às coisas julgadas em tribunais e juízes inferiores, no entanto, partindo da perspectiva de uma decisão superveniente do Supremo também em controle difuso de constitucionalidade.

A falta de um posicionamento claro fomenta a insegurança, motivo pelo qual Eduardo Pugliese[8] (Schneider, Pugliese Advogados) entende que temas relativos à coisa julgada, independentemente se discutem o posicionamento superveniente do Supremo em controle concentrado ou difuso, devem ser discutidos em conjunto, evitando decisões contraditórias e garantindo julgamento abrangente. A decisão, ainda, deve contemplar o alcance da ação rescisória em matéria tributária.

4. Conclusões
A gestão atual do Supremo Tribunal Federal deu importante passo institucional na apresentação da pauta de julgamentos da corte com seis meses de antecedência. Para a matéria tributária, essa medida é ainda mais relevante, pois as discussões dizem respeito a somas expressivas e representam temas que influenciam a vida das pessoas e o ambiente de negócios do país. O prazo permite que a sociedade civil possa se programar para promover discussões das matérias a serem julgadas, amadurecendo as posições e propiciando ao tribunal uma base sólida de argumentos e impactos para tomada de decisão.

Frente a esse panorama, foi elaborado documento público pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP que reúne a contribuição de vários colaboradores (advogados, procuradores, auditores fiscais, empresários, acadêmicos etc.), cujo objetivo é sistematizar as principais sugestões de pautas tributárias para o calendário de julgamentos do STF. O documento pode ser consultado aqui.

[1] Íntegra do evento: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM.
[2] Fala de Daiane Nogueira de Lira: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM?t=3006.
[3] Art. 13, V, “c” do RISTF.
[4] SANTI, Eurico Marcos Diniz de; PEROBA, Luiz Roberto; ALHO NETO, João; CARPINETTI, Ana; OGER, Stella; ESTEVÃO, Elena. Posições interpretativas fiscais em face do RE 176.626-3: o posicionamento do STF posto em xeque. JOTA. Disponível em: <https://tinyurl.com/y2rjr67p>, acesso em 17.04.2019.
[5] Fala de Alberto Macedo: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM?t=6150.
[6] Fala de Luiz Roberto Peroba: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM?t=6760.
[7] Fala de Paulo Mendes: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM?t=9231.
[8] Fala de Eduardo Pugliese: https://youtu.be/tEhH0PmiWRM?t=7785.

Eurico Marcos Diniz de Santi é professor e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).

Gabriel Franchito Cypriano é estagiário de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e graduando em Direito na PUC-SP.

João Alho Neto é pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e mestrando em Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP).

Lina Santin Cooke é coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e mestranda em Direito Tributário pela mesma faculdade.

Laura Romano Campedelli é mestra em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP.

Fonte: Conjur

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