Diante da surpresa sobre o resultado do julgamento do Funrural para produtor rural pessoa física, realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 30 de março deste ano, no RE 718.874, muitas dúvidas surgiram.
A primeira delas é sobre eventual modulação de efeitos, o que certamente será colocado para o enfrentamento da Corte após a publicação do acórdão. Também é provável a tentativa de embargos de declaração com pedido de efeito modificativo.
Importante é a discussão se as aquisições destinadas ao comércio exterior também não estariam desoneradas do Funrural
Ainda que o Supremo não acate a necessária modulação para os efeitos do julgamento, o que se admite para fins de argumentação, certo é que a conta do Funrural ainda será objeto de muitos e intensos debates, o que implicará em novas manifestações do Poder Judiciário.
Podemos mencionar algumas dessas questões. São muitos os adquirentes que compram matéria-prima e insumos de outros Estados. O caso da pecuária, que é o setor do agro mais afetado pelo imbróglio e insegurança do Funrural, é bom exemplo.
Boa parte da produção industrial está em São Paulo, mas o Estado não é produtor relevante de bovinos ou suínos. Deste modo, a indústria compra o boi de outros Estados, como Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Minas Gerais. Tal operação, interestadual, é tributada pelo ICMS.
Considerando o recente entendimento do STF no tema 69 da Repercussão Geral, no sentido de que o montante do ICMS destacado na nota fiscal não constitui receita nem faturamento, de modo a afastar sua inclusão no cálculo do PIS e da Cofins, é bastante razoável entender que a questão de fundo já julgada é essencialmente idêntica a que se aqui coloca: inclusão do ICMS na base de cálculo de contribuição sobre receita.
Inclusive há manifestação da PGR nesse mesmo rumo na problemática da exclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, encartada no RE 1.034.004/SC, que aguarda análise da Corte Constitucional.
Outra interessante discussão é sobre a desoneração da exportação. Entendemos que o Funrural não deve incidir sobre as receitas decorrentes de exportações, por força da imunidade prevista no art. 149, §2º, I, da CF.
Como o setor é responsável pela maioria das exportações do país, importante é a discussão se as aquisições destinadas ao comércio exterior também não estariam desoneradas do Funrural. Apesar do previsível entendimento em contrário da SRFB, nos parece que a tese ainda será decidida pelo STF. A esse respeito é de se acompanhar o RE 759244, pendente de apreciação.
Mais uma argumentação que impacta a base de cálculo do tributo é o ato cooperado. A despeito do que defende a receita federal, nos parece claro, na linha da jurisprudência dominante, que a entrega da produção do cooperado para sua cooperativa é livre de Funrural, pois se cuida de ato cooperado típico. As cooperativas são importante forma de organização da atividade rural.
Não menos essencial, dada à sub-rogação prevista na legislação do adquirente pessoa jurídica nas compras do produtor pessoa física, é entender que a responsabilidade do produtor rural pessoa física somente se aplica nas alienações para outras pessoas físicas (ou segurado especial) ou quando o produtor se valeu de decisão judicial própria para impedir o desconto em suas vendas, nos termos do que disposto na Solução de Consulta 76/2017, na Solução de Consulta nº 52 – Cosit/ 2014 e na a IN RFB 971/2009.
Por fim, cabe lembrar que o crédito tributário do produtor ainda deverá ser constituído pela fiscalização. A Receita Federal depende de fiscalização em cada produtor a fim de lavrar auto de infração com o objetivo de constituir a dívida.
Qualquer tentativa de envio de débitos de Funrural sem prévia fiscalização, certamente levará a grandes inequívocos e à ausência de liquidez do lançamento, em razão das particularidades da operação de cada produtor, o que novamente desaguará no Poder Judiciário.
Para fazer frente a essa questão, o governo e a SRFB parecem apostar em um parcelamento especial, que terá como requisito de adesão, a constituição do crédito tributário mediante confissão do produtor.
Como visto, apesar do julgamento do STF sobre o tema, ainda não se pode prever breve desfecho.
por Marcelo Guaritá Borges Bento e Manuel Eduardo C. M. Borges são sócios do Peluso, Stupp e Guaritá Advogados.
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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