Como decorrência da globalização da economia, o papel desempenhado pelo comércio exterior nas economias nacionais tem ganhado cada vez mais relevo. Neste contexto, a Organização Mundial do Comércio (OMC) divulgou recentemente as primeiras projeções de crescimento do comércio internacional para o ano de 2017. Apesar da recuperação em relação a 2016 — quando o crescimento foi de apenas 1,3% —, a expectativa para este ano é de 2,4%, sendo que para os países da América Latina o número é mais tímido, na casa dos 1,4%. No setor de commodities, inegavelmente estratégico para o Brasil, a expectativa é de retração nos fluxos de comércio e estabilização dos preços, pelo menos nos próximos anos[1].
A Receita Federal sempre foi contrária à apropriação de créditos dessas Contribuições sobre as despesas aduaneiras. Em 27/7/2012, a Receita publicou o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) 4/2012, buscando uniformizar o entendimento de que os gastos com desembaraço aduaneiro na importação de mercadorias não dariam direito ao desconto de créditos de PIS e de Cofins por falta de amparo legal.
No entendimento das Autoridades Fiscais, pelo fato dos artigos 7º e 15 da Lei 10.865/2004 não fazerem qualquer referência aos serviços aduaneiros previstos no artigo 40, § 1º e incisos da Lei 12.815/2013 – quais sejam, os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações nos portos organizados –, seria vedado o creditamento para fins do PIS e da Cofins[2].
Tal entendimento, contudo, nos parece descabido, eis que o creditamento sobre as despesas aduaneiras não pode se limitar às disposições do artigo 15 da Lei 10.865/2004, mas deve ser examinado sob a ótica do artigo 3º, inciso II da Lei 10.833/2003, que autoriza o desconto de créditos das Contribuições com despesas incorridas na aquisição de insumos, e também do inciso IX do mesmo artigo, segundo o qual despesas com armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, conquanto suportadas pelo vendedor, podem ser deduzidas da base de cálculo do PIS/Cofins.
Afinal de contas, é impossível negar que, para chegar ao seu destino, os produtos devem sofrer movimentação nas instalações dentro do porto, ser conferidos e transportados internamente. As atividades de ova e desova, conferência de carga, conserto de carga, movimentação de mercadorias para as embarcações, a transferência de mercadorias ou produtos de um para outro veículo de transporte, bem como o carregamento e a descarga com equipamentos de bordo são imprescindíveis ao processo (seja produtivo, seja comercial) que irá gerar receita.
Ademais, as despesas aduaneiras incorridas nas operações de importação e exportação não podem ser dissociadas das despesas de armazenagem e frete comercial, pois seria ilógico assumir que somente uma parte do dispêndio incorrido no processo de deslocamento da mercadoria importada do porto até o estabelecimento do contribuinte — ou vice-versa, no caso das exportações — possa ser deduzida da base de cálculo das contribuições.
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a questão ainda não está definida, embora exista jurisprudência favorável aos contribuintes. Dentre os encargos que já foram expressamente aceitos pelo Carf como ensejadores de crédito de PIS/Cofins, tem-se: (i) os custos incorridos com serviços de desestiva e despachante (descarregamento, movimentação, acondicionamento e armazenagem das matérias-primas no armazém alfandegado), (ii) emissão notas fiscais de armazenamento e de importação, (iii) serviços de medição de equipamentos portuários e (iv) o frete pago no transporte efetuado no território nacional na aquisição de insumos importados (Acórdãos 3802-001.322, 3202-000.981, 3202-001.003, 3301-002.061, 3402-002.443, 3402-003.070).
Outro viés positivo em relação ao assunto parece estar se consolidando em julgados recentes, nos quais a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em alteração a seu posicionamento anterior, tem reconhecido que as despesas incorridas com frete para transporte de insumos, produtos em elaboração e, produtos acabados para e/ou entre estabelecimentos do contribuinte (o chamado “frete interno”), por serem essenciais ao processo produtivo do contribuinte, devem gerar o direito ao crédito de PIS/Cofins — ainda que tais despesas não estejam expressamente previstas na legislação dentre as hipóteses ensejadoras de crédito. (Acórdãos 9303-004.673, julgado em 16.2.2017 e 9303-004.318[3], julgado em 15.9.2016).
E a nosso ver, o mesmo raciocínio deveria se estender às despesas aduaneiras que, como no caso do frete interno, se incorporam ao custo das mercadorias comercializadas, conforme dispõe o §2º do artigo 289 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999).
A interpretação “ampliada” do conceito de insumos para fins de crédito de PIS/Cofins também foi amparada pelo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1.246.317, definiu que “insumos” seriam “todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes”.
Ainda no âmbito do STJ, a referida interpretação ampliada está em curso no julgamento do Recurso Especial 1.221.170/PR (sob o regime de recursos repetitivos), e atualmente conta com 3 votos favoráveis aos contribuintes. Já perante o Supremo Tribunal Federal, o tema está pendente de julgamento sob o Recurso Extraordinário com Agravo 790.928/PE, que será julgado sob o regime de repercussão geral.
Assim, é importante que os importadores e exportadores estejam alertas para as possibilidades de creditamento de PIS e Cofins sobre as despesas aduaneiras, uma vez que a jurisprudência do Carf da CSRF tem se mostrado favorável a essa possibilidade.
[1] Dados disponíveis em: http://www.valor.com.br/internacional/4937232/comercio-global-deve-crescer-24-mas-omc-ve-riscos-politicos, acesso em 19/5/2017.
[2] Solução de Divergência Cosit 7, de 24/5/2012.
[3] Vê-se, portanto, em consonância com o dispositivo constitucional, que não há respaldo legal para que seja adotado conceito excessivamente restritivo de “utilização na produção” (terminologia legal), tomando-o por “aplicação ou consumo direto na produção” e para que seja feito uso, na sistemática do PIS/Pasep e da COFINS não cumulativos, do mesmo conceito de “insumos” adotado pela legislação própria do IPI.
Resta, por conseguinte, indiscutível a ilegalidade das Instruções Normativas SRF 247/2002 e 404/2004 quando adotam a definição de insumos semelhante à da legislação do IPI. Com efeito, por conseguinte, pode-se concluir que a definição de “insumos” para efeito de geração de créditos das r. contribuições, deve observar o que segue: (a) se o bem e o serviço são considerados essenciais na prestação de serviço ou produção; (b) se a produção ou prestação de serviço são dependentes efetivamente da aquisição dos bens e serviços – ou seja, sejam considerados essenciais (Acórdão 9303-004.318).
Luiz Fernando Machado é associado sênior da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
Eduardo Carvalho Caiuby é sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
Paula Zugaib Destruti é associada junior da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Conjur
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