O Fisco tem entendido, nos casos de cisão parcial, que a empresa compradora deve responder pelas dívidas tributárias da companhia cindida – mesmo que sejam de grupos concorrentes e que o contrato firmado entre as partes afaste essa possibilidade. Há pelo menos dois casos recentes de autuações feitas nesses moldes pela Receita Federal. Em um deles, a operação havia sido aprovada pelo Conselho Administrativo da Defesa Econômica (Cade).
Há discussão, nesses casos, porque, segundo advogados, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) permite que as partes estabeleçam em contrato se o passivo da empresa cindida será ou não repassado à compradora. Nos dois casos – um envolvendo empresas cimenteiras e o outro companhias do setor automobilístico – havia cláusula expressa. Especialistas chamam a atenção que a situação é diferente das operações de cisão total, em que não há dúvidas sobre a responsabilidade da adquirente.
Especialista na área, Marcelo Annunziata, do Demarest Advogados, diz que autuações desse tipo eram comuns, até agora, em operações entre empresas de um mesmo grupo econômico. Nesses casos, como os gestores são os mesmos, o Fisco pode entender – dependendo da operação – que a cisão se deu com o objetivo de esvaziar patrimônio para evitar o pagamento de impostos.
Para o advogado, autuações a companhias de grupos econômicos diferentes – e até concorrentes – tendem a desestimular "operações de vendas de cisão que possam vir a ocorrer". "Terá de ser feita uma nova avaliação. O preço muda se a empresa tiver se que se responsabilizar pelos débitos da outra", afirma. O advogado entende que as compradoras, sabendo dessa possibilidade, farão ofertas mais baixas ou passarão a exigir um depósito da empresa cindida como garantia a pagamentos das dívidas.
A quebra de confidencialidade, de acordo com especialistas, é outro ponto que preocupa. Principalmente porque a compradora terá de usar os documentos da empresa cindida para comprovar a sua regularidade. Em se tratando de grupos econômicos diferentes, a cindida, alegando sigilo, poderá se negar a fornecê-los.
No caso das cimenteiras, a companhia que adquiriu parte da empresa cindida afirmou que "em razão do acordo celebrado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, não está autorizada a receber informações quanto aos débitos tributários de responsabilidade da vendedora". Destaca ainda que isso "pode caracterizar-se como ato de concorrência desleal, com consequentes implicações junto ao Cade".
O tributarista Abel Amaro, sócio do Veirano Advogados, afirma que a Lei das Sociedades Anônimas estabelece prazo de 90 dias da data do arquivamento do ato societário na junta comercial para que os credores que se sentiram prejudicados façam as suas reclamações. Para ele, a norma também abrange o Fisco. "Se não houve nulidade, vale o que as partes estabeleceram", diz. "Então, se a empresa A fala que a dívida é dela, o Fisco não pode tentar receber da B".
Já a advogada Ana Cláudia Utumi, do escritório TozziniFreire, tem entendimento diferente. Ela chama a atenção para o artigo 5º do Decreto nº 1.598 – editado em 1977, um ano após a Lei das Sociedades Anônimas. No dispositivo consta que "respondem pelos tributos das pessoas jurídicas transformadas, extintas ou cindidas" a pessoa jurídica "resultante da transformação de outra" e as constituídas "pela fusão de outras ou em decorrência de cisão de sociedade".
"Para outras dívidas, cíveis e comerciais, por exemplo, existe a possibilidade, dentro da Lei de Sociedades Anônimas, de se estabelecer no ato societário que as partes não são solidárias. Mas para dívidas tributárias isso não existe. A lei é imperativa", afirma. A advogada entende ainda que, nesse caso – constando em contrato o afastamento do passivo tributário -, a empresa adquirente terá de ajuizar ação contra a companhia cindida para cobrar os valores pagos ao Fisco.
Nos casos de cisão parcial, as empresas devem ter cuidado ainda com as multas aplicadas após a data da cisão. A advogada Gabriela Jajah, do escritório Siqueira Castro, lembra de uma reviravolta sobre o tema no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em julgamento no mês de março, a 1ª Turma da Câmara Superior mudou o entendimento que vinha sendo seguido pelos conselheiros e que beneficiava os contribuintes.
No caso, os conselheiros decidiram, por maioria, que a empresa sucessora deveria ser responsabilizada – contrariando, inclusive súmula do tribunal administrativo que estabelecia o contrário. A Súmula 47 do Carf estabelece que é cabível "a imputação da multa de ofício à sucessora, por infração cometida pela sucedida, quando provado que as sociedades estavam sob controle comum ou pertenciam ao mesmo grupo econômico".
O voto divergente, que foi acompanhado pela maioria, sustentou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia se posicionado sobre o tema. Para a advogada Gabriela Jajah, porém, a questão é bastante discutível. Ela entende que houve um equívoco dos conselheiros porque o STJ, em sua decisão, não deixa claro se essas multas são posteriores à data da sucessão.
"A multa de ofício, a penalidade em si, tem um caráter subjetivo porque o Fisco está penalizando o agente infrator. E, neste caso, a empresa sucessora não foi quem tomou a decisão errada", afirma a advogada.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou, por meio de nota, que "convenções particulares que definem terceiros como responsáveis pelos tributos devidos não podem ser opostas ao Fisco", destacando o artigo 123 do Código Tributário Nacional.
No dispositivo consta que "salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes".
Afirma ainda na nota que "o ordenamento jurídico permite nesses casos que a empresa que possui contrato privado atribuindo a terceiro a responsabilidade por tributos o direito de regresso junto a esse terceiro".
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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