sábado, 5 de agosto de 2017

Governo acertou com o Programa de Regularização Tributária Rural

Em uma semana de grande agitação política em Brasília, a Presidência da República publicou, na terça-feira (1º/8), a Medida Provisória 793, instituindo o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR). Nosso objetivo aqui não é meramente abordar as características desse novo parcelamento tributário — algo que vem sendo comum ao longo de 2017 —, mas o contexto que levou a publicação da MP 793 e se é aconselhável aos contribuintes aderirem.

De início, vale destacar que o parcelamento alcança apenas um único tributo: a contribuição previdenciária devida pelos produtores rurais pessoas físicas e dos adquirentes de produção rural ao Funrural, prevista no artigo 25, da Lei 8.212/91 (com a redação da Lei Lei 10.256/2001). Mais do que isso, na mesma medida provisória, o governo reduzirá a alíquota da contribuição de 2% para 1,2%, a partir de janeiro de 2018.

Quem acompanha o tema sabe que a referida contribuição passou pelo controle de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal muito recentemente, em março de 2017, quando julgou o Recurso Extraordinário 718.874/RS, em sede de repercussão geral, interposto pela União contra decisão do TRF da 4ª Região, que entendeu pela inconstitucionalidade da contribuição. Cabe a ressalva de que o STF ainda não se pronunciou acerca da constitucionalidade das citadas contribuições devidas pessoa jurídica produtora rural e pelas agroindústrias.

Não tenho aqui o objetivo de me aprofundar nas razões da decisão do STF ou sobre o seu acerto, pois me preocuparei com as suas consequências. Inclusive, para quem tem interesse em conhecer melhor a controvérsia jurídica que envolve o Funrural, cabe a leitura do bem elaborado artigo do professor Fábio Calcini, publicado nesta mesma coluna da ConJur, no dia 7 de abril.

De fato, a decisão a que chegou o Supremo Tribunal Federal no referido recurso extraordinário, em apertada maioria (6 a 5), causou surpresa por representar uma mudança do entendimento até então existente, que apontava pela inconstitucionalidade da contribuição ao Funrural[1]. No julgamento, percebeu-se, claramente, o desconforto da minoria formada pelos cinco ministros, com a mudança de rumo do entendimento da suprema corte.

Faço aqui breve comentário no sentido de que, em tese, não caberia a modulação dos efeitos da decisão, uma vez que a Lei 10.256/2001 foi declarada constitucional, não se adequando, portanto, a hipótese do artigo 27, da Lei 9.868/99[2]. Assim, a decisão tem o condão de retroagir os seus efeitos, permitindo a cobrança do tributo.

Em um julgamento como esse, fica sempre o sentimento de que, apesar da tese jurídica ter sido definida, com a devida eficácia conferida, não fica um sentimento de convencimento absoluto, nem da classe jurídica nem da sociedade. De fato, é um das inquietações ligadas à dogmática jurídica, quando uma decisão por uma maioria tão apertada se forma, pois o assunto é resolvido, mas nem sempre de maneira a convencer a todos.

Diante do contexto histórico e das decisões que foram sendo tomadas pelo Poder Judiciário, milhares de contribuintes simplesmente deixaram de recolher a contribuição ao Funrural ou estavam alcançados por decisões judiciais favoráveis. Agora, com a definição da tese pela constitucionalidade da Lei 10.256/2001, pode a Receita Federal intensificar a fiscalização e lavrar lançamentos de ofício.

Para os contribuintes que não foram objeto de lançamentos de ofício (autos de infração), o parcelamento das contribuições devidas nos últimos cinco anos (dentro do prazo prescricional previsto no CTN) não parece uma boa opção. É importante lembrar que, se a Receita Federal não fizer o lançamento, a cobrança não pode ser feita, mas o contribuinte sempre pode, espontaneamente, declarar o crédito tributário e fazer o parcelamento.

A verdade é que todo contribuinte deve ter a consciência de que é a sua obrigação declarar e recolher a contribuição prevista no artigo 25, da Lei 10.256/2001, especialmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 718.874/RS.

Pois bem. Diante das consequências econômicas causadas pela decisão do STF — e diante de uma inegável pressão nos bastidores da política —, o governo federal decidiu instituir o PRR, de forma a permitir que os contribuintes rurais pessoas físicas parcelem a contribuição para o Funrural.

Os contribuintes poderão parcelar até 29 de setembro de 2017 os créditos tributários devidos a título da contribuição do artigo 25, da Lei 8.212/91, até 30/4/2017, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, inclusive objeto de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, em discussão administrativa ou judicial, ou ainda provenientes de lançamento efetuado de ofício.

Assim, como ocorre no caso do Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), instituído pela MP 783/2017, o PRR exige dos contribuintes o recolhimento de um percentual da dívida, sem a redução de multa e juros, entre as competências de setembro a dezembro de 2017, de 4% da dívida consolidada (artigo 2°, inciso I, da MP 793/2017).

Por sua vez, o restante do crédito tributário está sujeito às reduções de 25% das multas de mora e de ofício e dos encargos legais, incluídos os honorários advocatícios; e de 100% dos juros de mora. Tal redução nos juros de mora é, simplesmente, inédita.

Se levarmos em conta discussões mais antigas, que alcancem fatos jurídicos ocorridos há mais de dez anos, o valor dos juros supera o valor do próprio crédito tributário, restando evidente que a remissão parcial é muito expressiva.

Pode-se afirmar que a exclusão dos juros se baseia em um reconhecimento do Poder Executivo em relação à mudança do entendimento do STF, o momento econômico ou mesmo uma forma de proteger o trabalhador rural. Todavia, no momento histórico em que foi publicada a MP 793/2017, o aspecto político pesou na decisão do que ocorreria normalmente. De qualquer forma, não há inconstitucionalidade, pois ao governo está permitido a fazer reduções ao crédito tributário, atendidas as prescrições contidas na Lei Complementar 101/2001 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Voltando à questão jurídica propriamente dita, diferentemente do Pert, o PRR prescreve que o pagamento do restante do crédito tributário, objeto da consolidação, será feito por meio de parcelamento em até 176 prestações, a partir de janeiro de 2018, equivalentes a 0,8% da média mensal da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural do ano anterior ao do vencimento da parcela.

Caso não seja possível quitar totalmente a dívida diante do critério acima, eventual saldo restante deve ser pago à vista ou acrescido à última prestação, ou ser parcelado em até 60 meses.

Acertadamente, a lei prescreve que, na hipótese de suspensão da atividade da produção rural ou de não auferimento de receita bruta por período superior a um ano, o valor da prestação mensal será o equivalente ao saldo da dívida consolidada com as reduções ali previstas, dividido pela quantidade de meses que faltarem para complementar 176 meses.

É condição necessária para manutenção no PRR o recolhimento regular da contribuição mensal e do FGTS (artigo 1°, parágrafo 3° da MP 793/2017). Além disso, para dívidas que ultrapassem os R$ 15 milhões, será necessária a apresentação de carta de fiança ou seguro-garantia judicial, o que será ainda regulamentado pelo procurador-geral da Fazenda Nacional. Tal exigência pode trazer dificuldades para a adesão, pois os custos para obtenção da fiança ou do seguro-garantia estão muito altos. Certamente esse será um ponto que causará polêmica no Congresso quando da conversão da MP 793/2017 em lei.

Assim, ao longo de 2017, o contribuinte que queira aderir ao PRR terá que recolher a contribuição ao Funrual de 2% incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção e recolher 4% do valor da sua dívida, sem qualquer redução de multa e juros. A partir de 2018, a alíquota da contribuição, para todos os contribuintes, será reduzida para 1,2%, e os contribuintes que aderiram a parcelamento pagarão em até 176 meses a sua dívida, com as reduções acima.

Diante de todos esses aspectos que foram aqui rapidamente abordados, entendemos que o governo federal fez uma importante ação para permitir que milhares de contribuintes da contribuição ao Funrural regularizem as suas dívidas. Para quem defendia a tese da inconstitucionalidade do artigo 25, inciso I, da Lei 8212/91 (com a redação da pela Lei 10.256/2001) e teve a sua pretensão afastada pelo STF nos autos do 718.874/RS, ao menos fica o consolo da possibilidade de um pagamento de forma parcelada com uma expressiva redução da dívida. Além disso, a redução de 2% para 1,2% da contribuição ao Funrural a partir de janeiro de 2018 para todos os contribuintes é um estímulo ao recolhimento.

Em resumo, o governo federal, incentivado por diversos aspectos — políticos, jurídicos e econômicos — tomou a decisão correta em permitir uma solução ao assunto.

[1] Conforme decisão do STF no RE 363.852/MG:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO - VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO - ANÁLISE - CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina - José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS - PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS - SUB-ROGAÇÃO - LEI Nº 8.212/91 - ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL - PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 - UNICIDADE DE INCIDÊNCIA - EXCEÇÕES - COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PRECEDENTE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo - considerações tese definida pelo STF foi a seguinte: É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção".
[2] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Gustavo Ventura é advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Santiago de Compostela e mestre pela PUC-SP. Professor de pós-graduação e presidente da comissão de Direito Financeiro do Instituto dos Advogados de Pernambuco.

Fonte: Conjur.

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