Muitas empresas recebem incentivos fiscais de ICMS, aprovados ou não pelo Confaz, para se instalar ou ampliar sua produção em todos os estados do Brasil. Um dos aspectos dessa questão envolve a chamada guerra fiscal de ICMS, que já foi abordada em diversas outras colunas do ConJur (leia aqui e aqui), tendo os estados, inclusive, buscado receber uma parte do que foi anteriormente concedido, conforme inconstitucional autorização estabelecida pelo próprio Confaz, no Convênio 70.
Os estados usualmente concedem esses benefícios amparados em programas de desenvolvimento, veiculados por leis ou decretos estaduais, e exigem das empresas, como regra, que cumpram diversos requisitos para que gozem dos benefícios fiscais ali estabelecidos, que usualmente são redução de base de cálculo ou de alíquota, ou ainda a adoção de créditos presumidos de ICMS.
Sem adentrar em nenhum dos diversos programas, que recebem nomes distintos em cada estado, como regra são exigidas contrapartidas das empresas, tais como ampliação ou manutenção do quadro de empregados, medidas de proteção ao meio ambiente, ampliação ou modernização do parque produtivo e outras semelhantes.
É também usual que os estados adotem procedimentos para fiscalização dessa renúncia fiscal, estabelecendo periodicidade e cronograma de visitas para identificação do cumprimento das metas estabelecidas.
Pois bem, é dentro desse quadro que se deve analisar a pretensão fiscal da Receita Federal em cobrar Imposto sobre a Renda, PIS e Cofins relativamente a tais renúncias fiscais de ICMS, consideradas como subvenção para investimento ou de subvenção para custeio.
Regis de Oliveira chama a atenção para a imprecisão terminológica do termo subvenção, bem como para sua utilização constitucional nos artigos 19, I (vedação de sua concessão aos cultos religiosos) e no artigo 70 (que atribui competência aos tribunais de Contas para sua fiscalização), e, com os olhos voltados para a Lei 4.320/64, a conceitua como “auxílio financeiro, previsto no orçamento público, para ajudar entidades públicas ou particulares a desenvolver atividades assistenciais, culturais ou empresariais”[1]. A distingue das renúncias fiscais, atribuindo aos dois termos o uso popular de auxílios financeiros, que não têm conceituação definida, seja no Direito Administrativo, seja no Financeiro.
No campo tributário, as renúncias fiscais são consideradas como subvenções para investimento, com diferentes alcances em termos de incidência em face das sociais.
O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99) estabelece que serão computadas na determinação do lucro operacional as subvenções para custeio recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas físicas (artigo 392, I).
O mesmo regulamento estabelece, contudo, que não serão computadas na determinação do lucro real as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, bem como as doações feitas pelo poder público. E condiciona este não cômputo para fins de apuração do lucro real, mencionando duas hipóteses: 1) ou quando tais subvenções econômicas forem registradas como reserva de capital, a qual somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social; ou 2) quando feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver “superveniências passivas” ou “insuficiências ativas” (artigo 443; deve-se consultar também a Lei 12.973/14, artigo 30).
Em síntese, pode-se afirmar que, como regra, as subvenções integram o cômputo do lucro real. A exceção fica por conta das subvenções econômicas, que incluem as renúncias fiscais, desde que registradas como reservas de capital, e venham a ser usadas para absorver prejuízos ou para incorporar ao capital social.
Verifica-se, portanto, que, para fins de Direito Tributário, as subvenções se dividem em sociais e econômicas, sendo que estas últimas abrangem inclusive as renúncias fiscais — objeto central desta análise, pois envolve a chamada guerra fiscal do ICMS, quando os estados renunciam à sua arrecadação em prol da atração de investimentos.
É claro que subvenções econômicas não se referem apenas a renúncias fiscais, pois existem dispêndios financeiros concedidos para subsidiar determinadas atividades consideradas de alcance social, como nas tarifas públicas, que poderiam ser mais altas se não fosse concedido o subsídio pelo poder público. Tais recursos saem dos cofres públicos para os privados, na proporção do serviço utilizado, e envolvem toda uma gama de serviços outorgados. Todavia, esse aspecto não é objeto da presente análise, ficando o tema reservado para outra coluna.
As disputas entre a Receita Federal e os contribuintes com incentivos estaduais de ICMS têm sido enormes. Apenas a título de exemplo, vê-se que o Carf já decidiu que os incentivos fiscais percebidos pelos contribuintes no âmbito do Programa de Desenvolvimento Integrado do Estado de Alagoas (Prodesin) não possuem vinculação direta e específica com a aquisição de bens ou de direitos referentes à implantação ou à expansão de empreendimento econômico, não se caracterizando como subvenção para investimentos. Daí, entendeu a decisão administrativa, tal renúncia fiscal deve ser computada na determinação do lucro real. Isso acarreta, além de acréscimos de receita para fins de apuração do Imposto sobre a Renda, a incidência de PIS e Cofins, considerando-se tal renúncia fiscal como uma espécie de faturamento, conforme já declarado em alguns julgados administrativos. O que foi decidido com referência a esse programa alagoano vem se estendendo para o de vários outros estados.
Existe até uma decisão recente do Carf (AC. 1402-002.448) que distingue o que seriam benefícios fiscais de subvenções, afirmando que subvenções e benefícios fiscais são institutos distintos. A redução de alíquota de ICMS para determinadas atividades mercantis dos contribuintes, exigindo-se para seu gozo apenas o atendimento a condições empresariais pré-existentes (regularidade fiscal, determinado número de funcionários e montante do capital social), configura mera benesse tributária, afastando-se do conceito de subvenção para investimento”.
No que se refere ao PIS e a Cofins, o debate chegou mesmo a ser objeto de repercussão geral no STF (RE 593.544, rel. min. Joaquim Barbosa, desde novembro de 2011, e RE 835.818, rel. min. Marco Aurélio, desde agosto de 2015), que ainda pende de julgamento. A decisão paradigmática que levou o caso a ser objeto desse tipo de análise ficou assim grafada: “Os créditos incentivados de ICMS, concedidos pelos Estados a setores econômicos ou regiões em que haja interesse especial, não se encartam no conceito de ‘receita’ para fins de incidência das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS, pois não constitui entrada de recursos passíveis de registro em contas de resultado, não podendo ser assim considerado e, por conseguinte, não compõe a base de cálculo do PIS”.
A partir da Lei 12.973/14, isso foi expressamente afastado, não mais restando dúvida sobre a não incidência desde 1º de janeiro de 2015. Cabe ao STF, a partir dos casos acima mencionados, decidir sobre o período anterior.
No que tange ao Imposto de Renda, a posição da Receita Federal é pela sua inclusão na base de cálculo do tributo, conforme a Solução de Consulta 336 – Cosit, de 12 de dezembro de 2014, quando os recursos puderem ser livremente movimentados pelo beneficiário, isto é, quando não houver obrigatoriedade de aplicação dos recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação ou expansão de empreendimento econômico, não sendo suficiente a realização dos propósitos almejados com a subvenção, quando não houver sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos. Nesse caso, a subvenção torna-se tributável, compondo a base de cálculo do IRPJ. Em março de 2017, isso foi reafirmado pelo artigo 198, parágrafo 7º, da Instrução Normativa RFB 1700.
O problema está na comprovação de que as empresas beneficiárias estão cumprindo as metas estabelecidas pela legislação estadual que concedeu os benefícios fiscais de ICMS. Caso estas não estejam sendo cumpridas — ou, pelo menos, sendo perseguidas —, a Receita Federal poderá desconsiderar o benefício fiscal como sendo uma subvenção para investimento, passando a considerá-la como subvenção social e, por conseguinte, recalculando a base de cálculo e aumentando a tributação pelo Imposto de Renda.
O problema ocorre em tempos de crise, como o que estamos vivendo, pois muitos prognósticos econômicos feitos em tempos de bonança não podem mais ser concretizados. Afinal, o que é uma meta senão algo a ser perseguido por quem se propõe à cumpri-la. Não há segurança de que será alcançada, mas apenas a de que deverá ser, ao menos e de forma sincera, buscada. Logo, a ampliação de um parque produtivo ou a ampliação do número de empregados passa por condições de mercado, que muitas vezes se modificam ao sabor do jogo econômico, que possui variáveis incontroláveis.
É preciso que as empresas estejam atentas para isso, buscando não só cumprir os requisitos estabelecidos nas leis estaduais que concedem os benefícios fiscais, mas também ajustar tais metas em conjunto com os órgãos estaduais, quando estiverem além de suas forças econômicas em períodos de crise. O assunto é prenhe de nuances que devem ser consideradas junto aos órgãos estaduais, pois estes pouco poderão fazer quando a Receita Federal fiscalizar e autuar as empresas pelo descumprimento das metas estabelecidas pela legislação que concedeu os benefícios fiscais de ICMS. A Receita Federal tem sido implacável em sua análise acerca desse objeto.
[1] Curso de Direito Financeiro, São Paulo: Ed. RT, 6ª edição, pág. 667-668.
Fernando Facury Scaff é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; professor da USP e livre docente em Direito pela mesma universidade.
Fonte: Conjur
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