Com o objetivo de revolucionar o sistema de pagamento e investimento, em 2008 Craig Wright, empreendedor australiano, tomou a iniciativa de reinventar a moeda na forma de um código de computador, possibilitando a transferência virtual de sua propriedade a um custo nulo e sem depender de um terceiro intermediário.
A bitcoin é uma moeda virtual, gerada e transferida entre seus usuários por meio de uma rede descentralizada ("peer-to-peer", ou simplesmente, ponto a ponto), sem qualquer intervenção dos governos ou instituições financeiras, por meio de criptografia de chave pública, que gera as primeiras dificuldades de conceituação, do ponto de vista legal.
Nesse contexto, os elementos soberania e território de um Estado não subsistem, visto que nenhuma organização ou indivíduo pode controlar essa criptomoeda.
Todas as transações que ocorrem na economia virtual são registradas em uma espécie de livro-razão da rede bitcoin e distribuídas no chamado "blockchain", que nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas. Novas transações são verificadas contra o blockchain de modo a assegurar que os mesmos bitcoins não tenham sido previamente gastos, eliminando assim o problema do gasto duplo. A rede global peer-to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio intermediário.
Sob a perspectiva econômica, a bitcoin oferece aos usuários as vantagens tecnológicas tanto do dinheiro commodity propriamente dito quanto de um substituto de dinheiro (como certificados de depósitos, os precursores do papel-moeda).
A bitcoin surge como uma forma de reduzir os custos de transação, permitindo um uso mais eficiente do dinheiro, usos que com o dinheiro commodity em si não seriam possíveis. Algo sem precedentes na história monetária, com a transação da criptomoeda sem qualquer lastro físico.
A posse dos bitcoins está a todo o instante com o dono da carteira (equivalente à conta bancária tradicional), dessa forma o proprietário tem disponibilidade completa e irrestrita dos bitcoins, podendo transferi-los a quem desejar a todo instante, sem que nenhuma entidade o impeça de fazê-lo, e de forma anônima.
Contudo, em que pese não ser moeda do ponto de vista legal, é fato que a luz do conceito de capacidade contributiva, que consagra a incidência tributária sob qualquer forma de geração de riqueza, lícita ou ilícita, as transações com bitcoin têm repercussão financeira e, consequentemente, alvo de tributação.
Dessa forma, em análise ao antecedente normativo, em consonância com sua atualização semântica, conclui-se que as criptomoedas são bens aptos a incorporar acréscimo patrimonial ao seu proprietário, em subsunção a norma prevista no artigo 43 do Código Tributário Nacional, pois denota-se operações que consagram os elementos típicos do fato gerador do Imposto de Renda (IR), em razão da manifestação de riqueza.
Sob esse prisma, imperioso destacar que é necessário poder econômico elevado para participar desse tipo mercado, sendo fonte suscetível de atuar no custeio da atividade estatal.
Para efeitos da incidência do IR a verificação do acréscimo patrimonial da criptomoeda pode se dar com o ganho de capital decorrente de sua alienação, com fulcro no artigo 3º, 2º, da Lei nº 7.713/88.
A Receita Federal do Brasil, inclusive, passou a disponibilizar campo no seu formulário de declaração do Imposto de Renda a possibilidade de se declarar as criptomoedas de que é proprietário, e se for o caso, pagar o valor do imposto equivalente. Doravante, deve-se selecionar o código "Outros bens e direitos" e descrever as quantidades das diferentes moedas digitais que o contribuinte tenha. Como não existe uma cotação considerada oficial para o bitcoin e sua emissão não é controlada por nenhum órgão do governo, a saída será usar cotações como a do Mercado Bitcoin para o cálculo dos ganhos.
Para efeitos da incidência do Imposto de Renda, segundo a Receita Federal, quando as vendas em um mês são maiores que R$ 35 mil, os ganhos de capital devem ser tributados em 15% e o pagamento do imposto deve ser feito até o último dia do mês seguinte ao da transação. Para que seja feito o recolhimento, o ideal é que seja usado o Programa de Apuração dos Ganhos de Capital (GCAP).
Mesmo quem não obteve ganho de capital está obrigado a informar o saldo da moeda bitcoin na declaração, na ficha de Rendimentos Isentos e Não Tributáveis.
Outras operações com bitcoins podem ter efeitos tributários, tais como doações das criptomoedas (que seriam sujeitas ao ITCMD), intermediações de compra de venda (tributáveis pelo ISS), sendo necessária uma análise em cada caso concreto.
Contudo, é importante ter em mente que referidos posicionamentos ainda são preliminares e que a matéria está sendo discutida pelas autoridades fiscais e monetárias de vários países, razão pela qual, poderemos no futuro ter um panorama legal e tributário complexo.
por Paulo Henrique de Souza Freitas e Talita Fernanda Ritz Santana são, respectivamente, doutor em direito comercial (PUC-SP) e especialista em direito tributário (IBET-SP); sócio e associada de Freitas Martinho Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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