Em fevereiro de 2016, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral de duas discussões sobre os efeitos da coisa julgada: Tema 881, "limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal" e Tema 885, "efeitos das decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado".
Essa controvérsia ganhou enorme importância com a Constituição de 1988, quando foi atribuída competência à União para criar contribuição social sobre o lucro, criada pela Lei nº 7.689/88. Diversos contribuintes questionaram a exação em ações individuais; paralelamente, em 1990, foi ajuizada no STF a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 15).
Agora, o Supremo terá a oportunidade de ratificar sua jurisprudência sobre a prevalência da coisa julgada
Em 1992, o STF (RE 146733) reconheceu a constitucionalidade da CSLL, determinando, apenas, que sua criação obedecesse a noventena. Os efeitos desse julgamento alcançaram apenas as partes envolvidas naquele processo, pois ainda inexistente a repercussão geral. Apenas em 2007, o STF julgou a ADI proposta para reconhecer a constitucionalidade da CSLL, com efeitos "erga omnes".
Até que o STF julgasse a referida ADI 15, a Procuradoria da Fazenda Nacional, em relação a algumas das decisões transitadas em julgado favoravelmente aos contribuintes, propôs a ação rescisória; em outros casos, sem que se indicasse qualquer critério objetivo para tanto, não foi proposta mencionada ação, circunstância que, decorrido o prazo de dois anos sem o seu ajuizamento, levou à imutabilidade da "coisa soberanamente julgada".
Tempos depois, em uma tentativa de reformar o "imutável", a Receita Federal lavrou autos de infração para exigir a CSLL, mesmo de contribuintes que possuíam decisões transitadas em julgado. Os principais argumentos fazendários: 1) o STF reconhecera, em 1992, a constitucionalidade da Lei 7.689/88, o que autorizaria a cobrança da CSLL não recolhida; 2) a súmula 239/STF limitaria a eficácia da coisa julgada ao exercício em que proferida a decisão; 3) leis posteriores teriam alterado aspectos da CSLL, sendo irrelevante a coisa julgada quanto à Lei 7.689/88.
O STJ reconheceu a eficácia da coisa julgada, mesmo diante de leis posteriores, e rechaçou todos os argumentos fazendários (abril de 2011, RESP 1118893). É que a Súmula 239/STF se aplica apenas às hipóteses de questionamento de lançamentos tributários circunscritos a certos períodos, como no caso, por exemplo, em que "a tutela jurisdicional obtida houver impedido a cobrança de tributo em relação a determinado período, já transcorrido, ou houver anulado débito fiscal"; contrariamente, se for declarada a inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, não há falar nessa restrição.
Agora, o STF terá a oportunidade de ratificar sua jurisprudência sobre a prevalência da coisa julgada. Em 2015, a 2ª Turma julgou a questão: "a superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia "ex tunc" não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, "in abstracto", da Suprema Corte" (RE 589.513).
Na perspectiva dos contribuintes, que ingressaram judicialmente e obtiveram decisões definitivas imutáveis afastando a CSLL, não se espera manifestação da Suprema Corte em sentido diverso. "In concreto", situações em que tais contribuintes vêm se valendo da coisa soberanamente julgada há mais de 20 anos. São processos já definitivamente julgados no início da década de 90, em relação aos quais a Procuradoria da Fazenda pôde recorrer das respectivas decisões às últimas instâncias ou ingressado com ação rescisória (não o tendo feito em nenhum dos casos).
Se não por todos os fundamentos trazidos pelas Cortes Superiores – seja o STJ ou o STF – há que prevalecer a segurança jurídica, sobre princípio prestigiado pelo texto constitucional.
Diante de todas as incertezas em relação ao futuro, espera-se que ao menos o passado – e aquilo que é definitivo, soberano e imutável – mantenha-se como algo certo. E que a Suprema Corte faça valer a autoridade da coisa julgada decorrente da inquestionável aplicação do devido processo legal.
por Ariane Costa Guimarães é advogada no escritório Mattos Filho Advogados e professora de direito tributário no UniCEUB
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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