“A função do Poder Judiciário é fazer Justiça, e não assegurar a arrecadação, principalmente quando a qualidade do crédito exigido é contestável.” (Ives Gandra da Silva Martins, Gazeta Mercantil, 30/4/2008)
Em recente entrevista na TV o presidente da República Michel Temer afirmou que, logo depois da reforma política, deve entrar em discussão no Congresso a reforma tributária. Pelo ritmo em que as outras reformas (previdenciária e trabalhista) andam, fica evidente que as esperadas e desejadas alterações no sistema fiscal brasileiro só serão examinadas em 2018 para que entrem em vigor a partir de 2019 ou talvez 2020.
Em outra coluna afirmamos que não precisamos apenas de uma reforma, mas algo que se aproxime de uma verdadeira revolução tributária. Afinal, já não temos nada que se possa identificar como um sistema tributário. As normas a que os contribuintes se sujeitam hoje são um amplo emaranhado de diplomas confusos e inconsistentes que, submetendo-se a inúmeros remendos feitos de forma apressada, ocasionam sérios transtornos à sociedade brasileira.
“Quando se fala em reforma tributária, todo o mundo sai correndo. Percebemos que o governo não tem tempo nem qualidade técnica para formular uma proposta, e não podemos esperar.”
Tal afirmação consta da reportagem de 5 de janeiro no jornal Folha de S.Paulo, sob o título Empresas lançam plano para reformar impostos em 10 anos.
No mês de outubro do ano passado noticiou-se que a Câmara dos Deputados poderia discutir uma possível reforma tributária para o país.
Consta que o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) seria o relator da matéria, que cuidaria de ampliar as alíquotas do Imposto de Renda, da regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e de uma revisão do ICMS. Ora, só isso é apenas um remendo, não uma reforma.
Os prezados leitores podem ver alguns comentários que fizemos sobre essa matéria em nossa coluna de 7 de novembro de 2016.
Embora a Câmara possua como comissão permanente uma que trata de finanças e tributação, consultando sua pauta para as próximas semanas não encontramos referência sobre reforma tributária. Vimos apenas menção sobre debates em torno do ICMS,
Dentre os assuntos ali tratados, verificamos alguns projetos até certo ponto bizarros. Um deles, por exemplo, quer permitir dedução no imposto de renda das despesas com casas de repouso e cuidadores de idosos e outro quer isentar do IPI motos e motocicletas usadas por motoristas profissionais.
Não podem ou não devem os nossos deputados ocupar seu tempo com tais assuntos, se ao mesmo tempo há na casa um objetivo maior, mais abrangente, que é dotar o país de um sistema tributário minimamente lógico e simplificado, capaz de tornar o Brasil um lugar onde as pessoas e principalmente as empresas saibam quais são as regras do jogo fiscal.
Exatamente por isso é necessária uma ampla reforma constitucional. No próximo ano a Constituição de 1988 completa 30 anos. Já possui quase 100 emendas, sem contar muitas outras que estão em andamento!
O que vemos, portanto, é que o Poder Legislativo parece não ter condições sequer de organizar-se de forma adequada para tratar dos assuntos que lhe competem. Não nos parece necessário apontar as dificuldades do Executivo, de todos conhecidas.
O Poder Judiciário também sofre as dificuldades do país, que passa por um dos momentos mais críticos de sua história. Apesar disso, esse é o mais confiável dos poderes.
Como se sabe, a perfeição não é uma característica da espécie humana. Os servidores do Judiciário são pessoas humanas. Logo, não são perfeitos. Essa é a Justiça que temos. Pior seria se não tivéssemos nenhuma ou se não pudéssemos recorrer a ela.
Claro está que teremos em breve uma reforma tributária, ainda que mantida a mesma Constituição, com mais algumas emendas, claro.
Olhando desse ponto de vista, devemos esperar que teremos alguns ajustes ou mudanças de rota.
Uma questão que precisa ser resolvida e depende apenas de Lei Complementar é a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Podem os leitores reler nossa coluna de 27 de abril de 2015 onde analisamos a matéria.
Parece-nos primordial que qualquer discussão sobre tributo, além de uma minuciosa análise dos limites e imposições constitucionais, observe também as normas gerais de tributação fixadas pelo Código Tributário Nacional.
O Supremo Tribunal Federal por certo há de receber questionamentos sobre essas questões. Afinal, trata-se de uma corte constitucional que não se destina apenas a tratar de casos específicos, mas especialmente de resolver em última instância as questões entre Fisco (Estado – Poder Público) e, através de súmulas e demais formatos jurídicos, impedir que normas já pacificadas possam ser ignoradas e permitir avanços do Fisco em relação a elas.
A frase em destaque na coluna de hoje é uma das muitas com que o querido professor de todos os tributaristas brasileiros, Ives Gandra da Silva Martins nos presenteou e iluminou.
De fato, se a qualidade do crédito exigido é contestável, permitir sua cobrança ou arrecadação vai de encontro ao que Constituição menciona no seu preâmbulo.
Quando o contribuinte verificar ser contestável a obrigação tributária (principal ou acessória) é seu direito e dever defender-se pelos meios previstos em lei. Afinal, como ensino nosso mestre: “A função do Poder Judiciário é fazer Justiça, e não assegurar a arrecadação...”
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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