Dispõe a alínea b, do inciso X, do § 2º, do art. 155 da que não incide o ICMS “sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”.
A imunidade é uma categoria jurídica de natureza constitucional, ao passo que a isenção e a não incidência são categorias jurídicas de natureza legal. Aquela atua no campo de definição de competência tributária, estas atuam no campo de aplicação da legislação tributária.
É noção corrente na doutrina especializada e, também na jurisprudência de nossos tribunais que a não incidência constitucionalmente qualificada configura hipótese de imunidade tributária, uma garantia constitucional do contribuinte protegida em nível da cláusula pétrea.
De fato, se a saída para outro Estado desses produtos configurasse uma imunidade objetiva, obviamente, eles não poderiam ser tributados por ocasião da entrada no território do Estado destinatário.
Porém, no entendimento da Corte Suprema a não incidência prevista na alínea b não expressa caso de imunidade, como acontece na alínea anterior (mercadorias destinadas ao exterior e serviços prestados a destinatários no exterior). Ela representa uma norma de não incidência propriamente dita para favorecer o Estado destinatário dos referidos produtos. Por isso, ela não alcança a compra de combustível para circulação, por configurar uma operação interna. O objetivo da não incidência é o de beneficiar o Estado consumidor que fica com a faculdade de tributar pela alíquota cheia (alíquota interna), e não o de favorecer o consumidor de combustível. Fosse uma imunidade objetiva, o consumidor se beneficiaria na compra do combustível de outro Estado, hipótese em que seria inconstitucional a tributação na entrada. Mas, a jurisprudência do STF orientou-se no sentido de que a norma constitucional limita-se a prescrever a não incidência na saída para outro Estado, a fim de propiciar ao Estado onde ocorre o consumo uma tributação mais vantajosa. Nesse sentido os inúmeros Acórdãos proferidos pela Suprema Corte do País[1]. Transcrevemos a ementa de um dos Acórdãos para melhor compreensão:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. LUBRIFICANTES E COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSOS, DERIVADOS DO PETRÓLEO. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. IMUNIDADE DO ART. 155, § 2º, X, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá em sua totalidade o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Consequente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo. Recurso conhecido, mas desprovido” (RE 198088-SP; Rel. Min. Ilmar Galvão; Julgamento: 17-05-2000; DJ 05-09-2003).
Na prática, surge uma dúvida quanto a não incidência na operação de saída do álcool anidro, considerando que o texto constitucional sob exame se limita a combustíveis derivados de petróleo, que sabidamente são originários de fontes não renováveis. Em razão da restrição do texto constitucional em vigor, entendo não servir de parâmetro a antiga jurisprudência da Corte baseada no art. 21, VIII, da Carta Política antecedente que se referia a lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos e de energia elétrica. Foi à luz desse texto constitucional que o STF proferiu o Acórdão cuja ementa segue abaixo transcrita:
“IMPOSTO ÚNICO SOBRE LUBRIFICANTES E COMBUSTIVEIS. O ALCOOL ANIDRO DESTINADO A COMPOSIÇÃO DE GASOLINA AUTOMOTIVA E COMBUSTIVEL LIQUIDO E, COMO TAL, ESTÁ UNICAMENTE SUJEITO AO IMPOSTO DE QUE TRATA O ART. 21, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EXCLUIDA, PORTANTO, A INCIDENCIA DO ICM SOBRE AS OPERAÇÕES REALIZADAS COM ESSE PRODUTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO” (RE 92739-RJ; Rel. Min. LEITÃO DE ABREU; Julgamento: 10-10-1980; DJ 12-12-1980).
De fato, afirmar que o álcool anidro é combustível líquido é diferente da afirmativa de que o álcool anidro é derivado de petróleo. Essa questão merece um exame mais aprofundado do Supremo Tribunal Federal tendo em vista o princípio da isonomia, assim como o objetivo do preceito constitucional sob exame que é o de favorecer os Estados consumidores.
[1] RE no 358.956-3/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe no 117, divulgado em 26-6-2008 e publicado em 27-6-2008. No mesmo sentido: RE no 198.088, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 5-9-2003; RE no 338.681 – AgRg-ED, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3-2-2006; RE no 201.703, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-12-2001; AI no 749.431- AgR, Rel Min. Eros Grau, DJe no 191 de 9-10-2009; AI no 801149, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe no 112, divulgado em 18-6-2010.
por Kiyoshi Harada - Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Harada Advogados
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