Prevista na reforma trabalhista, a regulamentação do polêmico contrato de trabalho intermitente não prevê restrições nem salvaguardas para os trabalhadores, como ocorre em outros países – Itália, Portugal e Alemanha. Por meio deste tipo de contrato, o empregado aguarda o chamado da empresa para trabalhar por determinado período (horas, dias ou meses).
Na Itália e em Portugal, por exemplo, há a previsão de pagamento de uma compensação pelo período de inatividade e só setores com períodos de maior demanda podem adotá-lo- como o de alimentação e hotelaria.
O trabalho só é permitido por um período de 400 dias a cada três anos com o mesmo empregador, com exceção dos setores de entretenimento, turismo e serviços em locais abertos ao público. Se for ultrapassado, o contrato passa a ser por tempo integral e prazo indeterminado.
Em Portugal, a legislação prevê que a prestação de serviço não pode ser inferior a seis meses por ano, dos quais pelo menos quatro meses devem ser consecutivos. O empregador precisa avisar o funcionário com pelo menos 20 dias de antecedência.
Na Alemanha, a legislação estabelece número mínimo de horas a serem prestadas pelo empregado. São três horas consecutivas por cada dia solicitado e pelo menos dez horas semanais.
Sem limites, segundo o advogado Paulo Fernandes, a regulamentação do trabalho intermitente por meio da reforma trabalhista, ao mesmo tempo que poderá retirar trabalhadores da informalidade, não impedirá a troca de contratos por empresas que empregam hoje pessoas com carteira assinada e em tempo integral.
O advogado realizou um estudo para comparar a regulamentação em outros países com o substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.787, aprovado pela Câmara – que traz outras formas de contratação (leia mais na página E2). "O texto não traz salvaguardas para os trabalhadores e nem limites para a sua aplicação, ao contrário do que ocorre na Itália, Portugal e Alemanha, que seguem o sistema romano germânico ou civil law, como o Brasil", diz. Nesse sistema, a construção do direito se baseia unicamente no legislador.
O projeto de lei, de acordo com o advogado, deixa em aberto o conceito de trabalho contínuo – o que daria margem para essa substituição. Apenas afirma que no trabalho intermitente deve ocorrer alternância entre períodos de serviço e de inatividade.
"O correto seria o meio termo. Que a legislação traga uma salvaguarda maior, para que não se torne apenas a troca de um trabalhador com um melhor salário por um que ganhe menos", afirma Fernandes.
Segundo ele, apesar de ter sido apresentada emenda ao projeto para que fossem incluídas salvaguardas, o relator do projeto de lei na Câmara dos Deputados, Rogério Marinho (PSBD-RN), rejeitou a modificação.
A regulamentação, prevista no artigo 452-A do projeto, estabelece apenas que o contrato seja celebrado por escrito e contenha valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor da hora do salário mínimo e nem do devido aos demais empregados da empresa que exerçam a mesma função.
A convocação para a prestação de serviços deverá ser feita com pelo menos três dias de antecedência. O empregado terá um dia útil para responder e seu silêncio caracterizará recusa. Ao aceitar a oferta de trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, terá que arcar com uma multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
Esse trabalhador terá carteira assinada, mas não contrato de exclusividade com o empregador. Ao final de cada ciclo de prestação de serviço, o empregado receberá a remuneração, as férias proporcionais com o acréscimo de um terço, o 13º salário proporcional, o repouso semanal remunerado e os adicionais legais. E a empresa terá que recolher contribuição previdenciária e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Para Luiz Marcelo Góis, professor de direito do trabalho da FGV e sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão, essa modalidade de contratação é a que gera mais crítica. "O meu receio é que crie no empregado uma situação de incerteza. É como se fosse um freelancer de carteira assinada. Não se sabe quanto vai ganhar e nem quando vai trabalhar. A vantagem é que se pode ter dois ou três empregos", afirma.
No Brasil, como a modalidade não foi regulamentada, há condenações quando verificada habitualidade – como convocar para o trabalho todo fim de semana – segundo Ronaldo Tolentino, advogado trabalhista do Ferraz dos Passos.
De acordo com ele, o trabalho intermitente é a única modalidade que poderá diminuir um pouco a informalidade. "Muitos já trabalham no regime intermitente nos bicos", afirma. O regime é diferente dos temporários, que tem uma destinação específica – como cobrir férias ou licença.
Da forma como está redigida, a regulamentação se afasta do que foi estabelecido em países como Itália, Portugal e Alemanha e se aproxima do sistema jurídico anglo saxônico, usado nos Estados Unidos e no Reino Unido, segundo o advogado Paulo Fernandes.
Nos Estados Unidos, os funcionários, em geral de lojas varejistas e restaurantes, só têm conhecimento da escala de trabalho com pouca antecedência e há grandes oscilações nas horas de trabalho. Diante dos impactos negativos desse tipo de contratação, oito Estados e o Distrito de Columbia redigiram as chamadas leis "reporting-time pay", que exigem um pagamento de um valor mínimo aos empregado.
No Reino Unido, esse contrato é também chamado de zero hora, que se caracteriza pelo fato de não haver garantia de número de horas a serem trabalhadas. Em 2014, o governo britânico proibiu o uso de cláusulas de exclusividade nesses contratos.
(Adriana Aguiar e Beatriz Olivon | De São Paulo e Brasília)
Por Adriana Aguiar e Beatriz Olivon | De São Paulo e Brasília
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário